10 Setembro 2025
"Justamente o interesse pela internet, manifestado pelo jovem Carlo Acutis, se reflete de forma não linear em dois aspectos não secundários de seu testemunho: a devoção eucarística e a honra aos restos mortais do santo exigem agora, com a canonização, a pronta correção das distorções presentes na rede, tanto devido a algumas imprecisões dos textos oficiais quanto pelas iniciativas inadequadas assumidas pela associação que apoiou a causa".
O artigo é de Andrea Grillo, teólogo italiano, publicado por Come se non, 08-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
O dia 7 de setembro viu a canonização de dois "jovens" santos: Piergiorgio Frassati (falecido em 1925 aos 24 anos) e Carlo Acutis (falecido em 2006 aos 15 anos). Pode ser surpreendente que quase um século separe os dois jovens santos, mas que ao santo do início do século XX sejam atribuídas palavras que nos parecem quase contemporâneas, enquanto ao segundo são atribuídas palavras e ações que parecem datar de pelo menos um século antes. Em um aspecto, porém, Acutis é realmente novo: em sua relação com a internet, tanto que ele foi chamado de "padroeiro da internet". Justamente sobre a relação entre Acutis e a internet, considero necessária uma reflexão eclesial, envolvendo pastores e teólogos, sobre as precauções a serem tomadas para não cair na armadilha da "rede". Vou tentar apontar, a teólogos e pastores, duas das questões mais urgentes.
A coleção digital dos milagres eucarísticos
O que acontece se um jovem, com grande devoção pelo sacramento da Eucaristia, se dedica a coletar todos os testemunhos históricos sobre os milagres eucarísticos? A internet lhe oferece a ferramenta ideal para vasculhar os séculos e coletar dezenas e centenas de "milagres". Mas qual é a relação entre essas "histórias" e a devoção ao sacramento? Aqui, parece-me que tanto os textos oficiais do Dicastério para as Causas dos Santos quanto o site carloacutis.com considerem os fatos de forma muito superficial. Apresentam a coleção, que nesse interim se tornou uma "exposição", simplesmente como "prova" de devoção. Aqui é necessária maior prudência.
Milagres suspeitos e exposições nas paroquias
Há uma segunda cautela a ser considerada. As várias "espécies" de milagres eucarísticos apresentadas na "exposição" são uma coleção um tanto confusa e mal organizada de fenômenos diversos, agrupados sob o termo "milagres eucarísticos", na qual prevalece uma leitura devota, que esconde o lado apologético que caracteriza todos esses relatos. Dizer "apologético" significa dizer que os milagres são sempre contados "contra alguém". Vamos examinar as principais figuras desses milagres:
a) Milagres contra a pouca fé: o aparecimento do sangue ou da carne como "remédio" para a falta de fé do padre ou dos fiéis. Mas, como acontece no milagre de Girona, se em vez da hóstia for recebida a carne, a comunhão não pode mais ser feita. O milagre substitui a comunhão e, por isso, interrompe a dinâmica intrínseca do sacramento. Pressupõe uma autossuficiência da presença sacramental em relação à presença eclesial do Corpo de Cristo.
b) Milagre contra os infiéis: o milagre de Trani (a hóstia frita por uma não cristã) ou o milagre de Bruxelas (a hóstia trespassada com facas por não cristãos) não impedem de descobrir que se trata de traços muito evidentes de um uso "antijudaico" dos milagres eucarísticos como "reveladores" da falta de fé. Uma reproposição dos fatos sem a devida cautela expõe a Eucaristia a um uso instrumental. Reconstruir esses eventos de maneira meramente "devota" não é sinal de devoção eucarística, mas sim de simplificação da realidade.
c) Milagres contra doenças, terremotos ou epidemias: nesse caso, trata-se de "milagres" nos quais a Eucaristia desempenhou um papel sem qualquer alteração em sua aparência, como no milagre de Tumaco. Nesse caso, fala-se de "milagres", mas em um sentido diferente: o efeito da Eucaristia, sem qualquer alteração na hóstia, manifesta-se fora dela.
d) Confusão entre o milagre eucarístico e as relíquias do Preciosíssimo Sangue, como no chamado milagre de Bruges. Nesses casos, não se fala do sangue como sacramento da Eucaristia, mas da suposta relíquia histórica do sangue da Crucificação. Também aqui há confusão que se justifica em um jovem, mas não em uma exposição oficial.
e) Alegações de demonstrar cientificamente a Presença Real, como no milagre de Tixtla, onde a apologética se torna tão cega a ponto de se tornar até mesmo a pretensão de um "fisicismo" da Presença Real, que a tradição teológica há 800 anos identificou claramente como um erro na compreensão do efeito do sacramento. Corpo e sangue não são uma presença "local", mas "substancial": não podem ser vistos, tocados ou localizados, mas são cridos e, assim, compreendidos.
Talvez tenha sido a própria internet a sugerir essas simplificações: se a coleção dos milagres perde a profundidade histórica das circunstâncias, corre o risco de se tornar uma "visão geral edificante", que involuntariamente inclina para um perigoso fisicismo da presença. Um jovem não podia se dar conta de tudo isso, obviamente, mas os adultos, naquela época assim como hoje, onde estavam e onde estão?
Pois a coleção de milagres, tão marcada por uma interpretação teologicamente inadequada e pastoralmente arriscada, corre o risco de receber, desde ontem, o selo da "canonização" e, por isso mesmo, pede aos teólogos que se manifestem e aos párocos que tomem providências. É correto propor a "Exposição de Milagres Eucarísticos" a paróquias ou dioceses sem reconhecer o risco de uma interpretação distorcida e supersticiosa do sacramento que a exposição parece sugerir? Párocos e bispos também podem se tornar vítimas da internet e das simplificações que ela introduz na experiência sacramental. Ninguém pode ser dispensado do discernimento e ninguém pode esconder suas responsabilidades por trás da canonização. O santo, justamente por ser canonizado, pede que a devoção eucarística seja autêntica e não se confunda com a busca do milagre. A relação entre devoção eucarística e milagres eucarísticos não é linear. Teólogos e párocos têm uma responsabilidade direta nesse sentido, que devem exercer das formas mais adequadas, sem se isentar de seu ofício.
Internet como espetacularização: a visita ao túmulo na web
O padroeiro da web está exposto aos riscos da web. Isso não é apenas um paradoxo, mas o perigo de uma "digitalização" do santo, que conduz não apenas a uma leitura superficial da tradição eucarística ou das formas de oração, mas também a um abuso em relação ao próprio Carlo, de sua pessoa e de seu corpo. De fato, como já foi apontado por mais de um observador, a escolha questionável de incluir no site carloacutis.com a "visita ao túmulo do santo" (saiba mais aqui) faz um uso da internet que não parece de forma alguma justificável. Embora seja óbvio que a "visita ao túmulo" faz parte da tradição mais antiga do cristianismo e que os mártires dos primeiros séculos são o berço sobre o qual igrejas e cidades foram construídas, é igualmente verdade que a versão da visita com "webcam ao vivo", diante do corpo embalsamado do santo, não tem nenhuma possibilidade de ser posta em continuidade com a prática tradicional.
É preciso dizer que a própria canonização implica, também nesse aspecto, novas responsabilidades eclesiásticas. A autoridade eclesiástica competente (ou seja, a Cúria de Assis) precisará solicitar formalmente ao site oficial carloacutis.com a remoção da plataforma da opção de conexão via webcam apontada para os restos mortais do santo. Um elemento obsceno é incompatível com a canonização e o culto aprovado. Qualquer negligência a esse respeito seria considerada intolerável. O santo padroeiro da internet não pode se tornar vítima de abusos da internet.
Justamente o interesse pela internet, manifestado pelo jovem Carlo Acutis, se reflete de forma não linear em dois aspectos não secundários de seu testemunho: a devoção eucarística e a honra aos restos mortais do santo exigem agora, com a canonização, a pronta correção das distorções presentes na rede, tanto devido a algumas imprecisões dos textos oficiais quanto pelas iniciativas inadequadas assumidas pela associação que patrocinou a causa. Permanecer vigilantes diante desses excessos restaura à tradição seu lado mais equilibrado e, portanto, menos espetacular. Nem a Eucaristia nem o corpo dos santos são feitos para serem exibidos, exceto com a discrição do segredo e do mistério. O pão que media o corpo e o túmulo que media a vida são a linguagem sutil da tradição, que ninguém temo direito de contornar com efeitos especiais.
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