15 Fevereiro 2025
Família achou ter ganhado chance de defender pedido de tratamento de filho caçula nos EUA, mas não pode voltar para casa.
A reportagem é de Laura Scofield, publicada por Agência Pública, 13-02-2025.
“Papai, eles estão falando que nós vamos embora para o Brasil”, disse Brayan, de 10 anos, aos pais, Alisdete Santos e Sandra Souza. A família havia acordado cedo para chegar às 8h30 em um Centro de Remoções da Polícia de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE), em Miramar, sul da Flórida, a cerca de 53 km de onde viviam. Como os adultos não falam inglês, coube ao filho mais velho do casal entender o que diziam os agentes migratórios.
“Eu desabei, sabe? Eu não esperava”, disse Sandra à Agência Pública. “Eu não me considerei uma ameaça para eles”, acrescentou.
“Fomos enganados”, resumiu Alisdete. Quando o filho o comunicou do real motivo da visita, ele se arrependeu de seguir as regras: “Desde quando eu cheguei, eu sempre andei certo. Nos Estados Unidos, quem anda certo, vocês podem ter certeza, a maioria é deportado. Eles falam que é quem apronta, [mas] é o contrário, porque quem apronta já sabe que está aprontando e fica sempre correndo. A gente que está sempre [se] apresentando vira alvo”, desabafou.
Além da necessidade de se apresentar periodicamente ao ICE, o brasileiro era acompanhado pelas autoridades desde que entrou no país e solicitou asilo. Antes da deportação, ele usava tornozeleira e era rastreado via aplicativo – medidas comuns para acompanhar o deslocamento de migrantes indocumentados no país. A família se mudou para os EUA em 2021, quando a pandemia dificultou a busca por emprego. “Tinha muita coisa para pagar e não estava dando”, disse Sandra. Eles combinaram a viagem pela fronteira com México por meio de um coiote – como são conhecidos os contrabandistas de pessoas.
A história da família de Alisdete e Sandra contrasta com a narrativa defendida pelo presidente republicano Donald Trump, que tem criminalizado os migrantes para justificar sua ofensiva de deportações. Em 27 de janeiro, por exemplo, ele disse sobre os deportados: “Cada um deles é um assassino, um traficante, algum tipo de chefão do crime, um chefe da máfia ou um membro de gangue”.
Quando saíram de casa, na cidade de Pompano Beach, por volta das 7h, Sandra e Alisdete tinham outra expectativa para o dia. A família já havia recebido uma ordem de deportação em 2022, mas estava em processo de recurso e acreditava que havia conseguido uma oportunidade de apresentar argumentos e documentos probatórios para buscar o direito de permanência legal por mais tempo no país sob justificativas “humanitárias”. Os brasileiros alegavam a necessidade de continuar um tratamento para Gael, que tem autismo e dificuldade de comunicação.
O encontro com as autoridades na manhã daquela quinta-feira havia sido marcado 15 dias antes por meio de uma chamada telefônica. Entretanto, diferentemente das outras visitas, na qual Alisdete compareceu sozinho representando a família, o agente pediu que todos se apresentassem “para tirar fotos”. O brasileiro achou estranho, mas decidiu cumprir a ordem.
“Eu endoidei o neurologista dele, a pediatra, todo mundo. Todo mundo me deu um relatório falando da situação dele, que [o tratamento] já estava em andamento, que já estava evoluindo bem, porque ele estava fazendo a terapia ABA [Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo] em casa todos os dias. A moça ficava lá em casa horas, ficava de 9h às 14h, todos os dias”, explicou Sandra.
Enquanto as duas crianças haviam sido incluídas no Medicaid, plano público dos EUA, os adultos pagavam por seus tratamentos no sistema de saúde mais caro do mundo, segundo o Commonwealth Fund.
O esforço foi em vão. As autoridades não os ouviram nem analisaram os documentos. “A gente foi atraído com essa esperança do caso de Gael ser aceito para gente ficar mais um tempo. Chegou lá e acabou tudo”, finalizou Sandra.
Quando as preocupações dos amigos e vizinhos começaram a chegar ao pastor Marcelo Pompeu, responsável pelos cultos para a comunidade brasileira na Church on Atlantic Português, em Margate, na Flórida, ele pensou que a família deveria ter viajado a algum lugar ou saído para comemorar o aniversário do caçula.
Foi quando esperavam o momento de embarcar para Belo Horizonte, na madrugada do dia 24, no estado da Luisiana, que Sandra ficou mais tensa. Eles já haviam voado da Flórida na noite anterior e não tinham do que reclamar, mas o cenário era outro. “No aeroporto, eu vi aquele pessoal tudo subindo, corrente no pé, na mão, de todo jeito. Aí eu surtei.”
Quando alguns migrantes saíram do avião, a Polícia Federal (PF) foi chamada e o governo decidiu enviar um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para buscar os migrantes e levá-los até o destino, em Minas Gerais. Entretanto, mesmo já desembarcado, Brayan seguia passando mal. A exposição ao calor intenso e ao caos na aeronave fez com que ele tivesse de ser levado por seu pai ao pronto-socorro em Manaus, onde ele foi medicado.
Naquele dia, a família dormiu no aeroporto, em colchões que foram colocados no chão. A viagem continuou na tarde seguinte. Após chegar em Belo Horizonte por volta das 21h, o grupo ainda enfrentaria ao menos mais nove horas de viagem de ônibus para chegar à cidade onde viviam, Itambacuri (MG), no Vale do Mucuri. Sem apoio governamental, os migrantes que chegam até o aeroporto de Belo Horizonte têm que buscar seus próprios meios de viajar até suas cidades, sejam elas no estado ou não.
Em nota, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) afirmou que o governo está atuando “para garantir regresso digno e seguro” dos migrantes deportados. Após os incidentes no voo que trouxe a família de Alisdete e Sandra, o Executivo criou um grupo de trabalho com membros brasileiros e estadunidenses para discutir os futuros procedimentos.
Já em sua cidade natal, Alisdete e Sandra agora estão em busca de resolver as primeiras burocracias da volta à vida, como encontrar um auxílio médico para Gael e se reorganizar em sua nova moradia.
Depois de passar por tudo isso, Sandra reforça a importância de não tratar migrantes como criminosos. “Mesmo aquelas pessoas que vieram acorrentadas, aquilo ali é pai de família, que foi tentar comprar uma casa para a sua família, foi tentar pagar um estudo para o seu filho. Aquilo ali é um sonho”, afirmou.