16 Agosto 2025
Rashid Khalidi ocupou a Cátedra de Estudos Árabes Modernos “Edward Said” na Universidade de Columbia por décadas, até o início de agosto. Decidiu se aposentar depois que a universidade capitulou às exigências de Donald Trump, uma série de medidas governamentais de controle e vigilância que — segundo ele — impossibilitaram o ensino de história do Oriente Médio.
A entrevista é de Chiara Cruciati, publicada por Il Manifesto, 13-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Historiador palestino-estadunidense, Khalidi é autor de livros fundamentais sobre a questão palestina, incluindo Identidade Palestina e Palestina: Cem Anos de Colonialismo, Guerra e Resistência, publicado em italiano este ano pela Laterza. Entramos em contato com ele por telefone.
A decisão de deixar a Universidade de Columbia, o senhor escreveu, decorreu da imposição da definição de antissemitismo da IHRA, que o equipara às críticas a Israel e ao sionismo, da nomeação de figuras chamadas a vigiar os cursos de estudos do Oriente Médio e da repressão e prisões de estudantes como Mahmoud Khalil.
Aposentei-me da Columbia no verão de 2024, uma decisão que havia tomado anos antes, muito antes da guerra. Fiz um acordo com a universidade: eu estava autorizado a lecionar se meu departamento o quisesse. Portanto, retomei o mesmo curso no outono de 2024, História Moderna do Oriente Médio. O mesmo deveria acontecer neste outono. Nesse ínterim, porém, a Columbia dobrou-se ao ultimato do governo Trump. Eu não podia mais lecionar devido a uma série de medidas de monitoramento, particularmente dos Estudos do Oriente Médio, que prevê que um supervisor do governo tenha ampla autoridade para verificar eventuais acusações de antissemitismo em relação à guerra genocida em Gaza. Acusações que atingiram os protestos nos campi, falsas: tratava-se de oposição às políticas do Estado de Israel. Essa e outras medidas tomadas pela universidade me fizeram entender que era simplesmente impossível para mim lecionar um curso de História Moderna do Oriente Médio.
O senhor escreve que o ataque à liberdade acadêmica no espaço universitário está sendo usado para encobrir um dos crimes mais graves deste século, o genocídio em Gaza. Em um artigo de opinião de março, explicava como o objetivo era silenciar a Palestina. Por que isso assusta?
A proteção que o Ocidente reconhece a Israel se explica por interesses estratégicos e geopolíticos e pela visão de Israel como uma democracia ocidental, uma das mentiras mais grotescas da história. Como pode um país que há 57 anos domina metade da população sob seu controle, reconhecendo-lhes zero direitos, ser uma democracia?
Israel efetivamente anexou a Cisjordânia e Gaza e ainda é chamado de democracia. Esses valores supostamente compartilhados são, na verdade, uma cobertura para importantes interesses estratégicos. No entanto, estamos assistindo a uma transformação: Israel desfrutava de amplo apoio não apenas entre as elites, mas também entre suas opiniões públicas, desde o momento de sua fundação. A situação mudou. O apoio a Israel nos Estados Unidos caiu hoje para menos de 30%. E estamos falando de um país sem o qual Israel nada pode fazer: cada caça que usa em Gaza é estadunidense, cada helicóptero é estadunidense, cada míssil Hellfire é estadunidense. O mesmo aconteceu na Europa Ocidental: uma pesquisa da YouGov do mês passado registrou um apoio a Israel em torno de 20% no Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Espanha e Dinamarca. Nunca antes na história tinha acontecido de Israel desfrutar de um nível tão irrisório de apoio popular. É por isso que para os governos ocidentais é essencial suprimir o dissenso contra políticas de apoio ao genocídio e acusar cada oposição ao genocídio de antissemitismo. Precisam proteger seus interesses estratégicos ligados a Israel e sua arcaica visão de Israel como um país com o qual compartilham os chamados direitos ocidentais. Não há nada de antissemita em se opor ao colonialismo, à limpeza étnica e ao apartheid.
Israel está seguindo uma trajetória previsível? De uma limpeza étnica e um colonialismo de assentamento e da subsequente imposição de um regime de apartheid só poderia derivar um genocídio?
Fora poucas exceções, há dois resultados possíveis de um projeto de colonialismo de assentamento: a eliminação da população nativa ou sua subjugação total. O terceiro caminho é o sucesso da resistência indígena, como aconteceu na Irlanda, Argélia, África do Sul e Quênia. Em alguns casos, chegou-se a uma solução de compromisso (Irlanda e África do Sul); em outros, à expulsão dos colonizadores (Argélia). Hoje, os palestinos representam metade da população sob o controle israelense; não foram totalmente subjugados nem totalmente eliminados. Mas a lógica do colonialismo de assentamento sionista nos diz que essas são suas únicas duas opções. Podia ser feito em silêncio, como Herzl escreveu em seu diário no final do século XIX; dever-se-ia fazer desaparecer aquela população miserável discretamente para além das fronteiras. Quando ficou claro que era impossível desfazer-se dela silenciosamente, outros líderes sionistas como Jabotinsky — em quem o Likud se inspira — falaram claramente que a única maneira de se livrar de uma população nativa que resistia era destruí-la militarmente.
Por que é importante descrever o genocídio como uma guerra colonial?
O sionismo não é apenas um projeto de colonialismo de assentamento; é um projeto nacional, com uma importante dimensão religiosa. Embora difira por diversas razões de outras formas de colonialismo, a natureza é a mesma, a começar pela presença indispensável de uma metrópole externa.
O Ocidente forneceu a metrópole a Israel, a Grã-Bretanha antes de 1948 e os Estados Unidos depois: sempre há um centro de onde o colonialismo parte. Existe o roubo da terra de um outro povo, a mudança no sistema legal para legalizar esse roubo e o assentamento dos colonos, tanto na Palestina quanto na Argélia e na Irlanda. No caso de Israel, esse processo nunca parou. Vejamos a Galileia e o Negev, onde terras ainda estão sendo tiradas e colonizadas, da mesma forma que na Cisjordânia. Vejamos a lei do Estado-nação de 2018 que define Israel como o Estado exclusivamente do povo judeu. Em relação à definição de Israel como uma democracia, o que deve se entender por regime de apartheid? O termo é usado para se referir a partes da Palestina histórica, mas há segmentos do povo palestino geralmente invisíveis nos noticiários: os palestinos de 1948 e os refugiados na diáspora.
O termo apartheid é apropriado para os Territórios Ocupados, onde existe um sistema legal para um povo e um sistema legal para um outro e onde os colonos israelenses, aproximadamente 800.000 entre a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, vivem sob a lei israelense e fazem parte dos sistemas de fornecimento de eletricidade, de água e de comunicações de Israel. A Cisjordânia e Jerusalém Oriental são de fato anexadas, e os palestinos que vivem lá não têm direitos e estão sujeitos ao domínio militar. Não têm direito a voto, não podem se manifestar e se organizar legalmente, não podem escolher quem os representa politicamente e não podem criar legalmente associações sem correr o risco de prisão ou detenção administrativa. Dentro de Israel, os palestinos são cidadãos em uma situação de discriminação: podem votar, podem exercer muitas profissões, mas têm direitos limitados por dezenas de leis que discriminam os não judeus, sofrem restrições ao acesso à terra e não têm acesso a determinados setores de trabalho. Sua situação é comparável àquela dos Estados Unidos sob as leis Jim Crow. Os Estados Unidos, na época, também eram considerados uma democracia.
O senhor também é extremamente crítico em relação às lideranças dos países da região; em seu último livro, mostra claramente sua apatia e, em alguns casos, sua cumplicidade. Hoje, não estamos assistindo a nenhuma medida real contra Israel. Virá?
É uma tragédia ver manifestações de massa no Ocidente e não ver números semelhantes em uma capital árabe. O nível de apoio público à Palestina é altíssimo, mas aqueles povos não têm o poder de mudar as políticas de seus governos. A razão é a ausência de
democracia, que é uma pré-condição para a hegemonia israelense. Se houvesse uma opinião pública árabe capaz de influenciar as escolhas políticas, a situação seria completamente diferente. O que vemos hoje é o resultado de monarquias absolutas onde não há espaço para o dissenso, ditaduras militares ou descendentes de regimes militares, como Argélia e Egito, ou Estados falidos, países destruídos por guerras civis, da Síria ao Iraque e ao Iêmen. As elites desses países se beneficiam, às custas de seus respectivos povos, do vínculo com o Ocidente e reprimem a opinião pública que, de outra forma, seria muito mais visível em seu apoio à Palestina. É por isso que digo que a ausência de democracia é uma pré-condição essencial para o domínio israelense e estadunidense na região.
Em relação à política interna palestina, o atual período lembra de alguma forma os anos que precederam 1948? A destruição por britânicos e sionistas da liderança na época deixou o povo palestino sem um líder, que só renasceria nos anos subsequentes.
Não existe hoje uma liderança palestina unida e com uma visão estratégica. A comparação com a década de 1940 não é exagerada. A Grã-Bretanha expulsou toda a liderança política palestina em 1937, e muitos deles nunca retornaram. Hoje, existem dois grupos em competição, nenhum dos quais desfruta de popularidade universal. O único ator realmente ativo é a sociedade civil, que continua a resistir, a permanecer em sua terra, a funcionar e a produzir iniciativas como a campanha de boicote, desinvestimento e sanções. O BDS não é um substituto a um movimento de libertação nacional e não é uma visão política em si, mas é o sintoma da capacidade da sociedade civil de se afirmar e realizar progressos. As derrotas simbólicas que Israel sofre quando portuários se recusam a carregar ou descarregar navios, ou quando um país para de vender armas, ou quando um fundo de investimento desinveste de Israel, são absolutamente cruciais.
O Estado da Palestina tornou-se a chave para uma solução política para muitas chancelarias. Não tomam medidas concretas, mas discutem o reconhecimento do Estado da Palestina sem abordar o cerne do problema — a colonização — e sem envolver os palestinos. Faz sentido falar de Estado da Palestina?
É uma medida que não exige muitos esforços, uma maneira fácil de evitar ações mais duras. Primeiro, parar o genocídio punindo Israel com as sanções ou resoluções do Conselho de Segurança. Segundo, parar o roubo de terras palestinas, a anexação, a colonização e a tentativa de recolonizar Gaza. E terceiro, a remoção dos colonos. Esse é o ponto de partida. Se não for esse o objetivo, estaremos falando em vão; são as roupas novas de um imperador nu. É obsceno falar de um Estado da Palestina sem falar do fim
total e imediato da ocupação e da colonização. Tudo o que Israel fez e está fazendo visa tornar a soberania palestina impossível. Se haverá um Estado, dois Estados, cantões ou uma federação, isso cabe aos palestinos decidir e negociar em uma mesa onde sejam iguais e não marginalizados por um mediador como os Estados Unidos, que impõem as condições israelenses desde a guerra de 1967.
Será que os palestinos, como fizeram após a Nakba, conseguirão reconstruir sua comunidade, suas redes sociais, políticas e culturais? Serão capazes de se recuperar do horror vivido e de um mundo que ficou só olhando?
Não sei. Os palestinos demonstraram uma enorme resiliência no passado; isso poderia acontecer novamente no futuro. A destruição não é apenas física, mas também afeta as instituições sociais: as instituições de governo, educação, saúde, as redes de eletricidade, fornecimento de água e esgoto — tudo foi sistemática e intencionalmente destruído, não por ser um alvo militar, mas porque se pretende destruir o povo palestino como entidade política, social e humana. Reconstruir as infraestruturas é a parte mais fácil. O mais difícil é impedir que Israel retorne e destrua novamente. Os palestinos reconstruirão, como vimos no passado, mais recentemente com o cessar-fogo de janeiro: retornaram ao norte e começaram a reconstruir imediatamente. Mas quem financiará a reconstrução massiva de infraestruturas, sabendo que Israel poderia demolir tudo novamente e que ninguém o impedirá?
A cumplicidade covarde dos governos ocidentais é o obstáculo à reconstrução de Gaza, porque eles nunca impõem sanções a Israel quando viola os acordos. E, além disso, o dano psicológico, o trauma de longo prazo, a desnutrição e a deficiência pesarão sobre a sociedade palestina para sempre. As crianças sofrerão os efeitos do que vivenciaram e dos sofrimentos suportados por todas as suas vidas. Eu vivia em Beirute durante a invasão israelense de 1982; durou apenas alguns meses, mas ainda me lembro do impacto duradouro em meus filhos. Em Gaza, estamos falando de um sofrimento que já dura quase 23 meses; o impacto é incalculável.