02 Dezembro 2023
"A realidade do desarranjo climático é um choque profundo para muitas pessoas, e a única maneira de minimizar ou impedir respostas de luta, fuga e congelamento, é serem apoiadas e trabalhar com outros, para que as pessoas não se sintam sozinhas, possam superar o desespero e desenvolver soluções coletivas. Precisamos empreender essa jornada juntos, compartilhando nossas reações difíceis e experiências positivas, em grupos e comunidades", escreve Mirian Fabiane Dickel, bióloga, mestre e doutoranda em Desenvolvimento Rural na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Vivemos tempos de incerteza, emergências climáticas, inundações, secas, incêndios, estiagens, que afetam a todos nós em alguma medida. Além desse complexo cenário ambiental, muitas são as transformações econômicas e sociais que estamos vivendo, esse é um tempo de transição, e o que podemos e devemos fazer nesse momento planetário?
1. Reverência pela vida: Deste ponto em diante, o desarranjo climático é o contexto predominante para toda a vida na Terra, afetando todos os humanos. O que nós, humanos, fizermos determinará como, onde e em que formas a vida sobreviverá e prosperará.
2. A felicidade provém de ajudar o próximo: Nossa maior felicidade pessoal surge quando nos damos e ajudamos os outros. Por exemplo, muitas pessoas ajudam instintivamente os vizinhos após um desastre natural, o que indica que o altruísmo e o desejo de ajudar estão embutidos em nossos genes. Devemos cultivar e aplicar isso para os marginalizados entre nós que são, pelo menos inicialmente, os mais atingidos pelo desarranjo do clima. Isso é exatamente o oposto da ganância e do egocentrismo que predominam hoje.
3. Sofremos quando nos apegamos: A própria natureza da felicidade depende de nossa capacidade de abandonar os apegos e ajudar os outros. Esse mesmo princípio deve agora ser elevado e aplicado a políticas públicas de todos os tipos.
4. O imperativo ético: Todos os seres são importantes. Devemos agir de maneiras que sejam benéficas para nós e os outros, a partir de um compromisso com o altruísmo e a compaixão.
5. Interconexão e interdependência: Devemos dissolver a crença de separação entre ser humano e natureza, superando a crença em um eu separado, o que nos leva a um senso de parentesco. Ademais, enquanto abandonamos a ilusão de um eu individual separado de outras pessoas, devemos abandonar a ilusão de que a humanidade está separada do resto da biosfera. Nossa interdependência com a terra significa que não podemos buscar nosso próprio bem-estar às custas do bem-estar dela. Quando os ecossistemas da terra se tornam doentes, o mesmo acontece com nossos corpos e nossas sociedades.
6. Renúncia e simplicidade: Para resolver o desarranjo climático, devemos estar dispostos a renunciar ao apego a coisas que contribuem para o problema e viver de forma mais simples.
7. A relação entre a primeira e a segunda nobre verdade e a capacidade para aprender a trabalhar com estados angustiantes: Devemos compreender o sofrimento que criamos, simbolizado pelo desarranjo climático, e como ele se originou, sendo que podemos aprender a não nos identificar com ele e, em vez disso, trabalhar os estados angustiantes, como medo e desespero.
8. Abertura ao sofrimento como veículo para o despertar: O sofrimento causado pelo desarranjo climático fornece uma oportunidade sem precedentes para os humanos aprenderem com seus erros individuais e coletivos e manifestarem um grande despertar. É uma oportunidade especial como nunca antes. Podemos encontrar maneiras de ser felizes – podemos “cuidar e acolher” em vez de lutar (entre nós), fugir ou congelar. Podemos reconhecer que é assim que as coisas são agora, abrindo-nos para o sofrimento em vez de nos apegar, e pensar e agir de novas maneiras.
9. A interconexão do interno e do externo, do indivíduo e do coletivo (ou institucional): O desarranjo climático fornece uma oportunidade sem precedentes para compreendermos as raízes do problema – que se relacionam com a maneira como nossas mentes funcionam, e como esses padrões tornam-se incorporados às práticas e políticas coletivas e coletivo-institucionais. Essa consciência pode abrir a porta para novas formas de pensar e responder que acabarão por produzir diferentes práticas e políticas institucionais.
10. Conexão com questões de diversidade e justiça: Os princípios da reciprocidade devem se aplicar a questões de diversidade, inclusão social e justiça. As crenças na separação que produziram a crise climática também levam à desigualdade social e à exclusão. Precisamos resgatar a unicidade da grande família humana, aplicando a equitabilidade e reciprocidade com a Terra.
11. A espiritualidade como agente de mudança social: A compreensão da espiritualidade e o acesso ao sagrado nos ajudam a mergulhar na vida, não a nos afastar dela. Os grandes mestres, Buda, Cristo, Gandhi, etc, estavam ativamente envolvidos com seus contextos sociais e culturais, e para a espiritualidade ter relevância prática, deve ajudar as pessoas a compreenderem como se engajar nos contextos políticos e sociais de hoje, visando uma transição para uma sociedade mais fraterna.
12. Determinação: Somos chamados a desenvolver firmeza, determinação e resiliência. Devemos ter a coragem de perceber que estamos sendo chamados a nos envolver nesse processo de transição, e que viver com gratidão nos ajudará a atravessar tempos difíceis.
13. Este precioso nascimento humano é uma oportunidade: Devemos sempre lembrar que nascer como humano é uma coisa rara e preciosa, e que recebemos a rara oportunidade de atuar como cuidadores porque os humanos não são apenas fonte de destruição – somos também fonte de grande bondade e cocriação.
14. O amor é o maior motivador: Nossa ação mais profunda e poderosa vem do amor por esta terra e de uns pelos outros. Quanto mais pessoas puderem se conectar e sentir amor pela terra, maior será a probabilidade de que seus corações sejam movidos a ajudar a prevenir o dano. Portanto, as crianças devem ser uma prioridade. Precisamos ajudar as pessoas a perceberem o que amam na vida e o que será perdido conforme aumenta o desarranjo climático.
15. A Vida em Comunidade e outras formas de apoio social são essenciais: A realidade do desarranjo climático é um choque profundo para muitas pessoas, e a única maneira de minimizar ou impedir respostas de luta, fuga e congelamento, é serem apoiadas e trabalhar com outros, para que as pessoas não se sintam sozinhas, possam superar o desespero e desenvolver soluções coletivas. Precisamos empreender essa jornada juntos, compartilhando nossas reações difíceis e experiências positivas, em grupos e comunidades.
16. Cultura e práticas regenerativas: Todxs somos chamados a nos regenerar, nos dedicar a cultivar a profundidade interior e a ajudar os outros, nesse processo. Regenerar a si próprio, sua família, sua comunidade, as paisagens, a Terra, para os seres que ainda irão chegar. Esse será nosso legado.