14 Fevereiro 2024
Nem apocalíptico nem integrado. Ou melhor, na fronteira entre os dois campos identificados por Umberto Eco. Diante do potencial e dos riscos da inteligência artificial, o Cardeal Gianfranco Ravasi prega o humanismo.
A entrevista é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 09-02-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Antes de começar, Eminência: acompanha Sanremo?
Nas letras das músicas procuro algum elemento que não seja apenas espiritual, mas também humanista, mas muitos textos são modestos... Movo-me com agilidade no campo da música clássica, mas também me interessei bastante pela música jovem, pop, mas também rap e trap. Escrevo tuítes e recebo as críticas daqueles que dizem que o padre deveria se restringir a rezar à noite.
Vamos à inteligência artificial: o Papa Francisco alertou que não deve ser permitido aos algoritmos “colocar de lado os valores essenciais de compaixão, da misericórdia e do perdão”.
A inteligência artificial pode eliminar trabalhos desgastantes, mas isso pode ter o lado negativo de pessoas sem trabalho. Pode ter um grande potencial médico, mas pode ultrapassar fronteiras na genética, em busca do Golem ou do homúnculo do Fausto de Goethe. Com o algoritmo aberto a máquina tem um leque de possibilidades. Lembro-me de um filme em que um drone tem que atingir um centro terrorista, uma tenda no deserto, só que no caminho tem uma menina que vende hortaliças: o homem teria um sobressalto, evitando atingir? E a inteligência artificial? A diferença radical talvez não esteja na razão, que a inteligência artificial pode ter mais sofisticada que o homem, mas no humanismo, isto é, na consciência, no sentimento, na paixão, na ternura. As advertências do Papa são relevantes em nível antropológico.
Mesmo sem inteligência artificial pode haver crueldade: o que pensou da morte de Giovanna Pedretti, a dona de restaurante que tirou a própria vida após ser alvo de uma avalanche de insultos online?
A agressividade, as obscenidades, as vulgaridades, as estupidezes, as fake news... felizmente muitas ficam ali, mas algumas explodem e, como se estivessem ao longo de uma artéria, afetam todo o corpo. O resultado é que não só a misericórdia, mas também a humanidade são afetadas. Mas vamos pensar no que podemos fazer para introduzir ar limpo no sistema. Essa tarefa deveria ser responsabilidade da família, da escola, da Igreja, da cultura. No passado, por exemplo, quando Norberto Bobbio falava...
Hoje são os influencers que têm maior impacto: o que acha de Chiara Ferragni?
É admirável a capacidade que têm não só de aquecer seus canais, mas também de superaquecer todo o ambiente. Quando falta alguma norma ética, qualquer dimensão humana, é um problema.
E a Igreja? As igrejas estão se esvaziando: o que fazer com elas? Abri-las para outros usos, motor de um terceiro setor que gere desenvolvimento humano?
Quando eu era estudante de teologia em Milão, falava-se sobre as novas igrejas nas periferias, hoje o problema é fechá-las, especialmente no centro. Nunca é lícito profanar, é lícito dessacralizar. Lembro de uma igreja transformada em sorveteria... Mas há igrejas que se tornam centros de estudo, que, como pediu o Papa Francisco, destinam-se a acolher os imigrantes, ou podemos pensar em Santa Maria in Trastevere, onde todos os anos a comunidade de Santo Egídio organiza o almoço de Natal para os pobres.
O senhor sabia que existe um aplicativo, Text with Jesus, que permite conversar com Jesus, os evangelistas, os profetas e até com o diabo? Um jogo, uma blasfêmia?
Blasfêmia é demais. Parece-me que há um pouco de estupidez e, infelizmente, alguns padres pensam que essa possa ser também uma forma de evangelizar... Por outro lado, mostra que a necessidade do transcendente é sempre inerente à criatura humana.
Um dos perigos também destacados pelo Papa é que a inteligência artificial seja utilizada para manipulação eleitoral: como vê a possibilidade de reeleição de Donald Trump?
Aquela que parece ser o máximo da democracia, a expressão da vontade popular, pode em vez disso, ser submetida ao máximo de controle. As megacorporações, penso em Zuckerberg, em Elon Musk, podem manipular e organizar o consenso. Se num determinado momento um político mais que argumentar criticamente, através desses canais, toca certos instintos ‘profundos’, essa é verdadeira democracia?.
Elon Musk anunciou que a Neuralink implantou um microchip no cérebro de um paciente.
A tradição clássica distingue entre cérebro e mente, agora domina a visão fisicalista que reduz tudo a neurônios e sinapses, considera o cérebro um computador extraordinário. E o eu, a consciência, a liberdade, a estética, a vontade, a alma? Steve Jobs dizia que uma união entre a ciência e o humanismo, seu modelo era Leonardo da Vinci, ‘porque só por meio dessa união conseguimos fazer sair uma canção do coração’. Deixando de lado a imagem um pouco popular demais, expressa algo verdadeiro: a tecnologia procede de forma binária, veja o caso Oppenheimer, mas é necessário que exista a humanidade, humanismo.
Eminência, no que diz respeito à inteligência artificial, o senhor é apocalíptico ou integrado?
Umberto Eco era um amigo. Se você for verdadeiramente sábio, deve ser capaz de ficar no meio. Às vezes você é um pouco integrado, às vezes um pouco apocalíptico, mas o esforço deveria ser esse. Fílon de Alexandria adorava definir o sábio como aquele que está na fronteira. É muito difícil, é fácil ficar de um lado ou de outro: negar a ciência, as vacinas, o aquecimento global, ou, em vez disso, entrar a fundo, porque as grandes corporações dizem: ‘Você não pode viver sem isso’, e no final você fica cercado. Devemos sempre tentar ficar no meio, essa é a grandeza da pessoa humana.
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“Eu implantaria o humanismo na IA de Musk. Se as redes sociais nos manipulam, não existe verdadeira democracia”. Entrevista com Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU