09 Abril 2025
Zero Hora analisou 153 casos de vítimas com idade até 12 anos. Mortes, antes cometidas pelo crime organizado, num contexto de violência urbana, reduziram-se nos últimos anos. Atualmente, na maioria das vezes, autores são mães, pais, padrastos e madrastas
A reportagem é de Leticia Mendes, publicada por Zero Hora, 09-04-2025.
Théo Ricardo Ferreira Felber, cinco anos, levava o segundo nome do pai e estava ansioso para visitá-lo em seu aniversário. Na escola que começara a frequentar no início deste ano, em Nova Hartz, no Vale do Sinos, o garoto, de sorriso largo, era um aluno tímido, mas afetuoso e adorava brincar com os colegas na pracinha. Em casa, trocava abraços e beijos com a mãe e a tia. Sempre que ganhava um brinquedo, dormia agarrado nele.
Na manhã de 25 de março, mesmo dia em que completara 40 anos, Tiago Ricardo Felber circulou com o menino pelas ruas de São Gabriel, na Fronteira Oeste, onde vivia. Na noite anterior, conforme ele mesmo confessou, havia tentado asfixiar o filho. Apesar do ataque, o garoto sobrevivera e estava desperto, sentado na cestinha da bicicleta. Próximo ao meio-dia, o pai apanhou Théo mais uma vez nos braços e arremessou o filho, ainda com vida, do alto de uma ponte. Desamparado, o garoto tombou sobre pedras do rio que sofre com a seca e morreu.
O ato brutal chocou o Estado nas últimas semanas e expôs uma violência que alcança um número ainda maior de crianças. Zero Hora mapeou e analisou 153 casos em que vítimas de até 12 anos foram assassinadas no RS ao longo da última década. Dos mortos, ao menos 70 tiveram as vidas encerradas pelos próprios pais, conforme as investigações.
As mães foram as que mais mataram, com 41 crimes, seguidas pelos pais, com 18. Em 11 mortes, pai e mãe são indicados como autores. O total é ainda maior quando se incluem padrastos e madrastas, responsáveis por 19 assassinatos. Outros familiares teriam sido autores em, ao menos, nove casos.
A análise dos casos traz outro fator alarmante, indicando ainda que a maior parte das crianças foi vitimada no local onde deveria estar protegida: a própria casa. Das vítimas, 111 foram assassinadas em suas residências.
— A violência contra as crianças e adolescentes dentro das famílias é um fenômeno multifatorial complexo, onde existe uma garantia do silêncio. As crianças, por vezes, sequer se entendem como vítimas. Isso vai causando um sofrimento psíquico muito grande. É fundamental interromper o ciclo da violência. É necessário investir na qualificação dos sistemas de informação. Tem muita subnotificação, mesmo na violência que deixa marcas, e muitas vezes é ignorada nos espaços públicos, nas escolas — afirma Fabio Vieira Heerdt, juiz do 2º Juizado Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre.
Segundo ele, "existe um fator cultural de aplicar um corretivo, entre aspas, por meio da violência física, com esse entendimento de que vai disciplinar. Ainda falta muito conhecimento, em todas as classes, sobre a dinâmica do desenvolvimento infantil. Os pais, os cuidadores, podem ter expectativas que não são reais em relação ao comportamento da criança, e isso leva à frustração e agressividade".
O mapeamento demonstra ainda que as crianças menores representam a maior parcela daquelas que perdem a vida dessa forma violenta. Das 153 vítimas, 92 tinham até cinco anos de idade, como Theo, assassinado pelo pai.
Quase um terço do total — 50 crianças mortas — era composto de bebês com menos de dois anos. Em fevereiro do ano passado, um padrasto foi preso em Porto Alegre por matar a enteada de um ano.
A íntegra da reportagem pode ser lida aqui.