16 Agosto 2025
A inflação de alimentos se deve à priorização das exportações, privilegiando o grande agronegócio exportador, com crédito farto e subsidiado, e não a uma suposta demanda aquecida no Brasil como alega o BC.
O artigo é de Rodrigo Ávila e Maria Lucia Fattorelli, publicado por Extra Classe, 07-08-2025.
Rodrigo Ávila (interino) é economista da Auditoria Cidadã da Dívida.
Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB (CBJP). Escreve mensalmente para o Extra Classe.
A prática do Governo Trump de impor o chamado “tarifaço” às exportações de diversos países, de forma súbita, violenta e unilateral, mostra mais uma vez a estratégia estadunidense de dominação global, desta vez de forma totalmente escancarada, na tentativa de favorecer sua economia, às custas de outros países.
Se antes essa estratégia se dava de uma forma velada, com as ideias neoliberais, na falsa defesa do chamado “livre comércio” – que aprofunda a divisão internacional do trabalho, onde países desenvolvidos produzem bens industriais e países do Sul fornecem matérias primas – agora o Presidente dos EUA chantageia abertamente os países – principalmente o Brasil – a transferirem suas fábricas para os Estados Unidos e lhes darem as chamadas “terras raras”, minerais estratégicos para a fabricação de bens de alta tecnologia como carros elétricos, aeronaves e outros.
Para tentar fortalecer politicamente esta estratégia, Trump vincula as tarifas a uma proteção a aliados políticos nos outros países (como no caso brasileiro), cuja base de apoio tem maior propensão a apoiar até mesmo tarifas contra seu próprio país, desde que seja por uma “boa causa”. Desta forma, até mesmo setores altamente prejudicados pelas tarifas, como o grande “agronegócio” de exportação, evitam atacar Trump, alegando que a culpa das tarifas seria do próprio governo e judiciário brasileiros.
Em meio a estas contradições, um interessante e raro efeito surgiu, que nos permitiu de forma inédita comprovar na prática uma ideia há muito defendida pela Auditoria Cidadã da Dívida. Nos últimos dias, a grande imprensa reconheceu que as tarifas de Trump para a exportação de produtos brasileiros levou à queda no preço da carne, café e laranja no Brasil. Com a dificuldade de vender estes produtos nos Estados Unidos, eles são redirecionados para outros mercados, dentre eles, o próprio mercado brasileiro.
Isso confirma o que a Auditoria Cidadã da Dívida sempre denunciou: que a inflação de alimentos se deve à priorização das exportações, privilegiando o grande agronegócio exportador (com crédito farto e subsidiado, infraestrutura de transportes, grandes isenções fiscais, falta de uma reforma agrária e agrícola, por exemplo) e não a uma suposta demanda aquecida no Brasil, como vem alegando o Banco Central, sucessivamente, para justificar insanas elevações da taxa básica de juros Selic.
Apesar da última Ata do Copom dizer que os trabalhadores estariam com “ganhos reais consistentemente acima da produtividade” e que “o mercado de trabalho tem dado bastante suporte ao consumo e à renda”, cabe ressaltarmos que o rendimento médio dos trabalhadores no trimestre de abril a junho de 2025 foi somente 2,7% superior ao mesmo trimestre de 5 anos antes, em 2020, em plena pandemia.
Obviamente que a tarifa imposta por Trump não representa a mudança no padrão agrícola brasileiro, marcado principalmente pela ocupação das terras por grandes lavouras de exportação de soja, milho e outros produtos, cujos mercados principais (como a China e Europa) não foram afetados. Porém, a queda nos preços de produtos exportados aos Estados Unidos – embora possa ser revertida por outras medidas, como os recuos de Trump isentando diversos produtos na última hora – mostra que a priorização das exportações, inclusive com grandes benesses fiscais como a Lei Kandir (que isentou de ICMS as exportações de alimentos e minérios) é a grande responsável pela alta de alimentos, inaceitável em um país como o Brasil.
Desta forma, é também inaceitável se justificar contínuas altas de juros sob a falaciosa justificativa de que os brasileiros estariam com uma demanda superaquecida por alimentos, o que mostra a grave ilegitimidade da taxa básica de juros brasileira, um dos principais fatores que tem feito a chamada dívida pública brasileira explodir, sem financiar investimentos, mas apenas sugando a riqueza produzida pelos trabalhadores para enriquecer ainda mais os super ricos.