08 Novembro 2024
A avaliação mundial exige maior transparência e pede agilidade na destituição de padres acusados de delitos sexuais.
A avaliação revela que a mudança cultural – expressa não apenas em resistência, mas também em simples falta de interesse – avança mais lentamente que as medidas, como no caso do México, onde apenas 20% dos bispos que participaram da visita quinquenal ao Vaticano responderam a um questionário da comissão.
A Conferência Episcopal Argentina, por enquanto, não forneceu a lista de sacerdotes denunciados e sua situação eclesiástica.
A reportagem é de Valores Religiosos publicada por Religión Digital, 06-11-2024.
A enxurrada de casos de abusos sexuais cometidos por membros do clero em todo o mundo, que começou a vir à tona em 2002 com a célebre investigação do jornal norte-americano Boston Globe na arquidiocese de Boston, tornou-se o pior escândalo da Igreja Católica em muitas décadas, além do dano irreparável a inúmeras pessoas, em sua maioria menores de idade.
A investigação, dirigida pelo prestigiado jornalista Martin Baron – que visitou a Argentina recentemente – e que foi retratada em 2015 no filme Spotlight, vencedor do Oscar, revelou também o repudiável mecanismo das autoridades eclesiásticas da época de encobrir os crimes, transferindo os abusadores para paróquias distantes com o objetivo de “evitar o escândalo”.
Naquele período, o Papa João Paulo II, já muito enfermo, começou a tomar medidas para combater esse flagelo, mas foi seu sucessor, Bento XVI, quem “pegou o touro pelos chifres”, aprofundando e multiplicando as disposições. Além disso, ordenou a reclusão do padre mexicano Marcial Maciel, um notório abusador que contava com a proteção de um setor do Vaticano.
Após sua morte em 2013, nas assembleias dos cardeais de todo o mundo para analisar a situação da Igreja e o perfil que o futuro pontífice deveria ter, o combate ao flagelo dos abusos sexuais foi estabelecido como um dos grandes desafios, junto com a transparência das finanças vaticanas e, naturalmente, uma revitalização da missão religiosa.
Por isso, com sua chegada ao papado, Jorge Bergoglio adotou medidas não apenas para enfrentar as denúncias de forma mais enérgica e atuar com maior diligência e firmeza nas eventuais condenações, mas também na prevenção desse flagelo. Ele também buscou criar maior conscientização em uma instituição habituada ao segredo e com atitudes corporativas.
Assim, destacam-se desde a rigorosa seleção dos candidatos ao sacerdócio, a simplificação dos julgamentos eclesiásticos para expulsar do ministério sacerdotal – a pena canônica máxima – os culpados, até a destituição de bispos que não cumpram estritamente os protocolos em relação às denúncias em suas jurisdições.
Também incluem-se a denúncia imediata e colaboração com a Justiça, o apoio às vítimas, a criação de uma Comissão para a Tutela dos Menores e um encontro de presidentes das conferências episcopais de todo o mundo para promover maior conscientização, iniciando cada dia com o testemunho de uma vítima.
Nos últimos anos, foram criados um vade-mécum sobre como agir a partir de uma denúncia, que especifica e amplia as orientações anteriores, e o estabelecimento de que denúncias anônimas não devem ser desconsideradas; portanto, o anonimato do denunciante não deve levar automaticamente a considerar a notícia como falsa.
Mas a decisão de Francisco mais valorizada dentro da Igreja foi a supressão do segredo pontifício em casos de abuso, o que permite o acesso da justiça de cada país aos julgamentos canônicos contra membros do clero, seja no nível diocesano – onde ocorreram os casos –, seja no nível do Vaticano.
Há dois anos, determinou que a Comissão para a Tutela dos Menores apresente periodicamente um relatório sobre os resultados das medidas que vêm sendo adotadas. A primeira avaliação foi divulgada na semana passada e conclui que “ainda há muito a fazer” para que a cultura de prevenção esteja plenamente instaurada.
Entre os déficits, menciona-se a necessidade de agilizar a expulsão dos sacerdotes culpados de abuso, garantir que as vítimas tenham acesso facilitado aos processos contra seus agressores, que haja reparação econômica e a criação de um ombudsman para defendê-las, além de maior prestação de contas e transparência.
Ao apresentar o relatório, o vice-presidente da comissão, o bispo auxiliar de Bogotá, dom Luis Alí Herrera, admitiu que, desde o início, a comissão enfrentou resistências tanto dentro do Vaticano quanto nas igrejas de cada país, mas que em todos os níveis foram percebidos avanços significativos na direção correta.
No entanto, a avaliação revela que a mudança cultural – expressa não apenas em resistência, mas também em falta de interesse – avança mais lentamente que as medidas, como no caso do México, onde apenas 20% dos bispos que participaram da visita quinquenal ao Vaticano responderam a um questionário da comissão.
Na Igreja argentina, a Conferência Episcopal – que reúne todos os bispos – produziu em 2015 as “Diretrizes de atuação diante de denúncias de delitos contra o sexto mandamento envolvendo menores de idade ou pessoas vulneráveis”, alinhadas às disposições do Vaticano e ao marco jurídico do país.
Além disso, seguindo as diretrizes da Santa Sé, criou em 2017 o Conselho Pastoral para a Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis, dedicado principalmente a assistir as instâncias eclesiásticas em todo o país em casos de abuso e na prevenção, proteção e apoio às vítimas.
Embora se presuma que os abusos clericais na Argentina não tenham sido tão numerosos quanto em outros países – ainda que um único caso já seja grave –, a Conferência Episcopal não forneceu até agora um levantamento dos casos e o estado das ações civis e eclesiásticas, como ocorreu em outras conferências episcopais.
Estimativas jornalísticas de cinco anos atrás indicavam 63 denúncias, das quais 17 com condenação judicial, 22 com processos judiciais em andamento e 24 sem judicialização. Além disso, apontavam que a Igreja havia expulsado cerca de uma dúzia de padres do sacerdócio, mas não havia informações sobre quantos eram os julgamentos eclesiásticos em andamento.
"Ainda falta, por parte da Igreja na Argentina, uma informação oficial sobre a quantidade de denúncias e a situação dos denunciados, conforme acaba de solicitar em seu relatório a Comissão para a Tutela dos Menores, criada por Francisco, em prol da prestação de contas e da transparência."
Em relação ao caso do padre Julio Grassi, que está preso cumprindo pena de 20 anos, o julgamento eclesiástico não mostra avanços, pois a Igreja afirma que não encontrou indícios suficientes – embora na justiça civil ele já tenha sido condenado –, mas ele está proibido de exercer o sacerdócio publicamente.
Em resumo, ainda falta, por parte da Igreja na Argentina, uma informação oficial sobre a quantidade de denúncias e a situação dos denunciados, conforme acaba de solicitar em seu relatório a Comissão para a Tutela dos Menores, criada por Francisco, em prol da prestação de contas e da transparência.
Por se tratar do país de origem do atual pontífice, a Conferência Episcopal Argentina – superando as reticências de alguns bispos, embora não de todos – deveria liderar os direcionamentos vindos de Roma sob a inspiração de Jorge Bergoglio. Mas, sobretudo, porque a gravidade do flagelo exige isso.