13 Novembro 2024
"Dados do Censo 2022 foram divulgados pelo IBGE na última sexta-feira (8); facções criminosas ajudam a explicar êxodo rural na Amazônia" escreve Leonardo Sakamoto, jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo - USP, publicado por UOL e reproduzido por Brasil de Fato, 12-11-2024.
Eis o artigo.
Das 20 favelas mais populosas do Brasil, dez estão na Amazônia Legal, segundo dados do Censo 2022 do IBGE, divulgados nesta sexta (8). Diante da violência, do desemprego e da baixa oferta de serviços públicos no interior, indígenas, ribeirinhos, trabalhadores rurais e moradores de pequenas cidades migram por esperança ou desalento. Mas, nas capitais, se deparam com as milícias e o tráfico, além da falta de estrutura para viver.
Entre as 20 maiores em população, Cidade de Deus/Alfredo Nascimento (4ª), Comunidade São Lucas (7ª), Zumbi dos Palmares/Nova Luz (12ª), Santa Etelvina (13ª), Colônia Terra Nova (15ª) e Grande Vitória (20ª) ficam em Manaus (AM); Baixadas da Estrada Nova Jurunas (9ª) e Baixadas da Condor (14ª), em Belém (PA); e Coroadinho (8ª) e Cidade Olímpica (18ª), em São Luís (MA). Belém é a capital com maior proporção da população vivendo em favelas, com 57,17% do total.
A violência usada na expulsão de comunidades tradicionais, camponeses e trabalhadores não é novidade. Pouco mudou do contexto dos 19 sem-terra mortos no Massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996, até os dez executados na Chacina de Pau d’Arco, em 2017. Tanto que, em ambos os casos, havia policiais atuando como jagunços, o que beneficiou produtores rurais no Pará.
Sem contar que a região é recordista em número de resgates de trabalhadores em condições análogas às de escravo, considerando o acumulado de casos desde 1995 . O que é um poderoso indicador da falta de respeito aos direitos humanos, seja em empreendimentos inseridos em cadeias produtivas legalizadas, como a pecuária bovina, seja em atividades como o desmatamento e a extração de madeira nativa ilegais.
Facções criminosas ajudam no êxodo rural na Amazônia
Mas, nos últimos anos, a Amazônia Legal viu crescer também a violência relacionada a facções, que usam a região como corredor de produção e escoamento de drogas e armas. O baixo nível de policiamento e a falta de fiscalização tornaram a floresta um território livre para o crime.
Nesta segunda (4), por exemplo, a Polícia Federal indiciou o peruano Rubén Dario Villar, conhecido como Colômbia, como mandante das execuções do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, em junho de 2022, no Vale do Javari (AM).
Ele é apontado como um narcotraficante suspeito de fornecer drogas do Peru e da Colômbia às facções brasileiras. Outras oito pessoas também teriam participado dos assassinatos, motivados pelas atividades fiscalizatórias de Bruno na região. Ele atuava em defesa das populações indígenas e do meio ambiente e estaria criando problemas para o crime.
Muitos dos que fogem das disputas entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) no interior acaba os encontrando nas periferias de grandes cidades da Amazônia Legal. E sem emprego de qualidade, não são poucos os jovens que caem na rede das facções.
Soma-se à violência do narcotráfico, as milícias que grilam terras, criam loteamentos. Depois, como no Rio de Janeiro ou em tantos outros locais onde esse câncer nascido do seio policial atua, cobram taxas extras por eletricidade, gás, segurança.
Amazônidas que saem de suas cidades e vilarejos têm esperança em alcançar maior qualidade de vida em Manaus, Belém e São Luís, cansados de serviços precários de educação e saúde. Encontram, contudo, problemas semelhantes nas favelas, morando em barracos sem estrutura, ruas de terra batida, falta de água e esgoto e transporte precário.
Uma das justificativa de manter a Zona Franca de Manaus/Polo Industrial de Manaus é que, sem os empregos ali gerados, o índice de destruição ambiental no Amazonas seria muito maior. Mas, neste momento, temos pobreza extrema na periferia da capital, que concentra seis das 20 maiores favelas do país, e também destruição ambiental – conduzida por extrativistas, agricultores e facções criminosas (que dominam pontos de mineração ilegal, por exemplo).
Favelização também leva a mudança política
Sentindo-se abandonadas pelo poder público e acolhidas por redes de igrejas evangélicas neopentecostais, as populações que aumentaram ou formaram as favelas na última década passam também a abraçar o discurso da teologia da prosperidade.
No segundo turno de 2022, Lula (PT) ganhou em 58 dos 62 municípios do Amazonas, chegando a 51,1% dos votos. Mas foi Jair Bolsonaro (PL) quem venceu em Manaus e em outras cidades, com 61,28% no municípios. Em 2006, penúltima eleição presidencial de Lula, ele teve 86,8% no estado. Mais de um terço (34,7%) da população do Amazonas vive em favelas.
Isso pode estar em consonância com a mudança naquilo que deseja parte significativa dos eleitores da periferia da distante São Paulo, e também com uma dificuldade da esquerda de entregar propostas e sonhos relacionados aos desejos materiais dessas comunidades.
Coincidentemente, foi essa mudança demográfica que colocou trabalhadores pobres, negros e latinos, que votavam historicamente os democratas, na base de Donald Trump.
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