05 Julho 2025
Perto do Estreito de Magalhães, a TotalEnergies quer construir uma das maiores unidades de produção de hidrogênio verde do mundo. Um megaprojeto que preocupa as associações ambientalistas e as populações locais.
A reportagem é de Marion Esnault, publicada por Reporterre, 04-07-2025. A tradução é do Cepat.
No extremo sul do planeta, ao norte da Terra do Fogo, o oceano penetra e divide o continente sul-americano em pequenas ilhas. Ali, longe da vista, onde o vento sopra dia e noite sobre as estepes patagônicas, a TotalEnergies quer construir um complexo industrial que abrangeria 72.000 hectares, o equivalente a sete vezes a área de Paris intramuros.
Batizado de H2 Magallanes, este megaprojeto envolve um investimento de US$ 16,3 bilhões (€ 14,2 bilhões) e visa produzir 350.000 toneladas de hidrogênio verde por ano – um gás comercializado como um pilar da transição energética. Esta é uma indústria crucial para o Chile, que almeja se tornar um “líder mundial em hidrogênio verde”.
Mais especificamente, a Total está se concentrando no hidrogênio e em um dos seus derivados, a amônia verde, da qual planeja produzir até 1,9 milhão de toneladas por ano. A amônia, também um gás, é mais fácil de transportar em distâncias muito longas. Ora, os principais mercados-alvo do Chile são a Europa e a Ásia, distantes aproximadamente 17.000 km da Patagônia. Para produzir amônia, é preciso fazer reagir o hidrogênio (H2) com o nitrogênio (N2). Em sua chamada versão verde, a amônia é produzida pela eletrólise da água usando energias renováveis.
A multinacional planeja construir e operar sete usinas de eletrólise alimentadas por um parque com mais de 600 turbinas eólicas e uma usina de dessalinização de água do mar. O gás será exportado de um porto industrial construído especificamente para esta finalidade. “É gigantesco”, exclama, por telefone, Gabriela Simonetti, porta-voz da coalizão de associações Painel Cidadão H2 Magallanes.
“Os projetos não foram concebidos com uma lógica territorial em mente. Foram pensados para a exportação, para que os países ocidentais possam viver ‘verdes’ enquanto Magalhães continua a depender dos combustíveis fósseis”, disse Ricardo Matus, um naturalista entrevistado pelo Reporterre.
A TotalEnergies especifica que a amônia verde produzida em H2 Magallanes poderia ser usada “como substituta do óleo combustível marítimo e do fertilizante verde” – por se tratar de um carburante. Também poderia ser “decomposta para recuperar o hidrogênio” e ser usada como “substituta dos combustíveis fósseis na produção de aço e produtos químicos”, acrescenta a empresa.
“A Patagônia é apresentada como o El Dorado do hidrogênio verde, e vimos dezenas de empresas como a TotalEnergies chegarem nos últimos anos”, explica Alfonso, agricultor de San Gregorio, cidade localizada a cerca de 10 km do projeto H2 Magallanes. Em 2020, o Chile lançou uma “estratégia nacional para o hidrogênio verde” e está incentivando fortemente o investimento de empresas estrangeiras.
“Estamos muito preocupados com o número de projetos que buscam se estabelecer neste território único no mundo, onde a biodiversidade é frágil”, afirma Gabriela Simonetti, porta-voz do Painel Cidadão.
De acordo com o estudo de impacto que a TotalEnergies apresentou no início de maio ao órgão ambiental chileno, a H2 Magallanes planeja se instalar a 3,5 km do Parque Nacional Pali Aike. A multinacional afirma que “a ausência de impacto nos componentes ambientais do parque é garantida por esta zona de exclusão de 3,5 km”. As obras estão previstas para começar em 2027, após a obtenção de todas as licenças.
A empresa destaca com orgulho a conclusão de 16 estudos ambientais, realizados ao longo de três anos por consultores especializados em fauna, flora, geologia, hidrologia, etc. “As próprias empresas coletam os dados que permitem ao governo mensurar as consequências de sua futura instalação industrial. Este é um grande problema do sistema chileno”, reclama Gabriela Simonetti, indignada.
Ricardo Matus, fundador do Centro de Reabilitação para Aves Leñadura, em Punta Arenas, acredita que “é difícil mensurar as consequências da indústria sobre essa rica biodiversidade, especialmente quando as empresas dizem que está tudo bem e há pouquíssimos estudos independentes sobre a fauna e a flora da Patagônia”.
Ele explica que as estepes patagônicas são um mosaico de pequenas áreas de vegetação onde as aves migratórias vêm passar o inverno ou se reproduzir. O naturalista está particularmente preocupado com a sobrevivência de duas aves ameaçadas de extinção: o tarambola-de-magalhães (Pluvianellus socialis) e o ganso-de-cabeça-vermelha (Chloephaga rubidiceps) – que vive apenas na Terra do Fogo. Com seu centro de reabilitação, ele se esforça para estudar as espécies mais vulneráveis para fornecer estudos independentes que enfrentem as empresas. “Receio que conheceremos as consequências quando não virmos mais pássaros voando sobre nossas cabeças. Certamente haverá colisões com turbinas eólicas”, diz.
O Estreito de Magalhães também é um sumidouro de CO2, de acordo com um estudo realizado pela Universidade do Chile. Suas turfeiras acumulam matéria orgânica há milhares de anos e retêm grandes quantidades de carbono. Elas podem armazenar quase o dobro de CO2 por hectare do que as florestas da Amazônia.
O estudo especifica que esses ecossistemas devem ser rigorosamente protegidos, pois sua exploração liberaria carbono na atmosfera e agravaria as mudanças climáticas.
O Painel Cidadão acredita que a indústria do hidrogênio verde também pode levar à fragmentação de habitats, à erosão do solo, à poluição, à degradação da biodiversidade já ameaçada da região e interferir nos ciclos hidrológicos. “Isso impactaria dois ecossistemas: o terrestre e o marítimo”, enfatiza Gabriela, porta-voz do Painel Cidadão.
Ela acrescenta que o tráfego marítimo no Estreito de Magalhães provavelmente aumentará. Entre 2024 e 2025, Magalhães já registrou um aumento de 22,5% no tráfego de navios mercantes. Isso preocupa Alfonso, um criador de gado nas estepes: “Há baleias passando por essas águas: o que será delas?”
Com uma vida útil estimada de 25 anos, espera-se que a H2 Magallanes empregue 6.000 pessoas durante a construção e 700 durante a operação. Alfonso, nascido nestas terras do sul há 73 anos, é cético em relação à “contribuição para a economia local prometida pelas empresas”.
“Reservam-nos o mesmo destino das cidades mineradoras do norte”, acrescenta. “A maioria dos empregos será preenchida por mão de obra qualificada vinda de outros lugares. Os preços aumentarão, as drogas e a prostituição surgirão. Quando a empresa sair, em algumas décadas, a Patagônia não será mais a mesma”.
Rodolfo Sapiains, pesquisador do Centro de Pesquisa em Clima e Resiliência (CR2), aponta a injustiça climática representada pela instalação desses megaprojetos de hidrogênio verde na região de Magalhães. “97% da matriz energética aqui é fóssil, o que significa que as fontes de energia que abastecem nosso território vêm principalmente do petróleo, do gás, etc.”, explica. Ele considera “ilógico que a energia renovável que será gerada em Magalhães seja usada apenas para produzir hidrogênio verde que será exportado, e não contribua para a mudança da matriz energética da região”.
De acordo com estimativas do Ministério da Energia, a região de Magalhães poderia gerar 13% da produção mundial de hidrogênio verde. Embora seja fundamental enfrentar a crise climática por meio do desenvolvimento de energias renováveis, como destaca a coalizão em um comunicado à imprensa, não devemos nos esquecer da “justiça social [...] e da preservação da biodiversidade”. Ela pede “a conscientização sobre os riscos associados a essa indústria, pois pode transformar parte da Patagônia em uma nova ‘zona de sacrifício’ [uma área permanentemente afetada pela atividade industrial]”.