08 Junho 2024
A festa litúrgica do Sagrado Coração de Jesus torna-se, para nós da Settimana News, uma oportunidade de compartilhar com nossas leitoras e nossos leitores um pedaço da espiritualidade da nossa casa – que encontra seu eixo na singular apropriação e declinação da devoção ao Sagrado Coração por parte do Pe. Dehon entre os séculos XIX e XX.
O artigo é de Marcello Neri, teólogo e padre italiano, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, publicado por Settimana News, 28-05-2023.
Eis o artigo.

Outro mundo, outra Igreja, outra história, em comparação com o tempo em que vivemos hoje: e, no entanto, as origens de um estilo de fé e de uma inteligência da história humana estão precisamente ali. Essa tradição espiritual é o que une caminhos comunitários muito diferentes entre si nas várias partes do nosso mundo onde a Congregação está presente.
Ali se encontra o sentido de uma comunhão que nos precede, sem, contudo, impedir-nos de seguir caminhos originais, aparentemente distantes entre si. Caminhos que, no entanto, são chamados a serem compreendidos e tornados acessíveis a toda a Congregação. Para uma revista como a Settimana News, isso significa explicar como a devoção (ao Sagrado Coração) e a espiritualidade (dehoniana) se manifestam no serviço eclesial da informação religiosa e cultural.
Um serviço que exige uma espécie de primazia das coisas concretas, dos fatos que ocorrem, das escolhas que abrem ou fecham horizontes. A tentação a ser superada é a de envolver com uma aura dehoniana algo que não é nosso, mas de outros – muitas vezes de todos.
Trata-se da obsessão de querer encontrar traços da espiritualidade da nossa casa em espaços e tempos que não nos pertencem, formando uma espécie de colonialismo espiritual em menor escala. Junto a isso, há um segundo perigo: o de prestar atenção apenas ao que é imediatamente compreensível pela grelha espiritual que molda nossa fé. Como se fôssemos chamados a destacar apenas o que poderia ser uma espécie de fotografia de nós mesmos.
Para uma tradição espiritual, por mais jovem e marginal que seja na Igreja, fazer informação religiosa é, essencialmente, uma prática ascética. Não se trata de renunciá-la, claro, mas de fazê-la funcionar de um modo que não lhe é natural: dando a primeira palavra às coisas da vida tal como são.
O "dehoniano" passa para o segundo plano e, a partir dessa dimensão, se ativa como um sentir crente que dá espaço ao que acontece no mundo e na Igreja – e se deixa interrogar por isso para encontrar uma nova síntese, uma nova maneira de estar na história humana. Deixa de invadir a realidade, como se tudo devesse portar a etiqueta "feito por Dehon", para aprender com as coisas que acontecem o que o Espírito pede para ser destacado no vertiginoso mundo da informação.
Como dissemos no início, viemos de uma origem que se ativa sempre que a fé que molda é capaz de seguir os sinais do Espírito, que conduzem além das seguras e confortáveis muralhas de uma espiritualidade zelosamente guardada em si mesma e para si mesma. Isso é o que tentamos fazer diariamente com nosso trabalho de informação religiosa, eclesial, sociocultural e política.
A informação religiosa é uma prática em que se aprende a expressar a (própria) espiritualidade dehoniana falando de outra coisa – e isso é benéfico para a própria espiritualidade, que se vê assim obrigada a enfrentar novos horizontes, territórios inexplorados do humano e do Evangelho. Dou apenas dois exemplos, mas muitos outros seriam possíveis. O primeiro diz respeito ao ministério na Igreja, o segundo à forma democrática da convivência humana.
Dehon frequentemente chama os seus a assumirem e cuidarem do "pecado das almas consagradas (sacerdotes e religiosos)" na Igreja Católica. Esse confronto com o mal no coração da comunidade desejada pelo Senhor é parte essencial da espiritualidade que o fundador viveu no horizonte da devoção ao Sagrado Coração.
Não é um simples convite, mas uma verdadeira injunção à consciência de que a Igreja não é imune ao mal – e isso, especialmente, no ministério chamado a lhe dar ordem e no testemunho de vida da fidelidade religiosa a Jesus.
Hoje, isso não pode ser dito sem falar (também) dos abusos sexuais, espirituais e de poder na Igreja Católica. O trabalho de informação que estamos realizando há anos nesse campo não nasce de uma mórbida aversão à instituição eclesial, mas de uma fidelidade à origem espiritual da nossa maneira de viver a fé cristã. Cientes de que, mesmo entre nós, que deveríamos ter sido moldados por essa injunção fundadora de ver o mal que existe na Igreja e na Congregação, criaram-se dinâmicas e estruturas que a desativaram e a tornaram ineficaz.
Quem lê com alguma atenção a Settimana News terá notado, na estrutura informativa geral, uma militante posição a favor da instituição democrática – hoje mais frágil e em dissolução do que nunca. Essa posição, que tem certamente uma sua dimensão política, está enraizada na experiência espiritual que foi confiada à nossa fé. O horizonte coletivo sob o qual Dehon inscreveu seu carisma de fundação é o do "sint unum" – a ser expandido no mundo e na sociedade.
O instituto democrático, entre os atualmente disponíveis, é aquele que lança as bases para uma ordem comum, que aspira a ser compartilhada por todos porque é vista como capaz de uma hospitalidade do humano que outros registros institucionais não são capazes, ou não querem garantir. Ao mesmo tempo, o horizonte espiritual do "sint unum" funciona como uma instância crítica dos diversos modos como o instituto democrático é atualmente realizado ou reconfigurado.
Ele aspira ao humano reconciliado, onde o conflito é organizado como lugar de verificação das diversas sensibilidades que compõem a coletividade, como atestado da diferença escatológica da promessa do Reino de Deus. Isso exige a leitura de todas aquelas instâncias e procedimentos institucionais que permitem uma composição do conflito, uma sua resolução não violenta e/ou parcial, como referentes significativos da experiência espiritual dehoniana.
O apoio convicto dado à União Europeia, no reconhecimento dos seus limites e de certa miopia burocrática (sobretudo em relação aos fenômenos religiosos em seu entrelaçamento com as práticas comunitárias), faz parte dessa orientação espiritual originada pelo carisma de fundação do padre Dehon.
Uma última nota menor, mas que merece ser explicitada. Trata-se do "como" da conexão entre a experiência espiritual dehoniana e o trabalho de informação religiosa.
Formulo-a nos seguintes termos: em tudo isso, a espiritualidade representa uma espécie de fundo inconsciente, não tematizado, que se expressa plenamente naquele outro sobre o qual se fala ao fazer informação religiosa. Por essa razão, não precisa ser tematizada; ao contrário, uma sua explicitação acabaria por faltar à própria condição de possibilidade de ativá-la eficazmente graças àquele campo de exterioridade/estranheza em que ela se expressa.
Tesouro precioso esse, pois guarda a consciência de que a espiritualidade (dehoniana, neste caso) não depende nem da pregação do seu ser, nem da nomeação do seu exercício; mas, sim, da sua prática expressiva possibilitada por todo o resto que ela não é.
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