19 Julho 2025
"O legado de Francisco não poderia justamente ser também aquele de sua abordagem romântica, hoje tão atual e necessária para o nosso mundo desprovido de objetivos, ideais e sonhos?", escreve Antonio Spadaro, jesuíta e ex-diretor da revista La Civiltà Cattolica, em artigo publicado por Avvenire, 16-07-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Do húmus freudiano de sua Buenos Aires ao discernimento inaciano dos desejos, a visão de Francisco colocou a paixão, o tango da vida espiritual, antes da fria teoria. Isso o torna atual em um mundo sem objetivos. A relação entre fé e razão é um pilar da identidade intelectual católica. A ideia de que essas duas dimensões do ser humano deveriam dialogar, apoiar-se mutuamente e evitar abismos mútuos — fanatismo de um lado, niilismo de outro — guiou a elaboração teológica e encontrou expressão significativa na encíclica Fides et Ratio de João Paulo II, de 1998: "A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade", escreveu Wojtyla. Esse equilíbrio corre um risco bem conhecido: o de se tornar um esquema fixo, uma grade, uma teoria que, ao tentar manter tudo unido, corre o risco de excluir a vida em sua carne e em seus conflitos. E o próprio Wojtyla rompeu esse esquema com sua obra poética.
O Papa Francisco herdou essa tensão e optou por realizar um passo a mais: deslocou o centro de gravidade. Onde muitos buscavam um novo sistema, uma teoria alternativa, ele operou uma transformação mais profunda: uma mudança de postura. "A realidade é superior à ideia", escreveu na Evangelii Gaudium. Uma frase simples, mas com potencial subversivo. É um convite a olhar o mundo antes que suas representações. A confiar na experiência, antes que nas fórmulas. E, acima de tudo, a restituir espaço às razões do coração.
O coração, de fato, foi a verdadeira aposta de seu pontificado: não como sentimentalismo fácil ou exaltação de emoções, mas como centro vital, ponto de encontro entre pensamento, vontade e afeto. O coração como lugar da verdade. Não de uma verdade abstrata, mas de uma verdade vivida, encarnada, muitas vezes contraditória.
Jorge Mario Bergoglio cresceu em uma Buenos Aires impregnada de cultura psicanalítica. Freud e Lacan faziam parte da paisagem. Os cafés da capital argentina fervilhavam de discussões sobre trauma, inconsciente e recalque. A psicanálise, ali, não era apenas uma disciplina clínica, mas uma chave cultural. Mesmo sem adotar sua linguagem — e, de fato, questionando seus resultados mais autorreferenciais — Bergoglio absorveu algo desse clima: uma certa atenção ao conflito interior, à complexidade do sujeito, à narrativa como espaço de elaboração. Até mesmo sua leitura da história é influenciada por essa sensibilidade: basta pensar na insistência na memória da ditadura argentina, vivenciada não como uma ferida a ser rapidamente curada, mas como um trauma a ser atravessado para que se faça justiça.
No entanto, Freud não é o verdadeiro ponto de referência de Francisco. É Inácio de Loyola. Seu discernimento, cerne da espiritualidade jesuíta, é exercido pela escuta das moções interiores: de onde vêm? Conduzem à vida ou à morte? À verdade ou ao engano?
A sombra, aqui, não é negada, mas atravessada. A dúvida não é condenada, mas acolhida como passagem. É um pensamento que aceita o conflito, não para celebrá-lo, mas para não o ignorar. A verdade, sugere Francisco, não pode acontecer sem a turbulência do coração. A vida espiritual é um tango. E acima de tudo: não pode acontecer sem paixão. É isso: Francisco foi um papa "romântico", opondo-se ao iluminismo de uma fides que serve exclusivamente de contraponto à ratio. Francisco para sair dos atoleiros, "recuperando a genialidade e compreendendo cada vez melhor como o homem se entende hoje, a fim de desenvolver e aprofundar seu próprio ensinamento". Ele apelou para aquele Gênio do Cristianismo sobre o qual Chateaubriand havia escrito no final do século XVIII, e sua abordagem ao pensamento nos lembra Schlegel e aqueles "magníficos rebeldes" do Círculo de Jena, ao qual seu amado Friedrich Hölderlin pertencia. Sim, o pontificado de Francisco foi poderosamente romântico. E seu gênio se estendeu a gestos tão poderosamente capazes de falar ao coração.
Francisco levou essa visão ao próprio coração do papado. Ele quebrou as dicotomias fáceis: certo e errado, fé e dúvida. Ele mostrou que a pessoa humana vive em zonas cinzentas, habita ambivalências, e que é precisamente aí que o discernimento entra em jogo. A vida, afinal, "não é uma pintura em preto e branco. É uma pintura em cores", escreveu Francisco, citando os versos de Baudelaire sobre Rubens, quando escreve que a vida é fluida e se agita incessantemente como o ar no céu e o mar no mar. Para Francisco, a verdade nunca foi um objeto a ser brandido, mas um caminho a ser percorrido. E o desejo não é uma ameaça a ser reprimida, mas uma força a ser ouvida.
Nesse sentido, Francisco insere um componente frequentemente negligenciado na reflexão católica: a dinâmica do desejo. Sua leitura da política, por exemplo, nunca foi friamente tecnocrática. Ele sabia que o poder se exerce não apenas em mecanismos institucionais, mas no simbólico, no emocional, no subconsciente coletivo. Por isso, reconheceu na religião uma resposta viva e popular a necessidades profundas: sentido, proteção, pertencimento. E populismos, nacionalismos e ideologias identitárias eram realidades para ele, interpretadas não apenas ideologicamente, mas como sintomas de um desejo desorientado, doloroso e, por vezes, manipulado.
Tudo isso encontra uma síntese poderosa em Dilexit Nos, sua última encíclica. Um texto que não impõe teses, mas propõe uma imagem: a do coração como encruzilhada da vida. Ali se encontram razão, emoção e ação. Ali amamos, sofremos e esperamos. Separar o coração do conhecimento significa quebrar a pessoa. E Francisco torna isso evidente em sua paixão pela poesia e pela literatura. Com Francisco, pela primeira vez nos tempos modernos, o logos poético entra plenamente no magistério pontifício, não meramente como citação ou exemplificação ou como expressão de um gênio pessoal, mas como forma e linguagem de textos magistrais. É por isso que Bergoglio amava os trágicos como Dostoievski, que nos ensina que a racionalidade, se não for aquecida pelo coração, pode se tornar ferocidade. E até a fé, quando privada de amor, torna-se ideologia.
A crítica de Francisco ao neoliberalismo decorre disso. Não se trata apenas de uma análise econômica, mas de um diagnóstico espiritual. Narcisismo social, individualismo competitivo, inflação do ego: esses são os sintomas de uma sociedade que separou o coração do intelecto. Que perdeu a capacidade de sentir o outro. E, com isso, também a possibilidade de gerar comunidade.
Sua linguagem, portanto, é direta. Não adoça a pílula. Ele nomeia a pobreza estrutural, os descartes humanos e tecnológicos, o desamor pelos diferentes, a guerra como solução. Mas ele não cai na armadilha do moralismo. Francisco não coloca a culpa no indivíduo, como um intelectual recentemente mal interpretou. Em vez disso, ele convida a uma assunção adulta de responsabilidade. "Quem sou eu para julgar?", disse ele. Não para relativizar, mas para libertar o senso moral da obsessão do julgamento. Francisco foi o Papa da evangelii gaudium, do gaudete et exultate, da amoris laetitia, e da joie de vivre, dos abraços, dos sorrisos despretensiosos, do "desbordamento" — sua palavra favorita, desborde — da vida e da graça.
A chave é o discernimento, que começa com um coração que sente, que questiona, que vibra, que — como escreveu no prefácio a YouCat. Amor para sempre — sente o "fascínio erótico e de atração" como no tango, quando "dançarino e dançarina se cortejam, vivem a proximidade e a distância, a sensualidade, a atenção, a disciplina e a dignidade".
Francisco não propõe um pensamento pacificado, mas um pensamento vivo, não enrijecido em um catecismo de listas de tópicos. Ele habita a tensão, não a nega. Ele não teme a complexidade, mas a abraça. Não ama o equilíbrio, mas a harmonia dos "opostos polares", seguindo em uma intuição compartilhada por São Basílio e Romano Guardini.
O poliedro, figura recorrente de seu magistério, simboliza essa visão interior: emoções, fragilidade, dúvidas, desejos: tudo encontra espaço. Não mais apenas fé e razão. Mas o que ele chamou de "pensamento aberto", que não fecha nem separa, mas abre e conecta. Aliás, Francisco especificou: "pensamento incompleto". Que não simplifica, mas acompanha. Um pensamento centrado no coração, por fidelidade à carne viva do ser humano. O legado de Francisco não poderia justamente ser também aquele de sua abordagem romântica, hoje tão atual e necessária para o nosso mundo desprovido de objetivos, ideais e sonhos?