11 Outubro 2023
"Não há um só caso nos evangelhos em que Jesus tenha repudiado uma mulher, como fez com o governador Herodes Antipas (Lucas 13,32). Ou proferido maldições sobre elas, como fez com os escribas e fariseus (Mateus 23). Com as mulheres, Jesus se mostrou misericordioso, acolhedor, afetuoso e exaltou-lhes a fé e o amor", escreve Frei Betto, escritor e autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros
Eis o artigo.
O papa Francisco propõe debater temas considerados tabus na Igreja Católica, como o sacerdócio de homens casados, a bênção matrimonial a casais homoafetivos e o direito de as mulheres terem acesso ao sacerdócio. Para isso, convocou o Sínodo dos Bispos, cuja primeira sessão ocorre, em Roma, nesse mês de outubro (4 a 29).
Pela primeira vez estarão presentes 54 mulheres com direito a voto. Contudo, embora haja 70 leigos no Sínodo, 75% são bispos e cardeais. Ao todo, 464 participantes.
Francisco é o único monarca absoluto do Ocidente. Monarca absoluto, como o rei da Arábia Saudita, é aquele que nenhuma instância pode questioná-lo ou julgá-lo. Quisesse decidir sozinho sobre questões polêmicas, Francisco poderia fazê-lo. Mas como procura imprimir à Igreja um caráter mais democrático, prefere consultar as bases e atuar em regime de colegialidade.
Pelo menos cinco cardeais nomeados por João Paulo II e Bento XVI, pontífices conservadores, já se manifestaram contra a ordenação de mulheres e a bênção à união de pessoas do mesmo sexo. Confundem doutrina, um legado histórico, com revelação divina, também sujeita à interpretação, como o comprova a própria história da Igreja.
A misoginia é uma forte característica da Igreja Católica e destoa inteiramente dos evangelhos. Lucas (8,1) cita os nomes das mulheres integrantes da comunidade de Jesus; João (4,5-42) ressalta que a samaritana foi a primeira apóstola ao anunciar Jesus como Messias; e Marcos (16,6) registra que Maria Madalena, proclamada “Apóstola dos apóstolos” pelo papa Francisco, foi a primeira testemunha da ressurreição de Jesus.
Excluir as mulheres do sacerdócio e do episcopado, inclusive com direito a serem cardeais e eleitas papas, é um preconceito machista que não se justifica em pleno século XXI. O mesmo vale para o celibato obrigatório. Das 24 Igrejas vinculadas à comunhão católica, apenas a sediada em Roma exige que seus sacerdotes sejam homens solteiros, embora todos saibam que Jesus escolheu um homem casado, Pedro, para ser o cabeça da primeira comunidade cristã (Marcos 1,30).
Muitos na Igreja confundem heranças culturais com revelação divina. E por ignorar noções elementares de antropologia, julgam que o atual modelo predominante de família heterossexual é universal e perene. Ora, para a Bíblia o fundamento da relação entre pessoas é o amor. Onde há amor, aí está Deus.
Hoje, nenhuma paróquia católica pode negar o batismo a filhos de casais homoafetivos. Não é essa uma maneira de admitir a sacramentalidade da união dos pais ou mães dessas crianças?
Desconfio de que certos clérigos têm uma visão pornográfica da mulher e dos gays. O mais preocupante, porém, é ainda a Igreja considerar a procriação como objetivo superior à comunhão de amor no casamento. As pessoas não se unem para ter filhos, mas por amor. Fosse o contrário, deveria ser considerado nulo o matrimônio de um casal estéril.
O que se pode esperar de filhos cujos pais não se amam? Não devemos nos aproximar de Deus para evitar as penas do Inferno ou obter a salvação. Mas por amor, sobretudo aos nossos semelhantes - imagens vivas de Deus. Não há experiência humana tão feliz e plena quanto a do místico que vive em estado de paixão pela Trindade.
Não há um só caso nos evangelhos em que Jesus tenha repudiado uma mulher, como fez com o governador Herodes Antipas (Lucas 13,32). Ou proferido maldições sobre elas, como fez com os escribas e fariseus (Mateus 23). Com as mulheres, Jesus se mostrou misericordioso, acolhedor, afetuoso e exaltou-lhes a fé e o amor.
É chegada a hora de a Igreja assumir o seu lado feminino e abrir todos os seus ministérios às mulheres. Afinal, metade da humanidade é mulher. E, a outra metade, filha de mulher.
Leia mais
- Poder & Competência. Artigo de Frei Betto
- Religião libertadora. Artigo de Frei Betto
- Marx pregou o ateísmo? Artigo de Frei Betto
- “A doutrina não muda, o Evangelho será sempre o mesmo, a Revelação já está estabelecida”. Entrevista com D. Víctor Manuel Fernández, novo prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé
- Papa responde às “dubia” de cinco cardeais
- O Sínodo e as dubia dos cardeais
- Papa Francisco expressa abertura às bênçãos do mesmo sexo em resposta às críticas de cinco cardeais
- No “time” do Sínodo de outubro, também há 54 mulheres, das quais 29 são leigas
- Uma base para a esperança futura
- Mulheres e o Sínodo: se o melhor é inimigo do bem. Artigo de Anita Prati
- A lenta revolução de Francisco. Artigo de Enzo Bianchi
- Na véspera do Sínodo, defensores da ordenação de mulheres fazem vigília na Basílica de Santa Praxedes, em Roma
- Ministério de Novas Maneiras: orientação sobre bênçãos 'avança significativamente' a afirmação LGBTQ+ do Papa
- Inicia o Segundo Módulo da Assembleia Sinodal: "Todos são convidados a fazer parte da Igreja"
- O Papa em Lisboa. “A igreja é um lugar para todos. Todos. Não é uma alfândega”. As três escolhas inspiradas no Evangelho
- A sinodalidade e o “tempo de sela” na história da Igreja. Artigo de Massimo Faggioli
- Padre Radcliffe, uma Igreja sem fronteiras no caminho da esperança
- Padre Radcliffe conclui as meditações em Sacrofano: “Por um renascimento da Igreja”
- ‘‘Somos mendicantes atrás da verdade’’: refletindo sobre os textos de retiro de Pe. Radcliffe
- Mesas redondas que geram caminhos de esperança em uma Igreja sinodal
- O Sínodo não é o Vaticano III. É a implementação do Vaticano II pelo Papa Francisco
- Cardeal alemão Muller desafia pedido de confidencialidade do Papa no Sínodo com entrevista à EWTN
- Liliana Franco: “As vozes das mulheres têm que ressoar, e com força, neste Sínodo”
- O Sínodo do Vaticano e um sínodo alternativo em Roma
- Laudate Deum no dia do início do Sínodo. Clima, decrescimento e casa comum. A visão apocalíptica do Papa
- Seja superfluidade, seja salvação, o Papa misturou as cartas do seu sínodo
- Papa Francisco fala na imprensa e no Sínodo e também nas fofocas
- Na véspera do Sínodo, defensores da ordenação de mulheres fazem vigília na Basílica de Santa Praxedes, em Roma
- Francisco abre o “Sínodo das Mesas Redondas” para ouvir o Espírito Santo
- “Não uma Igreja rígida – uma alfândega –, que se arma contra o mundo e olha para trás. Não uma Igreja tépida, que se rende às modas do mundo. Não uma Igreja cansada, fechada em si mesma”. Papa Francisco na abertura do Sínodo sobre a Sinodalidade
- É um Sínodo!
- “A Igreja pode oferecer respostas evangélicas que já não são conhecidas.” Entrevista com o cardeal François Bustillo
- Sínodo 2021-2024: dar pernas ao Concílio
- Para este Sínodo, Francisco aposta em murmúrios em vez de megafones
- Rumo a uma assembleia sinodal “a portas fechadas”?
- O Papa: o Sínodo, não uma alfândega, mas uma experiência de Igreja hospitaleira
- Francisco adverte os padres sinodais que não quer “batalhas ideológicas” ou polarizações
- Tagle sobre o Sínodo: “Esperamos que ninguém invoque o fogo do céu para consumir aqueles que diferem!”
- Vaticano. Tudo a postos para receber participantes, em Sínodo sem papel e com espaço inédito
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Padres casados, mulheres sacerdotes e relações homoafetivas. Artigo de Frei Betto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU