06 Janeiro 2024
"Urge restabelecer a alternância entre dia e noite, pois é uma ordem de manutenção da vida, como Ying e Yang na cultura chinesa. Urge restabelecer a alternância entre trabalho e descanso, entre razão e emoção, entre ação e contemplação, para não afundar no estresse, no esgotamento dos recursos, e se entupir de remédios para dormir...", escreve Hans Alfred Trein, pastor na IECLB, atuou por quase dez anos na Amazônia, mestre em Leitura Popular da Bíblia, passou um período pastoral na Paróquia de Erval Seco, no Rio Grande do Sul, realizou intercâmbio em Oficina Ecumênica em Kassel/Alemanha e coordenou o trabalho da IECLB com indígenas.
Se os três Reis Magos estivessem viajando este ano com seus camelos em direção ao portão de Belém, é quase certo que eles teriam se perdido, porque em grandes trechos de sua rota eles não poderiam confiar em sua estrela guia pela simples razão de que esta não teria sido visível por causa da iluminação artificial das cidades.
Na mitologia do povo indígena Kaingang há uma bela estória que se conta para explicar o surgimento do sol e da lua.
“Quando Deus fez o primeiro mundo, ele fez primeiro a terra, a água e depois o céu. Então, Deus fez dois sóis, para iluminar bem o mundo de todos os lados. Neste tempo, quando havia dois sóis, não existia noite. As plantas cresciam e murchavam, os rios estavam secando, a floresta não se formava bem, ela era muito baixa, e as pessoas também não aumentavam. Os sóis se desentenderam e começaram a brigar entre si. Um acusava o outro de ser responsável pelas condições ruins para a vida no mundo. Então, foi realizada uma assembleia de Deus e decidiram enfraquecer os olhos de um dos sóis que passou a ser lua e a governar a noite. À noite, o mundo mergulhava em neblina, orvalho regava a terra, as plantas se restabeleciam, os animais e as pessoas descansavam, as águas se refrescavam, as florestas ficaram mais exuberantes, os pássaros trinavam alegres no alvorecer, e se formou o vento para aliviar a quentura do sol...”
Desde o advento do modo de produção industrial em grande escala, a iluminação artificial foi o que mais profundamente afetou a vida no planeta. O iluminismo que anda de mãos dadas com esse período trouxe grandes avanços, mas não por acaso tem esse nome, “iluminismo”. Até os galinheiros são iluminados a noite inteira, para que as galinhas comam e possam ser transformadas em carne de frango com apenas 37 dias. A noite com seus medos, povoada de demônios, do “príncipe das trevas”, monstros e pesadelos foi vencida.
Em Darkness Manifesto (2022), o escritor sueco Johan Eklöf nos conta que em Hong Kong - que é, junto com Cingapura, a cidade mais iluminada do mundo - a noite é mil e duzentas vezes mais brilhante que um céu sem iluminação artificial. Para perceber a gigantesca alteração que introduzimos na superfície do nosso planeta, basta olhar para este mapa da poluição luminosa – você pode aumentá-lo e ver qual é a situação do local onde você vive.
Urge restabelecer a alternância entre dia e noite, pois é uma ordem de manutenção da vida, como Ying e Yang na cultura chinesa. Urge restabelecer a alternância entre trabalho e descanso, entre razão e emoção, entre ação e contemplação, para não afundar no estresse, no esgotamento dos recursos, e se entupir de remédios para dormir...
Os Kaingang têm uma estória importante para o nosso tempo.