07 Mai 2024
"A proposta [de pentarquia] era má vista pelo papado, que a considerava hostil ao seu papel de primazia. E, portanto, no Vaticano foi posta na sombra; no entanto, ficou uma lembrança do tempo antigo: e no Anuário também havia o título finalmente cancelado por Ratzinger e agora reproposto por Bergoglio, com um gesto de sensibilidade para com a Ortodoxia", escreve Luigi Sandri, jornalista italiano, em artigo publicado por L'Adige, 06-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Khristos voskrese” (Cristo ressuscitou) exclamou Kirill, o patriarca de Moscou; e Vladimir Putin, ao lado dele na Catedral de Cristo Salvador, respondeu “Vo istinu voskrese” (em verdade, ressuscitou). Assim foi celebrada a terceira Páscoa desde o início da “Operação militar especial", desencadeada em 2022 pelo presidente russo, que já causou duzentas ou trezentas mil vítimas e enormes destruições materiais.
Esta é a data, 5 de maio - para uma festividade que no Ocidente caiu em 31 de março - porque a Igreja russa segue o calendário juliano.
Décadas atrás, o Concílio Vaticano II e o Conselho Mundial de Igrejas almejaram - em vão! - que o calendário fosse reformado para ter sempre a mesma data para a Páscoa. Enquanto ontem o Papa desejou votos de “Feliz Páscoa” às Igrejas ortodoxas, o Patriarca de Constantinopla, Bartolomeu, sublinhando que em 2025, por puro acaso, no Oriente e no Ocidente a festa cairá no mesmo dia, propôs que se aproveite a oportunidade para decidir juntos - católicos, ortodoxos e protestantes – uma data comum para manter para sempre. Hipótese sedutora, também motivada pelo fato que o próximo ano marcará mil e setecentos anos do Concílio de Nicéia - o primeiro ecumênico - de 325. Mas não é certo que as diversas Igrejas cheguem ao desejado acordo.
Em primeiro lugar, o significado profundo da Páscoa, celebrada em Moscou por um patriarca que considera “santa” a guerra contra Kiev, abre problemas gigantescos na relação entre fé e política e na referência à memória do Cristo Ressuscitado que, aparecendo aos discípulos, disse: “A paz esteja convosco”. Não sabemos se tal inquietante questão aparecerá nestes dias na Ortodoxia, onde em surdina esgueira-se outro questionamento, sobre uma questão mínima, mas, se resolvida, aberta a consequências importantes.
Ao modificar uma expressão que tem sido reiterada há séculos no Vaticano, ou seja, que o bispo de Roma também é “Patriarca do Ocidente”, em 2006 Bento XVI suprimiu esse título do Anuário pontifício (que pontualmente atualiza os dados da Cúria romana e de todas as dioceses do mundo).
Mas, na edição de 2024 que acaba de ser publicada, aquele título, por decisão de Francisco, voltou. Por quê? Na era cristã, por volta do século V, começou a surgir a teoria da “pentarquia”: isto é, a ideia de que a Igreja era governada pelos cinco patriarcas (quatro no Oriente - Constantinopla, Alexandria do Egito, Antioquia da Síria, Jerusalém - e um, Roma, no Ocidente): todos unidos na fé, mas autônomos internamente.
A proposta era má vista pelo papado, que a considerava hostil ao seu papel de primazia. E, portanto, no Vaticano foi posta na sombra; no entanto, ficou uma lembrança do tempo antigo: e no Anuário também havia o título finalmente cancelado por Ratzinger e agora reproposto por Bergoglio, com um gesto de sensibilidade para com a Ortodoxia. Que, no entanto, está dividida por Moscou que não aceita o primado de Constantinopla; e do juízo ético sobre a tragédia ucraniana. Mas… Khristos voskrese!