20 Abril 2024
O filósofo Luciano Floridi se conecta à mensagem do Papa Bergoglio divulgada por ocasião do Dia Mundial das Comunicações Sociais para ressaltar a importância da moral do ser humano diante das novas tecnologias. Vê-las como um benefício ou uma ameaça depende única e exclusivamente de nós.
A reportagem é de Lorenzo Santucci, publicada em Formiche, 12-04-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em sua mensagem divulgada por ocasião do 58º Dia Mundial das Comunicações Sociais, o Papa Francisco havia sido muito claro sobre o papel da inteligência artificial. Sua contribuição para o desenvolvimento é inegável, mas a tecnologia nunca poderá substituir a nobreza do “coração humano”.
É um conceito nada banal, apenas aparentemente óbvio. E foi retomado em um artigo que o filósofo Luciano Floridi dedicou precisamente à mensagem do pontífice.
Intitulado “Três tensões na compreensão da IA. Comentário à mensagem do Papa Francisco ‘Inteligência artificial e sabedoria do coração: para uma comunicação plenamente humana”, o professor de Yale se debruça precisamente sobre a utilidade das novas tecnologias e sobre como elas podem – ou não – ser úteis.
Talvez o exemplo mais concreto para uma rápida explicação seja o de uma simples máquina de lavar louças. Ela limpa melhor do que um ser humano, mas o faz sem pathos. Não que lavar os pratos seja um prazer para alguém, mas talvez isso seja feito com um propósito específico, movido por alguma coisa.
“Resta à humanidade, sempre e de um modo nunca delegável, a completa e única responsabilidade de projetar e empregar bem esses sistemas”, escreve Floridi. A eficiência, portanto, é das máquinas, mas a responsabilidade é apenas do humano.
Tudo isso evidencia a direção que se quer tomar em relação à tecnologia. É um debate abordado várias vezes, especialmente nos últimos dois anos, desde que apareceram novos instrumentos que mudaram a forma como realizamos muitas das nossas ações cotidianas. Abrindo espaço para dúvidas sobre como a IA pode se inserir na nossa vida: seja de forma positiva, ajudando-nos em algumas tarefas, seja de forma negativa, substituindo-nos ou, pior ainda, sobrecarregando-nos.
Como defendido por Bergoglio e argumentado por Floridi, depende única e exclusivamente de nós. “Cada coisa nas mãos do homem torna-se oportunidade ou perigo”, destacou o papa. “Compete ao homem decidir se há de tornar-se alimento para os algoritmos ou nutrir o seu coração de liberdade, sem a qual não se cresce na sabedoria.”
A tecnologia nasceu neutra, ao contrário dos algoritmos que, ao invés disso, tendem a tomar posição – a nossa ou pelo menos pretendem nos mostrar tudo o que deveria nos agradar. É a moral com que ela é utilizada que torna a sua neutralidade uma vantagem ou um perigo para o ser humano.
“Cabe à humanidade favorecer todos os aspectos positivos e prevenir, reduzir ou anular os negativos, evitando que as "mãos erradas" levem a melhor no impulso para o futuro, ‘desequilibrando-a’, por sua vez, em favor do bem”, observa o filósofo. “Perguntar-se como será o mundo amanhã significa se interrogar sobre o que queremos e decidimos fazer hoje.”
Os desafios do futuro, aliás, são os do presente: acima de tudo, o ambiente e o mundo do trabalho. E também aqui, sublinha Floridi, “a resposta não está escrita; depende de nós”.
As mudanças climáticas já são um fenômeno inevitável, já em curso, mas cujas consequências podem ser atenuadas graças à tecnologia. De fato, existem diversos instrumentos que permitem controlar os eventos atmosféricos, a fim de calcular também seu poder e, portanto, sua devastação, mas existem muitos outros campos de ação – basta pensar apenas nos novos cultivos agrícolas que poderão surgir. Assim como uma reestruturação do mundo do trabalho parece ser cada vez mais inevitável. Aqui também depende de como se quer enfrentar a questão, ou ajudando o ser humano ou querendo abater os custos, substituindo-o pelas máquinas.
Para tentar governá-la, estamos tentando caminhar rumo a uma regulamentação que possa impor limites. Para o papa, uma lei é importante, mas, ao mesmo tempo, insuficiente sem uma abordagem espiritual. Nenhuma imposição, obrigação ou código de conduta conseguirá conter o problema na ausência de alguém que oriente a inovação tecnológica para o bem coletivo.
“A era moderna”, conclui Floridi, “perdeu o sentido do completamente Outro. (...) É uma crise de diálogo interno, mesmo que apenas socrático e não necessariamente religioso, com o Outro. A verdadeira distração (etimologicamente falando) moderna, o ruído que esconde o sinal, é o antropocentrismo individualista que não deixa nenhum espaço para o Outro.”
A globalização exige que lidemos com alguém diferente de nós, aumentando potencialmente o risco de conflito. Ou reduzindo-o, dependendo de como queremos considerar o que é novo e distante: como algo que pode nos enriquecer ou como uma ameaça. Pois bem, o mesmo pensamento vale para a inteligência artificial.