16 Mai 2025
Na última semana, aconteceram dois fatos que dão uma ideia dos poderes que marcam a soberania simbólica dos EUA. Foi eleito papa um estadunidense de Chicago e a Tesla de Musk está despencando. O primeiro evento tem tamanho poder a ponto de conter os comentários do presidente estadunidense, que gostaria de ser tão afiado quanto Bannon. Mas Trump não consegue, porque seu círculo eleitoral católico conta muito. O segundo evento destaca o poder democrático do mercado.
O artigo é de Nadia Urbinati, cientista política italiana e professora da Universidade Columbia, em Nova York, publicado por Domani, 13-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
A vida é imprevisível. E a imprevisibilidade é temida sobretudo por aqueles que acreditam poder dominar o curso dos acontecimentos presentes e futuros. Os aspirantes a tiranos se deparam de repente com alguns problemas e têm de lidar com uma realidade que não podem controlar completamente. Na última semana, aconteceram duas coisas à sua maneira revolucionárias, que dão uma ideia dos dois poderes que marcam a soberania simbólica dos Estados Unidos: Deus e o Dólar.
Foi eleito papa um estadunidense de Chicago e a Tesla está em queda livre. O primeiro evento tem força suficiente para conter os comentários de Donald Trump, que gostaria fossem tão cortantes quanto os de seu antigo braço direito, Steven Bannon. Mas Trump não pode, porque seu círculo eleitoral católico conta muito e, acima de tudo, caso forçado a escolher, escolhe Roma. O segundo evento destaca o poder "democrático" do mercado.
"O presidente Trump não é mais o estadunidense mais importante do mundo", escreve David French no New York Times. Um católico agostiniano (denominação que diz muito nos Estados Unidos, onde a ética da responsabilidade individual e da severa luta diária para aperfeiçoar a própria fé e a si mesmos fazem parte da formação civil, não apenas religiosa) que tem ou poderia ter a capacidade de conter a grande expansão das igrejas evangélicas, que com a "política da cruz" angariaram prosélitos entre muitos brancos empobrecidos ou, simplesmente, convencidos de terem sido marginalizados.
Aos evangélicos se deve a reação maniqueísta contra a cultura "liberal" dos democratas e a secularização dos valores. Veremos em breve o quanto o convertido católico JD Vance (nacionalizado católico, não católico de nascença, até caberia dizer aplicando a ele aquela tremenda dissociação entre "tornar-se" e "ser" americano que ele usa para atacar o ius soli) se sentirá à vontade para ostentar seu cristianismo que não conhece a humanidade, mas apenas os vizinhos de casa.
Se ter o Papa em casa tornará o aspirante a Deus menos divino, a quase falência da Tesla tornará menos intocável o magnata do tecnocapitalismo e homem mais rico do mundo, Elon Musk. Ser o mais rico o santificou junto a todas as direitas do globo, prepotente e vaidosos o suficiente para levá-lo aos seus comícios nacionais como um guerreiro simbólico – antigamente a flâmula, hoje a motosserra. Esse sujeito mais rico se defrontou com o mercado que, apesar das reluzentes mensagens publicitárias, ainda depende da vontade daqueles que precisam abrir as carteiras.
A antipatia despertada por esse racista que glorifica a África do Sul do apartheid e liga o fim da liberdade naquele país (de onde emigrou) à libertação de Nelson Mandela teve efeitos extraordinários nos mercados. A desobediência no mercado vale tanto quanto a desobediência civil. E produz efeitos certos e quantificáveis. Falar e escrever são instrumentos para a formação de opiniões.
Mas a prova de que opiniões não são meros sermões deve ser certificada por números. Os votos políticos são a prova. Assim como o dinheiro e os mercados. Comprar ou não comprar um Tesla teve o mesmo significado que um voto global contra o homem mais rico do mundo, o mais racista e antidemocrático.
Assim que o governo Trump II assumiu e foi posto em ação o departamento-não-departamento, DOGE, criado e liderado por Musk, verificou-se uma queda incontrolável nas vendas da Tesla, com picos de 50% na Europa e até 60% na Califórnia. Especialistas de marketing associam essa queda a defeitos de fabricação e a dificuldades de revenda do produto.
Mas as razões técnicas se somam com a extraordinária publicidade negativa global associada ao rosto de Musk. Fatores de design e fabricação, somados ao preço elevado, à alta depreciação e à arrogância do homem mais rico do mundo = tempestade perfeita. Fim de jogo. E é realmente muito para quem se apresentou em Washington com o lema "aqui não se constrói", mas se desperdiça dinheiro. Programas federais inteiros foram cancelados da noite para o dia. Ele, que construiu mal, paga como é justo que tenha que pagar. E como deve continuar sendo o homem mais rico do mundo, para evitar acabar como a Tesla, deixa o DOGE e retorna a Silicon Valley para ser construtor.