05 Dezembro 2024
"Em Hong Kong, temos nossas feridas que precisamos curar", afirmou o cardeal Stephen Chow, SJ, bispo de Hong Kong, ao correspondente do Vaticano da revista America nesta entrevista exclusiva, concedida na Cúria Jesuíta em Roma, no dia 28 de outubro, um dia após o término do Sínodo sobre a Sinodalidade.
A reportagem é de Gerard O’Connell, publicada por America, 03-12-2024.
Ele acredita que, ao trabalharem juntos para construir uma Igreja sinodal, inspirados pelo processo sinodal global e pelo documento final do sínodo, os católicos podem contribuir de forma significativa para curar feridas em Hong Kong e ajudar a superar a polarização em um mundo dividido.
Eis a entrevista.
Este foi o seu primeiro sínodo, e o senhor participou de ambas as sessões (outubro de 2023 e 2024). Qual foi sua percepção? Como se sente agora que acabou?
Tenho sentimentos mistos porque passei a conhecer as pessoas, especialmente as da Ásia, e estivemos trabalhando, rindo, discutindo e compartilhando juntos. Agora terminamos. Elas se foram, assim como os novos amigos que fiz durante as assembleias. Assim é a vida! Nos reunimos, o que é uma bênção, e depois nos separamos para coisas maiores, espero. Mas fazemos amigos, e, como dissemos aos delegados asiáticos, temos que nos apoiar quando voltarmos às nossas dioceses e comunidades.
Como começar agora?
Já começamos em 2021, mas agora o desafio é: como tornar a sinodalidade uma realidade, uma realidade crescente? Esse é o desafio. Honestamente, nós — pelo menos eu e alguns outros — pensamos: "Vamos esperar a exortação apostólica, isso nos dará tempo para trabalhar mais na base". Mas o Papa Francisco disse que não haverá exortação apostólica.
Essa decisão pode ser um desafio para algumas pessoas, dado o peso do magistério sobre este documento. Certamente, o documento final tem peso porque envolveu muitas pessoas desde 2021; entrevistamos pessoas e tivemos “conversas no espírito”. É o fruto de muitas pessoas e muitas expectativas. Então, os delegados vieram aqui, passamos tempo juntos, ouvimos, falamos, compartilhamos, discernimos. Como isso não teria peso? É o Espírito Santo que está presente nas assembleias. O papa esteve conosco, especialmente nesta assembleia. Ele certamente a acompanhou de perto e ficou satisfeito ao pedir que publicássemos o documento final como está. Ele o assinou, o que significa que o aprovou.
É um documento muito rico. Seria correto dizer que é um roteiro para a Igreja no século XXI?
Eu diria que sim. Precisamos lê-lo com atenção porque ele cobre muitas áreas. Não é um manual, definitivamente não, mas é um bom roteiro e, sobre alguns assuntos, apresentou etapas e algumas sugestões concretas sobre como ser uma igreja sinodal.
Qual dessas etapas mais chamou sua atenção?
O discernimento. Eles realmente deram [ênfase ao] discernimento de uma maneira positiva, porque para muitas pessoas o discernimento pode parecer algo vago. Mas não é vago. Existem etapas a serem seguidas, não de uma tradição ou método específicos, mas, seja qual for a forma como você quiser fazer o discernimento, o documento final apresenta os componentes para isso.
O discernimento foi algo que se destacou para o senhor. Há outros aspectos do documento que também se destacam?
Com certeza. Por exemplo, a responsabilidade, que é importante. Também a participação dos leigos é muito relevante. Sei que há muito sobre as mulheres e, em parte, também sobre o diaconato feminino. Ainda está em aberto para estudo e discernimento. Alguém disse que este documento não agrada a ninguém, mas acho que, ao mesmo tempo, faz muitas pessoas se sentirem mais em paz, especialmente aquelas que estavam nervosas com isso. Não acho justo dizer que não agrada a ninguém.
Cada parágrafo foi aprovado por votação majoritária no fim.
Sim, pode não ser com a magnitude que algumas pessoas esperavam. Por exemplo, o parágrafo sobre os papéis e contribuições das mulheres e o diaconato feminino recebeu mais votos “não” no documento final, mas o diaconato feminino não é uma questão encerrada. Ainda precisamos continuar discernindo. Sei que as pessoas dirão: “Quanto mais tempo é necessário para discernir?” Deixo isso para o grupo de trabalho; eles têm que apresentar recomendações ao Santo Padre.
A participação das mulheres é muito destacada no documento final.
Sim, este documento final certamente dá mais atenção às mulheres, e fico feliz em ver isso. E também aos jovens. Lutamos um pouco para incluir a educação católica neste documento; ela não estava no documento de trabalho, então pedimos para incluí-la. Sei que a educação católica é muito importante porque, por meio dela, influenciamos muitas vidas e formamos jovens. Nós os acompanhamos.
O que o sínodo tem a dizer para Hong Kong e para o mundo chinês?
Escuta e confiança: Escutar com empatia e confiança continua sendo importante e é o mais fundamental. Podemos falar sobre quaisquer questões — for exemplo, [o papel das] mulheres — mas, se não tivermos a disposição, a capacidade de ouvir, de ouvir de maneira profunda, com esvaziamento de si e empatia, se não tivermos essa liberdade interior, não podemos caminhar juntos. Precisamos nos ouvir com empatia e confiança, e então podemos dialogar. Caso contrário, são apenas monólogos paralelos. Na maioria das vezes, é assim, certo? Precisamos nos encontrar por meio da escuta, da empatia, da confiança, e então podemos discernir.
Isso é o que o senhor considera mais importante para Hong Kong e a China vindo do sínodo?
Ah, sim. Em Hong Kong, temos nossas próprias feridas para curar. Quanto à relação da China com o Vaticano, com Roma, eles também precisam aprender a fazer isso mais. Mas sei que não é fácil, especialmente para a China, que não faz parte dessa tradição, e [precisamos ver] se querem adotar esse modelo, mas certamente isso fala a ambas as partes; ambas as partes percebem que precisam confiar mais uma na outra.
Diria que este documento é uma contribuição para superar um mundo polarizado e dividido?
Para o egoísmo, o nacionalismo ou qualquer tipo de cultura “nós em primeiro lugar”, este é um sínodo e documento oportunos. É a obra do Espírito Santo. É a marca do Espírito Santo em um mundo tão dividido, tão egoísta, tão autocentrado. É o Espírito Santo movendo a igreja, primeiro por meio do Santo Padre e, depois, de sua equipe. Agora, somos chamados a dar testemunho disso, a dar um testemunho contrário por meio desse caminho sinodal. Esse, acredito, é o único caminho para um mundo dividido.
Na primeira sessão, em outubro de 2023, os participantes do sínodo falaram sobre convergências e divergências, e pareciam encontrar um caminho sem polarização. Na segunda assembleia, havia uma atmosfera mais descontraída; os participantes pareciam estar superando a polarização interna na Igreja ou, pelo menos, caminhando nessa direção.
Acho que isso foi resultado da inteligência do Santo Padre e de sua equipe ao designar os temas controversos para os grupos de estudo. Esses grupos de estudo têm que lidar com essas questões e têm espaço e tempo para fazê-lo. O Santo Padre disse: “Dêem tempo a eles; precisam discernir”. Mas o mais importante para nós não é lidar tanto com as questões controversas, mas descobrir como caminhar juntos como igreja, tanto nas relações, nos métodos quanto nas estruturas.
Qual das conclusões do sínodo o senhor considera mais relevante para Hong Kong? O senhor mencionou a cura das feridas.
Ainda digo cura. Curando as feridas, precisamos recuperar nossa confiança. Acho que estamos perdendo a autoconfiança, e, por isso, precisamos recuperar esse espírito e energia, essa confiança, sem arrogância. No passado, tínhamos arrogância, e isso não é bom para Hong Kong. Mas precisamos ter mais autoconfiança, e o que contribuirá para a autoconfiança é a autoimagem. A autoimagem é recuperada quando podemos ouvir e conversar juntos. Assim, podemos nos curar mutuamente e começar algo novo novamente, não necessariamente retornando à glória passada de Hong Kong, mas algo novo que possamos dizer: “É isso que queremos fazer, onde queremos estar e quem somos, o novo povo de Hong Kong”.
Um aspecto marcante do sínodo aparece no documento final: há um reconhecimento e respeito pelas diferentes culturas, pelos diferentes modos de fazer as coisas e pelos diferentes ritmos de avanço.
Fico feliz que tenha mencionado isso porque temos que nos respeitar. Avançamos em ritmos diferentes porque há contextos e resistências diferentes.
Alguém me disse há alguns meses que esta é uma forma muito Papa Francisco de administrar. Não é muito diretiva. Então, [ele diz]: “Façam o que funcionar no seu contexto, mas, claro, dentro dos nossos parâmetros. Estabelecemos os parâmetros, mas como vocês vão fazer e celebrar, decidam no seu contexto”.
Última pergunta. O senhor acha que, no que viveu no sínodo, ouviu o Espírito falando à Igreja?
Sim! O mundo está em tal estado que este sínodo foi oportuno. Vejo isso como a intervenção do Espírito Santo por meio da Igreja, e espero que a Igreja consiga realmente viver isso, colaborar com o Espírito Santo, colaborar com Deus para curar nosso mundo.
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