12 Setembro 2024
Obra preocupa pelos elevados impactos que pode causar em uma das regiões mais bem preservadas da Floresta Amazônica, mas presidente usa a seca para defendê-la.
A informação é publicada por ClimaInfo, 12-09-2024.
No mesmo dia em que foi ao Amazonas para ver in loco a situação drástica vivida por várias regiões do estado por causa da seca extrema e dos incêndios que atingem a Amazônia, o presidente Lula resolveu sair em defesa da BR-319. Usando a seca como justificativa, Lula disse que quer retomar as obras para asfaltar o chamado “Trecho do Meio” da rodovia que liga Manaus a Porto Velho.
No final de julho, a 7ª Vara Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas (SJAM) anulou a licença prévia para o asfaltamento do Trecho do Meio da BR-319, de cerca de 400 km. A decisão atendeu a uma ação civil pública movida pelo Observatório do Clima (OC) contra a licença emitida pelo IBAMA em 2022, ainda durante o governo Bolsonaro. Segundo o OC, a licença ignorou dados técnicos, análises científicas e vários pareceres do próprio órgão ambiental durante o processo de licenciamento.
Na avaliação de Lula, a importância da rodovia se dá especialmente durante a seca no rio Madeira, destaca o Estadão. “Temos consciência de que, enquanto o rio estava navegável, cheio, a rodovia não tinha a importância que tem, enquanto o rio Madeira estava vivo. E não podemos deixar duas capitais isoladas”, disse o presidente.
Segundo Lula, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, convocaria uma reunião com ministros e o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), para “definir uma política de atuação no estado”. “Vamos ter de garantir que não vamos permitir o desmatamento e a grilagem de terra [sic] próximo à rodovia, como é habitual acontecer neste país”, disse.
Aí é que mora o perigo que o presidente finge não ver. Como lembra o Globo, a estrada atravessa uma das regiões mais bem preservadas da Floresta Amazônica. A pavimentação facilitará o acesso ao coração da floresta e, com isso, atividades ilegais como o desmatamento e a grilagem, apontam especialistas.
Um levantamento da Climate Policy Initiative (CPI) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), feita em parceria com o Projeto Amazônia 2030, mostra que o asfaltamento da BR-319 pode causar impactos em cerca de 300.000 km² da Amazônia. É uma área maior que todo o estado de São Paulo.
Vale lembrar também que o desmatamento é uma causa importante das mudanças climáticas. Essas que estão causando eventos climáticos cada vez mais extremos e frequentes – como a seca que, por dois anos consecutivos, castiga a Amazônia.
Construída durante a ditadura militar, no início dos anos 1970, a BR-319 foi abandonada na década seguinte e costuma ficar intransitável entre dezembro e maio, durante o período chuvoso. O governador Wilson Lima defende a pavimentação como “forma de tirar o estado do isolamento em relação ao restante do Brasil”. Mas a rodovia foi definida como inviável “economica e ambientalmente” pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em sessão da CPI das ONGs do Senado em novembro passado.
Valor, Agência Brasil, Carta Capital, IstoÉ Dinheiro e JCPE também repercutiram as declarações de Lula sobre a BR-319.
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