Na Colômbia, Gustavo Petro quer liderar a transição verde no mundo

O presidente colombiano Gustavo Petro coloca a justiça ambiental no centro de sua agenda, associando-a à luta contra a pobreza e a desigualdade

Foto: Domínio Público

05 Janeiro 2024

"Ao iniciar a transição verde do país, Petro está confrontando os interesses de elites econômicas poderosas, bem representadas no parlamento por vários partidos tradicionais (...). Se um país em desenvolvimento como a Colômbia pode fazer isso, qual será a desculpa para os países do Norte Global?"

O comentário é de Pablo Castaño, doutor em Ciência Política e jornalista freelancer, em artigo publicado por Jacobin, 03-01-2024. A tradução é de Arthur Lersch Mallmann.  

Eis o artigo.

Durante seu primeiro discurso em agosto de 2022, o presidente colombiano Gustavo Petro enfatizou de forma especial o meio ambiente ­– uma novidade em um país no qual a agenda de segurança dominou o debate político por décadas. “Só haverá futuro se equilibrarmos nossas vidas e a economia global com a natureza”, disse o ex-guerrilheiro, agora presidente.

Um ano depois, o comprometimento de Petro com a proteção do meio ambiente e o enfrentamento das mudanças climáticas manteve-se firme, ainda que tenha se deparado com dificuldades. Estes contratempos dizem muito sobre os desafios que países do Sul Global encontram na tentativa de abandonar as indústrias extrativas e descarbonizar suas economias.

Barreiras para o capital fóssil

A plataforma eleitoral da coalização de esquerda Petro, o Pacto Histórico, incluía a proibição ao fracking (fraturamento hidráulico) e a suspensão de novas explorações de gás e petróleo. As medidas não cancelariam contratos existentes, mas implicavam, sim, um primeiro passo para o encerramento gradual de uma indústria que responde por quase metade das exportações da Colômbia. Em resposta, a gigante do setor de gás e petróleo ExxonMobil abandonou as operações no país.

“A promessa foi cumprida durante seu primeiro ano no governo”, disse Tatiana Roa, uma renomada ecologista, membro da ONG colombiana Censat. Roa acredita que “o governo não pretende expandir a fronteira do petróleo”. No entanto, o ministro de Energia e Minas, Andrés Camacho, suavizou a promessa eleitoral de Petro, afirmando que "todos os [novos] contratos que assinaremos serão orientados para a transição [verde]". Embora cite a energia verde, Camacho não está excluindo completamente novos contratos de exploração.

Essas vacilações não surpreendem, considerando que a maior companhia de petróleo colombiana, a Ecopetrol, é parcialmente estatal. Como enfatizado por Alejando Mantilla, professor de Ciência Política na Universidad Nacional de Colombia, “interromper a exploração reduziria o preço das ações da Ecopetrol, prejudicando as finanças do Estado”. Apesar dessa ameaça, o ministro Camacho disse que sua “intenção é reduzir a participação dos hidrocarbonetos” e Petro esclarece a postura do governo na COP28, em Dubai, onde confirmou que “a Colômbia parou de assinar contratos para a exploração de carvão, petróleo e gás”.

Superar a dependência de combustíveis fósseis também demandará uma transformação profunda – e uma redução ­– do setor de mineração. Na Colômbia, a mineração industrial frequentemente é sinônimo de destruição ambiental, crime organizado e o assassinato de líderes sociais. A mineração ilegal – junto com as drogas – é umas das principais fontes de renda para grupos armados que ainda aterrorizam partes consideráveis do país, a despeito do desarmamento do grupo guerrilheiro das FARC, em 2016.

De acordo com as Nações Unidas, 98% dos assassinatos de líderes sociais e defensores dos direitos humanos na Colômbia ocorrem em municípios onde há produção de drogas ou mineração ilegal. Por exemplo, a Comissão da Verdade da Colômbia constatou que a empresa de mineração internacional AngloGold Ashanti era responsável por financiar grupos paramilitares que assassinaram camponeses e líderes comunitários. A mesma empresa foi acusada de destruir fontes de água e deslocar à força milhares de pessoas na região de Cauca. AngloGold Ashanti foi uma das muitas corporações multinacionais recebidas calorosamente pelo ex-presidente Álvaro Uribe (2002–2010), que também é acusado de vínculos com o paramilitarismo.

A vice-presidente Francia Márquez é conhecida por sua luta contra a mineração ilegal. Márquez vem de uma família de camponeses que seguem a tradição da mineração em pequena escala, menos destrutiva do que a mineração industrial. No entanto, o governo como um todo precisa provar que tem uma proposta nacional para transformar o poderoso setor de mineração.

O Poder Executivo tentou proibir a mineração a céu aberto, mas os parlamentares conservadores eliminaram um artigo que proibia essa prática do Plano Nacional de Desenvolvimento do governo. Apesar desse revés, Petro anunciou um novo código de mineração que busca reconhecer os direitos dos pequenos mineradores que perderam suas proteções legais nos governos neoliberais anteriores.

Resta saber se isso será suficiente para transformar o setor de mineração, que estudos mostram ser responsável pelo aumento nos níveis de pobreza e desigualdade nas regiões onde é mais prevalente. Falando sobre a mineração de carvão, o líder sindical Igor Kareld reconhece que "em algum momento, o carbono deve chegar ao fim, e precisamos estar preparados para isso. Precisamos buscar oportunidades de trabalho em uma transição energética e reconversão produtiva." Energias renováveis poderiam fazer parte da solução, de acordo com os planos de Petro.

Impulsionando energia verde

Aproximadamente 70% da eletricidade na Colômbia é produzida por usinas hidrelétricas. A segunda fonte-chave é de recursos fósseis, com energias renováveis desempenhando apenas um papel secundário na grade de energia do país. No entanto, a Colômbia tem uma "posição muito favorável" para energia eólica e solar, diz Germán Corredor, ex-diretor da Associação Colombiana de Energias Renováveis: "Temos uma radiação solar muito boa durante todo o ano, especialmente ao longo da costa do Atlântico, e ventos muito bons."

Uma das melhores áreas para parques eólicos é a região de La Guajira, no nordeste. Esse território empobrecido perto da fronteira venezuelana está experimentando uma "corrida eólica", com mais de sessenta parques eólicos planejados para construção futura – embora o plano enfrente oposição da população local, em grande parte composta pelo povo indígena Wayuu.

Representantes dos moradores locais Wayuu afirmam que as empresas não os informaram e consultaram devidamente antes de iniciar os projetos, um requisito da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e da constituição colombiana. Há outras discordâncias sobre o papel que os moradores locais deveriam ter no planejamento de tais projetos, bem como sobre como deveriam ser compensados pelo uso de suas terras e pelo impacto negativo que os parques eólicos poderiam ter em sua economia ou atividades espirituais. Os planos existentes de parques eólicos não forneceriam energia para as muitas aldeias Wayuu que não têm eletricidade, uma injustiça flagrante que as empresas não têm a intenção de resolver.

As tensões em torno dos parques eólicos em La Guajira são apenas um exemplo dos desafios que Petro enfrenta na expansão da energia renovável na Colômbia. O caso de La Guajira mostra que, se os interesses dos moradores locais não forem devidamente considerados, os projetos de energia renovável podem ser rotulados com o mesmo termo de "extrativismo" usado para a exploração predatória de combustíveis fósseis.

O governo de Petro aumentou a participação nos lucros que as usinas de energia verde devem destinar aos moradores locais de 1 para 6 por cento, alterando as regulamentações favoráveis às empresas aprovadas pelo governo anterior. Além disso, como explica Roa, o governo está tentando aumentar o papel do governo no setor elétrico, atualmente controlado por empresas privadas.

Outro elemento da estratégia de transição para energias renováveis da Colômbia são as chamadas "comunidades energéticas" – associações de usuários que produzem sua própria energia verde. Essa proposta foi incluída pela primeira vez no Plano Nacional de Desenvolvimento do país, e o Ministro Camacho anunciou recentemente a primeira chamada oficial para sua criação. Ele escolheu deliberadamente La Guajira para anunciar a nova política, visando regiões com populações dispersas e empobrecidas.

Para alguns vilarejos Wayuu – e muitos residentes indígenas ou afrodescendentes em todo o país – a proposta de comunidades energéticas pode oferecer uma alternativa para aquelas áreas não conectadas ao sistema elétrico nacional. Ainda é cedo para saber o alcance real dessa política inovadora, cujos beneficiários pretendidos são, em vez de empresas estrangeiras, o povo colombiano. Contudo, a iniciativa tem o potencial de promover uma transição energética mais justa.

A interrupção do desmatamento na Amazônia

"O que é mais prejudicial para a humanidade: cocaína, carvão ou petróleo?" perguntou Petro durante seu primeiro discurso na Assembleia Geral da ONU em setembro de 2022. Em um discurso provocativo que conectou o fracasso da "guerra às drogas" com a destruição da Amazônia, o novo presidente lançou uma proposta dirigida aos países desenvolvidos e às instituições financeiras internacionais: "Reduzam nossa dívida externa para liberar nossos próprios orçamentos e, portanto, realizar a tarefa de salvar a humanidade e a vida neste planeta". Petro se referia especificamente à proteção das florestas tropicais, que desempenham um papel fundamental na absorção de carbono e na proteção da biodiversidade.

Petro não está sozinho nessa demanda: o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, também pediu cooperação internacional para impedir o desmatamento na Amazônia brasileira, que, entre 2019 e 2023, sofreu taxas recordes de destruição e incêndios sob a administração de extrema-direita de Jair Bolsonaro. Falando a um grupo de parlamentares europeus em 2022, Lula pediu a ajuda da União Europeia para interromper o desmatamento e promover atividades econômicas alternativas, como as indústrias farmacêutica ou cosmética. Na Colômbia, o Pacto Histórico propôs em sua plataforma eleitoral de 2022 o desenvolvimento do turismo, agroecologia e o uso de produtos florestais não madeireiros como substitutos para atividades relacionadas ao desmatamento, como a criação de gado.

Durante o primeiro trimestre de 2023, o desmatamento na Amazônia colombiana caiu 76%. Roa considera essa melhoria como consequência, entre outras coisas, da mudança na estratégia contra o desmatamento desde a chegada de Petro ao poder. Sob o governo de direita anterior, a principal política de "conservação" era a repressão militar aos camponeses que desmatavam áreas protegidas da floresta amazônica. Como explica Roa, os camponeses muitas vezes desmatam uma área, cultivam ela e são posteriormente desapropriados por grandes proprietários de terras que compram a terra ou a tomam à força, empurrando os camponeses para desmatar outras áreas florestais ao longo de uma "fronteira agrícola da floresta tropical" em expansão.

Em vez disso, o governo de Petro está "chegando a acordos com os camponeses para implementar novos modelos produtivos" que não englobem a floresta. A mudança de política também afeta a abordagem do governo em relação às drogas: o novo plano antidrogas de Petro propõe que os cultivadores de folha de coca se tornem guardiões da floresta, com a missão de proteger a floresta tropical.

Em agosto de 2023, Petro e Lula se reuniram com os líderes dos outros seis países amazônicos para relançar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. Os oito governos sul-americanos concordaram em buscar "esquemas inovadores de financiamento" para proteger a floresta tropical, incluindo trocas de dívida estrangeira, enquanto Colômbia e Brasil deram um passo adiante, comprometendo-se a atingir a meta de desmatamento zero até 2030.

Lula conversa com o presidente colombiano, Gustavo Petro, durante o segmento de Alto Nível para chefes de Estado e de governo na COP28. (Foto: Ricardo Stuckert | Flickr - Palácio do Planalto)

Lula não seguiu a proposta de Petro de interromper a extração de petróleo e carvão na região amazônica. Ainda assim, o slogan de Petro de trocar "dívida por vida" está lentamente se espalhando pelo Sul Global, mesmo que não tenha recebido apoio de nenhum país devedor ou instituição financeira. (O presidente Joe Biden anunciou recentemente uma doação de US$ 500 milhões para o já existente Fundo Amazônico, mas não mencionou nada sobre o cancelamento da dívida.)

No entanto, Roa é cética em relação à proposta de Petro. Ela teme que, em vez de apagar a dívida externa do país, isso simplesmente signifique trocá-la por proteções ambientais. "Estamos presos em soluções falsas: financeirização da natureza e esquemas de compensação", diz Roa, que considera o esquema proposto semelhante ao mercado global de carbono existente.

O esquema de negociação de emissões permite que empresas poluentes compensem suas emissões com ações que supostamente compensam a mesma quantidade de emissões – por exemplo, contribuindo para a proteção de uma área florestal na Colômbia que, de outra forma, seria desmatada. Um estudo recente concluiu que o volume de emissões compensado por meio de mecanismos de mercado é muito menor do que o anunciado.

De qualquer forma, a proposta de Petro tem o mérito de introduzir colaborações de justiça climática entre o Norte e o Sul nos debates internacionais, exigindo que os países ricos e as instituições financeiras internacionais façam sua parte para proteger as florestas tropicais de que depende a saúde da humanidade.

Um modelo global

O lugar central que Petro deu ao meio ambiente e às mudanças climáticas é uma verdadeira novidade entre a esquerda latino-americana. A Onda Rosa, que liderou a região no início do século XXI, foi impulsionada pelo aumento dos preços das commodities e pela fortuna que a extração de recursos deixou para políticas sociais progressistas. Justificadamente focados no desenvolvimento econômico e na redução da pobreza, a descarbonização nunca foi uma prioridade máxima para Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa, Néstor e Cristina Kirchner, ou os primeiros governos de Lula no Brasil.

O firme compromisso de Petro com uma transição verde na Colômbia é louvável em um país cujas exportações anuais de petróleo valem cerca de US$ 10 bilhões, mas representam menos de 1% das emissões globais de CO2. É verdade que a contribuição relativamente baixa da Colômbia para as mudanças climáticas dificulta convencer o eleitorado sobre a urgência de descarbonizar a economia nacional. No entanto, isso não impediu o presidente de esquerda de tomar ações substanciais para reduzir a dependência de hidrocarbonetos, transformar o setor de mineração, promover energia verde ou proteger a Amazônia. A política verde no país andino está casada com uma ambiciosa agenda social que pretende reduzir as taxas de desigualdade e pobreza. Petro deixou claro sua intenção de se tornar um modelo global com gestos poderosos, como endossar o Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, promovido por um grupo de estados cuja existência é ameaçada pelo aumento do nível do mar.

No entanto, a "dependência de trajetória" [path dependence] é enorme em um país que por décadas viveu da extração e exportação de seus valiosos recursos naturais. Ao iniciar a transição verde do país, Petro está confrontando os interesses de elites econômicas poderosas, bem representadas no parlamento por vários partidos tradicionais. Seria ingênuo esperar que a Colômbia seja um país muito mais verde em 2026, quando o mandato do presidente termina.

Mas se o governo conseguir mudar ligeiramente de curso em direção a uma economia mais sustentável ambientalmente, será um exemplo extremamente valioso para governos e movimentos sociais ao redor do mundo. Se um país em desenvolvimento como a Colômbia pode fazer isso, qual será a desculpa para os países do Norte Global?

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