19 Dezembro 2019
O secretário adjunto da Congregação para a Doutrina da Fé explica e avalia a nova norma do Vaticano: "Devemos esperar outras reformas nos próximos meses".
A entrevista é de Daniel Verdú, publicada por El País, 17-12-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O arcebispo Charles Scicluna (Toronto, 60 anos) é o secretário adjunto da Congregação para a Doutrina da Fé e uma das pessoas no Vaticano que mais tempo dedicou para combater a praga dos abusos a menores com melhores resultados. Autor da investigação contra o padre Maciel no México e membro do comitê organizador da cúpula realizada em fevereiro em Roma, dirigiu também parte do processo que desembocou na histórica eliminação do segredo pontifício. Um feito histórico, que dá a entender que não deve ser o último da reforma em andamento.
Eis a entrevista.
O que muda de forma prática com essa lei?
Elimina qualquer obstáculo na via de comunicação entre a autoridade eclesiástica e as vítimas, e entre a autoridade eclesiástica e a do Estado. A autoridade do país que pede a uma diocese uma informação sobre um caso de abuso não voltará a receber a resposta de “lamentamos, mas esta informação está protegida pelo segredo pontifício”.
Isso quer dizer que estão obrigados a dar essa informação?
Dependerá da legislação civil, porém seguramente não poderão invocar o segredo pontifício.
É uma contribuição importante à transparência?
Sim. Você lembrará que no terceiro dia da cúpula de fevereiro, um dos elementos mais fortes que se pediu foi este. Em algumas jurisdições se concebia como um obstáculo para a colaboração com as autoridades do Estado.
As vítimas poderão solicitar informação e a sentença de seus casos. Como funcionará?
Isso deve ser mais desenvolvido. Até este momento a vítima não tinha direito a receber uma cópia da sentença. O bispo já não poderá invocar o segredo pontifício para negá-lo. Isso não é um truque de mágica que resolverá todos os problemas. Muitas coisas dependem dos personagens implicados, porém já não haverá o obstáculo institucional.
Alguém que viveu um processo há 15 anos poderá solicitar a cópia de sua sentença?
Isso é uma lei processual, não penal. Isso é, hoje peço informação e não existe mais o obstáculo do segredo pontifício. E isso afeta a todos os casos.
Isso os obrigará a trabalhar muito copilando toda essa documentação. Há dezenas de milhares de casos de abusos.
Bom, essas respostas não se dão a nível de Santa Sé. Mas sim são as dioceses que deverão fazer. Quem necessita uma documentação da Santa Sé, ainda que não esteja protegida pelo segredo pontifício, deverá seguir o direito internacional com a rogatória correspondente. Isso não muda.
A Doutrina da Fé também está sujeita à nova lei.
As sentenças da Doutrina da Fé comunicadas às dioceses já não estarão sujeitas ao segredo.
Isso não significa, como pediam algumas vítimas, que as dioceses estejam obrigadas a comunicar as denúncias de ofício.
Existe a obrigação de colaborar, porém sempre segundo a lei civil do Estado. Se essa lei os obriga a fazê-lo, deverão fazê-lo.
Tem sido difícil levar adiante a abolição do segredo. É evidente que era uma medida que tinha muita oposição.
Sim, porém todas as decisões têm seu itinerário. Queremos ver os resultados e o itinerário ainda não está completo. Devemos esperar outras reformas nos próximos meses, como a apresentação da primeira versão do Vade Mecum da Doutrina da Fé, para ajudar os bispos a proceder com as denúncias. Haverá mais coisas? Uma etapa depois da outra.
Nota da IHU On-Line:
O Instituto Humanitas Unisinos – IHU promove o seu X Colóquio Internacional IHU. Abuso sexual: Vítimas, Contextos, Interfaces, Enfrentamentos, a ser realizado nos dias 14 e 15 de setembro de 2020, no Campus Unisinos Porto Alegre.

X Colóquio Internacional IHU. Abuso sexual: Vítimas, Contextos, Interfaces, Enfrentamentos
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Para D. Scicluna “a abolição do segredo pontifício não resolverá todos os problemas, porém já não haverá travas institucionais” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU