20 Junho 2024
O antídoto para a secularização da Igreja baseia-se em três ingredientes: confiança, humildade e compreensão. Somente nessas condições as missas desertas e o esvaziamento que acontece nas aulas de religião na escola serão uma oportunidade para relançar a missão cristã num contexto não mais religioso. O Cardeal Jozef De Kesel, autor do livro “Cristiani in un mondo che non lo è +” [Cristãos num mundo que não é +, em tradução livre], está convencido disso. O arcebispo emérito de Bruxelas, 76 anos, um dos potenciais kingmaker no próximo conclave, descreve as características de uma Igreja paradoxalmente à vontade nas estreitas sendas da secularização. O que marca o ocaso da cristandade, não do cristianismo.
A entrevista é de Giovanni Panettiere, publicada por Qn, 17-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
As igrejas vazias deixam vários cardeais sem sono. Para o senhor, porém, a transição de uma sociedade religiosa para uma secularizada pode ser uma ocasião (kairos). O que o leva a ser otimista?
Durante quase um milênio, o cristianismo foi a religião cultural aqui no Ocidente. A Igreja podia cumprir a sua missão em um mundo que era cristão. Uma situação e uma posição muito confortável. E esse período da cristandade durou tanto tempo que as pessoas pensam que é a situação normal. Mas não é assim. Mesmo quando o cristianismo não tem mais o status de religião cultural e, portanto, não representa mais a maioria da população, pode desempenhar a sua missão. Essa foi a posição normal do povo de Deus no Antigo Testamento e o Novo Testamento não a mudou. O mundo é infinitamente maior que a Igreja, ela não é tudo, mas deve estar presente em todos os lugares.
Existe muita saudade na Igreja pelas glórias e privilégios da Renascença?
Durante séculos, ela teve muita influência e, por vezes, muito poder no Ocidente. Assim sendo, foi capaz de realizar muitas coisas boas e belas. Mas o poder e a influência podem gerar excesso de confiança e orgulho. Esse perigo também era real para a Igreja. Neste sentido, a passagem de uma sociedade cristã para uma sociedade secular convida-nos a aceitar não só tornar-nos uma Igreja menor, mas também humilde. Isso requer uma verdadeira conversão e é isso que o Papa Francisco pretende com o processo sinodal.
Se é verdade isso, como escreve em seu livro, no passado e ato do crer era muitas vezes viciado por um certo condicionamento sociológico, hoje são cristãos menos numerosos, mas mais livres para se definirem como tais?
A fé é um ato de confiança. É sempre uma resposta pessoal e livre do homem ao convite de Deus. Foi assim no passado e é assim também hoje. Contudo, aqueles que são cristãos na nossa época o são porque querem sê-lo. Antes a fé era levada e sustentada por toda a sociedade, não havia sequer uma verdadeira escolha.
Esse é o caso de uma sociedade pluralista. Tal mudança significa também que, para um cristão a Igreja e a comunidade dos fiéis serão muito importantes: para ser e permanecer cristão num mundo secular, precisamos mais do que nunca de companheiros de fé.
O senhor espera por uma Igreja aberta. Isso passa pela reintrodução do diaconato feminino e pela ordenação de homens casados e pela aprovação do Vaticano à bênção dos casais homossexuais, dos quais vocês, bispos flamengos, foram os “precursores”?
Uma Igreja aberta não significa adaptada a todas as evidências da modernidade. Aberto significa aberto ao mundo. A Igreja vive no mundo, não vive (mais) no seu mundo. Temos muito para lhe dar: a alegre mensagem do amor de Deus e a pérola preciosa do Evangelho. Mas também temos muito a receber. Foi o chamado do Vaticano II: compreender os sinais dos tempos para conhecer melhor o que o Senhor nos pede. Neste sentido devemos compreender o pedido do diaconato feminino e da ordenação de homens casados. E também a nossa atitude em relação ao próximo homossexual.