09 Abril 2025
O bem-estar econômico diminuiu, as necessidades aumentaram e, portanto, as pessoas estão menos propensas a aceitar soluções complexas para problemas intrincados. O que está na África fica na África.
O artigo é de Chiara Barison, que estudou Direito na instituição de ensino Universidade dos Estudos de Turim, no “Corriere della Sera” de 08-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Anos de trabalho em países devastados por guerras e epidemias zerados por uma comunicação asséptica no final de janeiro, seguida pelo fechamento da pasta. O desmantelamento da UsAid assustou todos os operadores das organizações humanitárias. Criada em 1961 durante a presidência de Kennedy, ao longo dos anos contribuiu para a realização de vacinações em massa e para a luta contra a desnutrição, as pandemias e o HIV, mas também para a proteção das mulheres em contextos de violência extrema. Somente em 2023, administrou mais de 40 milhões de dólares, colocando os Estados Unidos no topo da lista de países que mais destinaram fundos a favor das ajudas humanitárias. Os beneficiários desse dinheiro foram organizações humanitárias que operam em 130 estados e, para muitas delas, tratava-se da principal (se não a única) fonte de suprimentos para investir no local. Esse contexto fez com que, após o terremoto de 28 de março, nem mesmo um dólar americano de ajuda chegasse a Mianmar.
“Estimamos que não conseguiremos mais atender os oito a dez milhões de crianças”, explica Daniela Fatarella, diretora geral da Save the Children Itália, “e somos forçados a reduzir os nossos projetos: são serviços indispensáveis, como o apoio à educação das meninas no Afeganistão ou as ajudas econômicas para as comunidades na Somália”. E continua: “Chegamos ao ponto de considerar a possibilidade de fechar clínicas para a desnutrição na Síria. Estamos vivendo um período histórico em que uma em cada 11 crianças no mundo precisa de ajuda humanitária para não morrer”. A dependência dos governos de todo o mundo levou a um ponto de ruptura que corre o risco de se tornar um abismo irremediável. “Ainda hoje reina o caos”, relata o padre Dante Carraro, diretor geral da Cuamm, a organização com sede em Pádua que há 70 anos presta assistência a mulheres africanas em um continente onde as taxas de mortalidade materna estão entre as mais altas do mundo. Dar à luz em um hospital é um luxo que a maioria delas não pode se permitir, ficando assim expostas às consequências da menor complicação. A maternidade também está associada a grandes dificuldades no Iêmen. Alessandra Caputo, responsável pelos programas da Intersos no país, viu isso com seus próprios olhos. Desde que a UsAid encerrou suas atividades, uma criança nasceu morta e uma mulher não sobreviveu ao parto. “O mais difícil agora é escolher onde alocar os recursos que nos restam”, explica Caputo, ”e a escolha deve privilegiar as atividades que são consideradas indispensáveis à vida. Mas aqui estamos falando de uma condição já desesperadora, agora já estamos em situação de emergência nos lugares onde a maioria das crianças sofre de desnutrição aguda”. Somente em 2024, a UsAid havia contribuído com 17% do orçamento total da organização, que também teve de trancar projetos na África, no Líbano e no Afeganistão. Isso significa que agora 500.000 pessoas estão sem assistência médica e proteção humanitária.
A retirada da Organização Mundial da Saúde decidida em 2020 por Trump pode ser considerada a posteriori como um sinal de alerta. A ordem executiva assinada pelo 47º presidente em 20 de janeiro lembrou a todos, de forma abrupta, quais eram suas intenções iniciais. Após o anúncio do congelamento dos financiamentos, além de algumas falas ameaçadoras de Musk e postagens pouco tranquilizadoras no X do Secretário de Estado Marco Rubio, o silêncio prevalece.
“O setor de ajudas humanitárias está enfrentando um abalo extraordinário, uma crise existencial profunda. Além dos Estados Unidos, sobre os quais se fala muito agora, outros doadores, como o Reino Unido, a Alemanha, a Bélgica e a França, também reduziram suas contribuições para as intervenções humanitárias em todo o mundo há alguns anos”. Silvia Mancini, responsável pelos assuntos humanitários da Médicos Sem Fronteiras, explica que, embora a organização para a qual ela trabalha nunca tenha recebido dinheiro da UsAid (para manter a independência, não aceita fundos governamentais), isso não significa que não seja afetada pelo terremoto causado pelos cortes. O mundo humanitário é extremamente complexo e composto de colaborações. Se forem rompidas, todo o sistema desaba. De acordo com o Global Humanitarian Overview 2024, há 300 milhões de pessoas que precisam de proteção e assistência humanitária devido às guerras e às mudanças climáticas. Um número que, se as coisas não mudarem, está destinado a aumentar.
Giacomo Iacomino, diretor nacional da Emergency in Uganda, nos responde do centro de cirurgia pediátrica em Entebbe. Uma criação de Gino Strada e Renzo Piano, desde 2021 permitiu mais de cinco mil cirurgias em um país onde morrem 43 crianças para cada mil nascimentos. “Não somos diretamente afetados pelos cortes da UsAid”, esclarece Iacomino, “mas a agência dos EUA financiava diretamente a saúde no país: isso significa que muitas clínicas e ambulatórios que forneciam os mais variados serviços de saúde no local, como a distribuição de medicamentos para pessoas soropositivas, fecharam. Com consequências tremendas para a saúde de milhares de pessoas”.
Javier Schunk, coordenador do mestrado em cooperação internacional no Ispi de Milão, que passou quarenta anos no mundo das ONGs, tem ideias muito claras sobre o assunto: “Se a realização de projetos humanitários em todo o mundo depende de fundos depositados pelos Estados, é natural que a cooperação internacional seja uma questão de política externa”. Afinal, a própria UsAid serviu para disseminar o soft power dos EUA pelo mundo: ajuda em troca de presença e controle do território. Até aí, nada de novo. “A questão é que o mundo como Kennedy o conhecia”, continua Schunk, “não existe mais há tempo: agora as pessoas ouvem slogans e escolhem governos soberanistas porque suas preocupações são o combate à imigração e o preço do gás”.
O bem-estar econômico diminuiu, as necessidades aumentaram e, portanto, as pessoas estão menos propensas a aceitar soluções complexas para problemas intrincados. O que está na África fica na África.
“Isso explica”, continua Schunk, “por que, se olharmos as estatísticas, cada vez mais dinheiro está sendo gasto na gestão de migrantes em nosso território, tirando-os daqueles que poderiam ser enviados para seus países de origem”. A palavra-chave desde as torres gêmeas é: “segurança”. Interna, é claro. “Basta ver o que está acontecendo em Gaza para entender que o direito humanitário, como o entendemos até hoje, está morto”, conclui ele, “caso contrário, nenhum governo do mundo poderia se permitir bloquear as ajudas humanitárias destinadas a uma população vítima de uma guerra sangrenta como aquela”.