27 Junho 2025
Trita Parsi é um analista político iraniano naturalizado sueco. Seu pai, Touraj Parsi era um professor universitário politicamente ativo que foi preso por duas vezes, primeiro por Mohammad Reza Pahlavi e depois por Ruhollah Khomeini. Após sua libertação, Parsi mudou-se com sua família para a Suécia para escapar da repressão política no Irã. Hoje, Trita Parsi é vice-presidente executiva do Instituto Quincy. Ele é especialista em relações EUA-Irã, política externa iraniana e geopolítica do Oriente Médio. É autor de quatro livros sobre a política externa estadunidense no Oriente Médio, com atenção especial a Irã e Israel.
A entrevista é de Francesca Mannocchi, publicada por La Stampa, 25-06-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
É difícil comentar sobre o cessar-fogo neste momento, dada a instabilidade da situação. Mas, pergunto, até que ponto é realista a manutenção do cessar-fogo?
Vamos colocar desta forma: alcançar um cessar-fogo já é uma grande conquista. Conseguir mantê-lo seria uma conquista ainda maior. Vimos que Israel violou sistematicamente tanto o cessar-fogo em Gaza quanto no Líbano. Desta vez, porém, violá-lo poderia ser mais problemático para Israel, caso um processo diplomático entre os Estados Unidos e o Irã viesse a ser reiniciado. E isso nos leva a outro fator-chave: para que o cessar-fogo efetivamente dure, é necessário um retorno à diplomacia nas relações entre EUA e Irã sobre o programa nuclear.
O que acontecerá se ambos os lados não respeitarem o cessar-fogo? Que tipo de cenário imagina?
Há um cenário em que os dois lados continuam a lutar entre si com ataques mútuos de mísseis e com a mudança de regime que Israel quer. Mas há também outro cenário, em que a continuação dos combates, a violação do cessar-fogo, acaba envolvendo os EUA novamente no conflito. Esse é o cenário que Israel deseja: criar tanta pressão que, se os combates continuarem, seja possível exercer uma pressão implacável sobre os EUA para que voltem à guerra. Acho que Israel está muito descontente com o cessar-fogo. Netanyahu luta há mais de 20 anos para que os EUA entrem em guerra com o Irã. E, uma vez obtido esse resultado, tenho certeza de que ele teria preferido que a guerra durasse mais, em vez de levar a um cessar-fogo em tão poucos dias. E tenho certeza de que ele teria preferido que os Estados Unidos atacassem também alvos militares não nucleares no Irã, e não apenas três instalações nucleares. Mas, depois de conversar com alguns funcionários do governo Trump, tenho a impressão de que estão cientes do descontentamento israelense, mas também céticos quanto à manutenção do cessar-fogo.
Parecem pensar que, de qualquer forma, durará pouco, que logo os combates recomeçarão e que Israel poderá pressionar novamente os Estados Unidos para que voltem a entrar no conflito.
Considera que o ataque ao Catar foi uma tentativa de desescalada de parte do Irã?
Sim, com certeza. A forma como o ataque foi conduzido foi claramente teatral, coordenada, planejada para oferecer a si mesmo e aos Estados Unidos uma saída para salvar a cara, pelo menos no confronto direto entre EUA e Irã. Se eventualmente poderia levar a uma saída também no confronto entre Irã e Israel é muito menos certo.
Se há simbolismo na escolha de atingir o Catar e não outros países com bases estadunidenses, qual poderia ser?
Acredito que, por um lado, o Irã quis fazer algo que não levasse a uma escalada, mas também algo mais significativo do que em 2020, quando atingiu bases estadunidenses no Iraque. Muitos ficaram chocados ao ver o Catar ser atingido, e suspeito que esse fosse precisamente o objetivo do Irã: fazer com que se falasse daquilo, em vez do fato de que, na realidade, foi um ataque muito teatral e limitado, pensado para não matar ninguém, não para causar danos graves a nada, mas para encontrar uma saída de desescalada para essa crise.
Como comenta as declarações do chefe da OTAN, Mark Rutte, que há dois dias afirmou que o ataque militar dos EUA contra o Irã não é uma violação do direito internacional?
Acho que isso mostra até que ponto a Europa se tornou irrelevante em muitas dessas dinâmicas e está se afastando do que historicamente tem sido o fundamento da segurança europeia: o direito internacional.
Se o cessar-fogo viesse a falhar, como acredita que os países europeus reagirão?
Neste momento, a Europa superestimou completamente seu papel. Trump não os considera mediadores bem-vindos, nem reconhece a eles nenhum papel útil nas negociações. Os iranianos claramente prestaram mais atenção aos europeus do que Trump. Mas os europeus, ao começarem cada declaração dizendo que Israel tem o direito de se defender, acabam legitimando qualquer coisa que Israel faça, até mesmo as violações flagrantes do direito internacional. Atacar instalações nucleares é uma violação do Artigo 56 do Protocolo Adicional às Convenções de Genebra.
Não há nenhuma justificativa para isso. No entanto, toda declaração europeia começa com ‘Israel tem o direito de se defender’, como se Israel estivesse respondendo a um ataque iraniano, mas não houve nenhum ataque iraniano contra Israel que justifique essa afirmação. Mais uma vez, a Europa está sacrificando seus princípios fundamentais.
Em sua opinião, agora o Irã está mais ou menos determinado em se dotar de armas nucleares do que há 12 dias?
Acho que muito mais. Nos próximos cinco a dez anos, o risco de o Irã ter uma arma nuclear é muito maior por causa desse ataque. Mesmo que agora se chegasse a um acordo, eu estaria muito mais preocupado com um desvio do Irã do que antes, quando havia o JCPOA (Plano de Ação Integral Conjunto ou acordo nuclear com o Irã) ou em relação a um possível acordo que Trump poderia ter alcançado com Teerã. O clima na sociedade e entre a elite política mudou drasticamente após esse ataque.
O que acha que realmente aconteceria em caso de mudança de regime, como Netanyahu vem desejando desde o início do ataque?
O regime iraniano mais cedo ou mais tarde acabará caindo. Mas se caísse num contexto de guerra, enquanto o Irã está sendo atacado, o cenário mais provável não é ser substituído por ONGs pacíficas ou líderes da sociedade civil, mas sim ser substituído por elementos ainda mais radicais dentro do próprio regime. E é precisamente esse o cenário a que estamos assistindo: que, como resultado do ataque israelense, se o regime viesse a cair, provavelmente chegariam ao poder forças ainda mais determinadas a alcançar uma dissuasão nuclear.
Onde estaríamos hoje se Trump nunca tivesse saído do acordo nuclear anos atrás?
Se Trump não tivesse saído do acordo nuclear em 2018, teríamos tido 10 anos de respeito ao acordo pelo Irã. Teríamos tido tempo suficiente para que o acordo começasse a transformar a sociedade iraniana. Teria fortalecido notavelmente a classe média iraniana graças ao crescimento econômico, e a classe média é a espinha dorsal do movimento democrático no Irã.
Teríamos uma Europa e uns EUA com mais influência sobre o Irã graças a relações econômicas, algo que hoje não existe. O Irã não teria apoiado a Rússia na Ucrânia, porque isso teria lhe custado caro. Hoje, ao contrário, o Irã praticamente não perdeu nada ao fazer isso. E acho que, em última análise, também teríamos tido um Irã com uma relação profundamente diferente com a Europa e os Estados Unidos, se aquele acordo tivesse permanecido em vigor. Além disso, também posso dizer que, se Trump, apenas poucas semanas atrás nas negociações com o Irã, tivesse se mantido fiel à sua linha vermelha original – ou seja, ‘não à construção de armas’ – em vez de adotar a linha vermelha israelense de ‘não ao enriquecimento’, bem, acho que hoje teria chegado a um acordo-quadro com o Irã, em vez de estar em guerra.
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