Fascismos: como vencê-los? Artigo de Alexandre Francisco

Arte: Alexandre Francisco | IHU

26 Mai 2025

"É preciso abandonar esse tom "professoral" de que o pobre é burro e precisa ser "esclarecido" por uma esquerda intelectual iluminada (que nunca pegou um ônibus na vida), que virá como um milagre e dirá o que é melhor pra vida do sujeito. O povo não é burro!"

O artigo é de Alexandre Francisco, advogado, mestrando em filosofia pela Unisinos, membro da equipe do Instituto Humanitas Unisinos — IHU.

Eis o artigo. 

A política se dá por meio de pólemos (Πόλεμος), ou seja, entre outras definições, o conflito. A realpolitik manifesta-se por meio exclusivo dos interesses em disputa. Os valores morais das consequências dessa disputa só serão atribuídos, em regra, por meio da análise posterior das aplicações práticas de suas narrativas. Por isso, a importância de disputá-las e gerar oposição real, para interpelá-las no caminho, antes de suas possíveis consequências práticas (só conseguimos caracterizar detalhadamente as experiências fascistas do século XX, depois de toda da destruição provocada por sua ideologia no continente europeu). No cenário político nacional e mesmo mundial, não temos um conflito entre lados políticos opostos; pelo contrário, a esquerda foi praticamente engolida pelas pautas da direita. Imersa na areia movediça do Estado moderno liberal e capitalista, não vê qualquer perspectiva de redenção.

A extrema-direita avança sem oposição, sem qualquer obstáculo em seu caminho, como gafanhotos que devoram uma vasta planície verde, um horizonte infindável de esperanças humanas.

A esquerda ajuda. Sem perspectiva revolucionária, apenas com pauta reformista, jogando o jogo do inimigo, não consegue fazer face à sua derrocada. O fascismo está para a direita, assim como a revolução está para a esquerda, como polos extremos de ação. A direita dita "democrática" aciona o botão de emergência fascista diante de qualquer movimento que venha a ameaçar a ordem global capitalista, principalmente quando dizem respeito à socialização de direitos para a classe operária – é sua antítese. Pensando em uma espécie de moldura à la Hans Kelsen, é como se o fascismo estivesse dentro da moldura do capitalismo, e lhe fosse inerente. A raiz do fascismo encontra-se no sistema econômico vigente.

Nesse ínterim, medidas provisórias de líderes de extrema-direita pelo mundo visam criar um estado de anomia (ausência de lei), gerando uma espécie de enfraquecimento prático e narrativo institucional, tendo como principal vítima a democracia. Os fragmentos de exceção jogados no ar como partículas, ao se unirem, corroem a democracia de dentro para fora, formando um verdadeiro Estado de Exceção. Trump é mestre dessa arte, não podemos negar. Há uma dubiedade proposital em seu discurso: como um menino arteiro que cutuca o tigre dentro da toca com uma vara curta, ele vai testando os limites da institucionalidade democrática, gerando cada vez mais controvérsia por meio de seus atos executivos, ou seja, mais polêmica (polemikós [πολεμικός], também relativo a conflito/guerra).

Nada disso seria possível se Trump não cuidasse bem de sua peruca. Afinal de contas, fascismos também não funcionam sem seus símbolos, sem sua estética própria, sem a disseminação de sua propaganda e sem fundir-se à constituição subjetiva de seus ouvintes e admiradores. Mas aqui vale uma ressalva: não pense que sua ideologia se capilariza na sociedade somente por meio do afeto político. De fato, o aspecto fundamental de todo movimento político encontra-se na captura do sentimento e da emoção das massas – aqui me refiro tanto à esquerda quanto à direita, afinal de contas ninguém faz revolução somente na força do pensamento. Porém, há uma dimensão extremamente racional por trás da escolha política de um bolsominion ou um trumpista. Vamos aos exemplos.

Em 1935, Goebbels escolheu Hessy Levinsons Taft para representar o "bebê ariano ideal". No entanto, o ministro da Propaganda não conhecia a ascendência judaica da bebê.| Foto: Wikimedia Commons

Imagine um cidadão americano que, diante da disputa por uma vaga de emprego, descobre que um "alien" (inimigo estrangeiro) foi contratado para o cargo. Emocionalmente, o sujeito pode ficar ressentido; racionalmente, poderá criar uma narrativa lógica e até mesmo plausível de que perdeu a vaga para um imigrante e que a culpa de seu calvário é do governo que acolhe seu inimigo. Trazendo para uma realidade brasileira, imaginemos agora que um morador da periferia paulista prefira fazer Uber em vez de ser celetista. Afinal de contas, ele faz seu próprio horário, não tem que acordar às 4:00 da manhã para pegar 6 transportes públicos num único dia para ser xingado pelo patrão que chegou atrasado e, muitas das vezes, tem um lucro muito maior por não estar respaldado pela CLT. Direito a férias e seguro-desemprego se tornam supérfluos. Diante das características descritas, optar por direitos trabalhistas parece "irracional" diante da possibilidade de lucros maiores com a flexibilização total desses direitos e o chamado "empreendedorismo de si". Se você não consegue trabalhar 14 horas por dia, a culpa é sua!

É preciso abandonar esse tom "professoral" de que o pobre é burro e precisa ser "esclarecido" por uma esquerda intelectual iluminada (que nunca pegou um ônibus na vida), que virá como um milagre e dirá o que é melhor pra vida do sujeito. O povo não é burro! No exemplo acima, maluco é quem quer trabalhar de carteira assinada! O ponto é que você não convence uma pessoa dando a ela opções piores do que ela já tem. O ditado diz que time que está ganhando não se mexe. Enfiar uma ideia goela abaixo é coisa de fascista. A esquerda precisa atrair pessoas e aliados de forma pragmática, tendenciosa, e não envergonhar-se disso, caso queira que seus interesses sejam levados a sério. Se ficar bancando a vítima e taxando o povo de ignorante por não perceber que está sendo manipulado pela direita malvada, e chorar retraída no canto por não ser ouvida o suficiente, não terá a menor chance de enfrentar a extrema-direita. Ficará como uma criança chupando o dedo no canto da sala, choramingando por roubarem seu doce.

A única possibilidade que vislumbro para uma saída desse abismo da ascensão da extrema-direita global é um real fortalecimento do campo ético, estético, político, narrativo, linguístico e sensível de um programa utópico de esquerda revolucionário e um programa de futuro como antítese ao fascismo. É preciso uma esquerda não acuada no jogo, mas que ponha as cartas na mesa e que paute o debate em vez de defender-se o tempo inteiro. O governo Lula precisa, mais do que nunca, peitar as pautas da classe trabalhadora, como a redução da carga horária de trabalho 6x1. Quem muito sorri para o inimigo acaba sem os dentes.

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