04 Agosto 2025
Trancados na armadilha de fanatismos religiosos, polarizações ideológicas, preconceitos e culto do eu, muitas vezes nem nos damos conta de que não somos livres. No entanto, só nós podemos romper as barras da prisão que construímos.
E, nesse contexto, a necessidade de uma orientação espiritual capaz de dialogar com a razão e o coração torna-se cada vez mais premente.
A reportagem é de Emanuela Schenone publicada por Il Secolo XIX, 01-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O teólogo Vito Mancuso tenta responder a essa exigência em seu último livro, "Il dono della gioia” (O Dom da Alegria, em tradução livre), uma coletânea que reúne três de suas obras anteriores “Non ti manchi mai la gioia", "La via della bellezza" e "Il coraggio di essere liberi"), criando uma trajetória interior profunda, porém concreta, um caminho laico, porém não materialista, que pode conduzir, entre ética e transcendência, à descoberta da beleza, do assombro e da harmonia.
O senhor fala de uma filosofia da libertação. Em que consiste e qual é o objetivo da jornada que descreve em seu livro?
A palavra-chave que engloba o sentido de toda a trajetória é consciência, ou seja, a capacidade de reconhecer que não somos livres, que vivemos numa armadilha toda a nossa vida.
A que armadilha se refere?
A armadilha é o estado de cativeiro em que todos nos encontramos, uma condição que nos obriga a correr, independentemente de nossa vontade, na esteira rolante da existência que avança em direção a um destino que não escolhemos. Porque, assim como começamos de uma geração inicial não desejada, caminhamos para uma degeneração final igualmente não desejada. E em meio a isso há toda uma série de determinações, de constrições que dizem respeito à nossa psique, ao nosso corpo, às nossas relações sociais, à língua que falamos, às nossas condições econômicas.
Como podemos sair disso?
O primeiro passo consiste na percepção da armadilha, da prisão, de estar acorrentados na caverna, para usar as palavras de Platão. Portanto, o processo de libertação só pode começar da consciência.
Mas o que é a liberdade? Realmente existe?
A liberdade não é dada, mas conquistada, e é a união de três coisas: consciência, criatividade e responsabilidade; alcançá-la requer um trabalho profundo na própria energia interior, que podemos chamar de mente, razão, coração, alma. A maioria das pessoas não pensa, não reflete, apenas repete o que o líder ou influenciador disseram. Mas quando um ser humano age desvinculado de si mesmo, de suas próprias determinações, do desejo de afirmação, então age livre e conscientemente.
Onde Deus se encaixa nesse percurso?
Pode representar o caminho para a libertação, mas muitas vezes pode ser por sua vez uma armadilha.
Em que sentido?
A consciência religiosa, como a crônica contemporânea também confirma, pode ser talvez a armadilha mais perigosa em que um ser humano pode cair caso se torne fechamento, extremismo e, inversamente, pode ser uma fonte de consciência e libertação.
Isso vale para todas as religiões?
É claro, a diferença está em como são vivenciadas: se postas a serviço de uma tomada de consciência pura, desencantada, mas repleta de calor humano, então representam um momento extraordinário de libertação; caso contrário, servem apenas para nos aprisionar ainda mais. Os exemplos mais clamorosos encontram-se nos fanatismos do nosso tempo, de um lado aquele do Hamas, que levou ao massacre de 7 de outubro de 2023, e de outro, igualmente terrível, aquele do atual governo israelense, e ambos nascem daquela diabólica conexão entre religião e política que representa a armadilha de que eu falava.
Qual é o mecanismo que aciona a armadilha?
Muitas pessoas consideram que a religião é a coisa mais importante de todas, que tudo deve estar a seu serviço, e isso leva à intolerância.
Sua reflexão sobre a proposta do Ministro israelense Itamar Ben Givr de suspensão total das ajudas humanitárias desencadeou um debate acalorado. O senhor se perguntou como é possível que justamente os mais religiosos sejam os mais cheios de ódio, chegando a falar de um "lado obscuro do judaísmo". Não faltaram polêmicas...
O sentido da minha provocação não foi compreendido. Naquela intervenção, fiz um apelo à consciência religiosa mundial, um convite para reconhecer que todas as religiões falharam, porque nenhuma esteve à altura de suas promessas de representar o amor de Deus e Sua vontade de paz. Obviamente, os ateísmos também falharam, porque quando tiveram a oportunidade de construir um mundo de acordo com seus princípios, falharam em alcançar seus objetivos e certamente não resolveram os problemas da humanidade.
Então, o que é preciso fazer?
Devemos entender que há algo mais importante do que a religião, a saber, a ética, e as religiões devem se colocar a serviço de uma ética mundial.
De que forma?
Fazendo uma limpeza em sua própria casa, tentando entender as razões de seu fracasso, que não são atribuíveis apenas à imperfeição humana, mas também à imperfeição da própria religião. Há páginas da Bíblia Hebraica que são cheias de ódio e violência, que geram ódio e violência naqueles que as leem e as consideram palavras de Deus. E o mesmo vale para o Alcorão e o Novo Testamento.
De onde nasce todo esse ódio?
As religiões não lidam apenas com o divino, mas também com a recepção humana do próprio divino, e essa é muitas vezes contaminada por interesses, por incompreensões. Todas as religiões, por serem produtos humanos, são imperfeitas, mas podem ser aprimoradas, e o papel da teologia é precisamente este: aperfeiçoá-las à luz do princípio ético. Caso contrário, tornam-se meros instrumentos de poder.
O caminho que o senhor sugere leva à alegria. O que é e como se conquista?
A alegria é harmonia consigo mesmo; não depende do mundo externo. Não é felicidade, que é frágil e condicionada pelos eventos. A alegria nasce de uma consciência moral que analisa a si mesma e encontra paz, serenidade, pureza, integridade. É uma experiência espiritual interior, que pode ou não ter um nome religioso.
Repito a mesma pergunta de antes: qual o papel de Deus nesse processo?
Acredito que Deus está dentro de nós, quando respondemos àquela demanda de bem, de bondade, de beleza que nos atravessa, que surge dentro de nós, estamos realizando o maior ato de culto possível. Essa voz da consciência pode muito bem ser chamada de Deus. Eu a chamo de Deus. Se alguém a chamar de outra maneira, tudo bem também, a substância não muda.
Então, pode-se ter uma experiência do divino mesmo sem crer em Deus?
Com certeza. Penso em figuras como Gino Strada: ele se declarava ateu, mas cuidava de todos, em todos os lugares, sem distinção. Se as palavras do Evangelho são verdadeiras (‘Tive fome e me destes de comer...’), Strada é um grande exemplo de uma profunda experiência espiritual que consiste em se colocar a serviço do bem, da verdade do amor. Deus está na consciência moral, não apenas nos ritos e nas orações.
Falando em ritos, o que o Papa Leão XIV trará para a Igreja: inovação ou retorno à tradição?
Os papéis fundamentais de um pontífice são dois: governar a Igreja e representar uma consciência profética. Este me parece ser um Papa muito atento a restaurar a unidade interna, a harmonia da Igreja, especialmente depois de um pontificado como o de Francisco, que se focou na superação da tradição. Ele está recuperando aparatos, paramentos, ritualidades; em breve, certamente levará o cardinalato de volta às dioceses que sempre o tiveram, como Gênova. Veremos se ele também será capaz de desempenhar a outra função, aquela profética, que exige temperamento e coragem.