“Acredito que é impossível estudar os seres humanos como se vivessem separadamente dos não humanos, e vice-versa”. Entrevista com Anna Tsing

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24 Julho 2025

O livro Notre nouvelle nature [Nossa nova natureza] oferece um guia para a compreensão, em nível microlocal, da devastação do Antropoceno. É o que a antropóloga Anna Tsing chama de “ecologias ferais” (ou selvagens).

A entrevista é de Christelle Gilabert, publicada por Reporterre, 15-07-2025. A tradução é do Cepat.

De passagem por Paris por ocasião do lançamento de Notre nouvelle nature: guide de terrain de l’Anthropocène (Nossa nova natureza: um guia de campo para o Antropoceno), a antropóloga Anna Lowenhaupt Tsing, professora da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, e da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, nos concedeu uma entrevista que explora os recantos inexplorados dos desastres ecológicos.

Após o sucesso do seu livro O cogumelo no fim do mundo: sobre a possibilidade de vida nas ruínas do capitalismo (N-1 Edições, 2022), no qual descobrimos suas andanças atrás do matsutake, um cogumelo que cresce apenas em florestas devastadas pela indústria, Anna L. Tsing codirige, desde 2020, um projeto de pesquisa coletiva chamado Atlas Feral.

Este mapa interativo explora as pequenas e grandes histórias de perturbações ecológicas no Antropoceno, bem distantes dos grandes esquemas planetários. Este ambicioso projeto originou o guia Nossa nova natureza, que ela escreveu com três outros autores: Jennifer Deger, Alder Keleman Saxena e Feifei Zhou.

Eis a entrevista.

O que é essa “nova natureza” discutida em seu livro?

É uma natureza que nasce ou se transforma a partir da implantação de grandes infraestruturas industriais e imperialistas, o que chamamos de ecologias “ferais”. Normalmente, o termo se refere a animais domésticos que retornaram ao estado selvagem. Nós expandimos e reinventamos a nomenclatura para designar os fenômenos naturais causados por projetos industriais de grande escala, mas que escaparam completamente ao controle humano.

Nosso atlas, no qual este guia se baseia, oferece uma exploração detalhada desses efeitos ferais, com vistas a proporcionar uma nova compreensão da natureza terrestre. Um exemplo é a doença da “morte repentina do carvalho”, que devastou as florestas da Califórnia e do Oregon nas décadas de 1990 e 2000. Ela é causada por um patógeno, Phytophthora sp., que ataca especificamente árvores. Os patologistas florestais conseguiram rastrear a introdução da doença que se deu através do transporte industrial de viveiros de plantas infectadas, que eram transportadas por caminhão pela costa oeste dos Estados Unidos.

O livro é apresentado como um “guia de campo” para analisar o Antropoceno a partir de seus “patchy” [paisagem ou situação com padrões irregulares e descontínuos, onde diferentes elementos coexistem, mas não necessariamente de forma harmoniosa ou previsível]. Este conceito é central para a sua abordagem, mas intraduzível para o francês. O que é exatamente um patchy? E como ele muda a maneira como entendemos o Antropoceno?

Tomamos este termo emprestado da ecologia da paisagem. Ele se refere a um local de dinâmicas homogêneas entre todos aqueles que compõem uma paisagem. Não há uma definição precisa de patchy, pois depende do que você está procurando e do que você quer observar. Se você estiver interessado em um cogumelo, o patchy será onde ele cresce. Em vez disso, é uma unidade de ação, o ato de observar algo acontecendo em um lugar específico, em um momento específico.

Isso envolve uma arte de observação, prestando atenção ao granular, ao particular, em diferentes escalas de tempo e espaço. Esses patchy constituem o Antropoceno e representam muitas expressões de seus efeitos. Elas formam um mosaico que nos permite ver as múltiplas dinâmicas de disrupção em ação – como extinções, toxicidades, radiação e doenças – e ir além de modelos planetários grandiosos e abstratos.

Essa abordagem, como você indica no início do livro, situa-se na intersecção das perspectivas feministas e decoloniais. Como isso se traduz?

Em primeiro lugar, estamos interessados na influência das infraestruturas humanas nos últimos cinco séculos, ou seja, desde a colonização europeia em diante, e não desde a Revolução Industrial. Isso porque é neste momento que a destruição e a revolta generalizadas começaram, com a escravização de povos e suas terras. Demonstramos isso no livro através do exemplo das plantations.

Na sequência, buscamos revitalizar as ciências naturais, afastando-nos das práticas científicas ocidentais, que também estão inseridas em uma história colonial: a dos exploradores europeus que vieram estudar plantas ou animais, sem levar em consideração as populações indígenas que viviam ao seu lado. Não queremos repetir isso. É por isso que acolhemos diferentes tipos de saberes, de observadores e testemunhos de outras culturas e experiências locais.

Considerar essa multiplicidade de perspectivas e narrativas na análise que pretendemos produzir também é característico das abordagens feministas da ciência. Essas são abordagens pluralistas, que partem do campo, engajando-se em trabalho social e cultural com as pessoas e os ambientes em questão, em vez de aplicar um método único.

O livro defende uma reconciliação entre as ciências naturais e as ciências humanas. Afirma que “a ideia de que estudar não humanos implica necessariamente negligenciar as injustiças [sociais] não é verdadeira!”

Acredito que é impossível estudar os seres humanos como se vivessem separadamente dos não humanos, e vice-versa. Vemos isso com os alimentos, as terras ou... as doenças. De onde vêm? Um dos projetos que incluímos no atlas é o da antropóloga Paulla Ebron, que estudou as espécies presentes a bordo dos navios negreiros.

Ao amontoar os escravos em condições desumanas, esses navios se tornaram criadouros de doenças. Foi aí que nasceu uma nova cepa de mosquito, uma linhagem que ainda hoje é responsável pela dengue, zika e a febre amarela. Os patchy do Antropoceno ajudam a tornar visíveis as interseções entre injustiças sociais e desastres ambientais.

Daí a importância de integrar a história às ciências biológicas, como você sempre defendeu?

Sim, a “nova natureza” da qual estamos falando é aquela em que as histórias humana e não humana estão completamente interligadas. A história natural não é algo ultrapassado, com espécies fixas se reproduzindo de forma linear. Todas elas continuam a evoluir ao longo do tempo, e essa evolução se deve, em parte, às atividades humanas. Nós devemos considerar os não humanos como atores de pleno direito em nossa história.

Ao contrário de “O cogumelo no fim do mundo”, que contava uma história positiva do efeito feral, este livro se concentra em seus fenômenos devastadores. Por que essa escolha?

Contei muitas histórias positivas em O cogumelo no fim do mundo, mas fiquei preocupada que pudesse ser interpretado como uma espécie de esperança transcendente. Como se, em última análise, não houvesse necessidade de agir, já que, no fim, sempre haveria cogumelos.

Então, me perguntei como podemos chamar a atenção para as histórias mais sombrias da vida feral de uma forma que desperte preocupação sem assustar as pessoas. O projeto inteiro é uma tentativa de responder a essa pergunta, de encorajar um novo interesse e engajamento nas relações ecológicas na Terra. Precisamos aprender a prestar atenção a essa nova natureza que nos cerca, com suas facetas mais incríveis e abomináveis.

Como levar essa nova natureza em consideração pode nos ajudar a forjar novas formas de resistência ao capitalismo?

Ajudando a construir coalizões de todos os tipos, entre comunidades humanas e não humanas, e não apenas um único grande movimento. Essa análise de campo através dos patchs também é uma ferramenta que nos permite ver com mais precisão onde podemos trabalhar uns com os outros, quem são nossos aliados e como agir diante de todas essas agressões simultâneas. Elas convidam a uma política pela coalizão, em vez do heroísmo.

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