05 Outubro 2023
"As reflexões dessa obra têm a missão de colher todo o significado da ternura e ao mesmo tempo mostrar a urgência de fazer com que ela também seja edificada como uma 'cultura' que, ao contrapor-se ao ódio, favoreça relações mais fraternas e solidárias, compassivas e misericordiosas".
O comentário é de Eliseu Wisniewski, é mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul e professor na Faculdade Vicentina, em Curitiba.
Apresentar a ternura como um novo modo de anunciar a mensagem cristã numa sociedade tão dilacerada pelo ódio e pela vingança é a proposta da obra Ternura: uma abordagem ético-teológica (Paulus, 2023, 280 páginas), organizada por José Antonio Trasferetti e Ronaldo Zacharias, ambos doutores em Teologia Moral.
Imagem: Divulgação
A obra está dividida em três partes: 1) Por uma revolução da ternura num contexto de difusão do ódio (p. 7-91); 2) O agir da Trindade como paradigma decisivo da ternura (p. 93-187); 3) A virtude da ternura como práxis cristã na superação do ódio (p. 189-277). Cada parte é composta de três capítulos. Os três primeiros procuram mostrar o “quanto é urgente uma revolução da ternura num contexto de difusão do ódio” (p. 5). Em seguida, os autores “focam o olhar sobre o agir da Trindade como paradigma decisivo da ternura” (p. 5). Por fim, os últimos três capítulos “se concentram na virtude da ternura como práxis cristã na superação do ódio” (p. 5). Apresentamos, sinteticamente, o conteúdo essencial de cada uma das abordagens.
Na primeira reflexão – “A cultura do ódio” (p. 9-36) –, a doutora em Teologia Moral, Maria Inês de Castro Millen, aborda como o ódio se edifica culturalmente, identificando, num primeiro momento, as raízes do ódio e da sua alarmante disseminação nos dias de hoje (p. 11-27). Em seguida, reflete sobre as consequências de uma cultura do ódio, aproximando-nos da dor e do sofrimento das pessoas (p. 27-29) e, por fim, apresenta algumas alternativas viáveis a esse modo tão deletério de viver (p. 29-33).
O psicólogo clínico e doutor em Serviço Social, William Cesar Castilho Pereira, é o autor do segundo capítulo, intitulado “A cultura do ódio e a saúde mental” (p. 37-62). Chamando a atenção para as manifestações de ira (p. 38-45), considerando os motivos da ira (p. 45-51) e fazendo observações sobre a ira e a agressividade (p. 51-56), o referido autor amplia o diálogo sobre as manifestações dos comportamentos dos humanos, tanto no sentido da agressividade quanto da publicização de atos de ira ou cólera, enquanto erotização do ódio (p. 56-59). Para ele, a saúde mental das pessoas está intimamente ligada ao enfrentamento da erotização do ódio, e isso implica, além da educação para o manejo de atos de ira e agressividade, superação da publicização gratuita de tais atos.
No terceiro capítulo – “A sabedoria da ternura: por uma ética crística em tempos de discursos de ódio” (p. 63-91) –, o doutor em Filosofia e Teologia, Nilo Ribeiro Junior, fazendo uma inflexão pela literatura (p. 65-71) e insistindo na produção de sentido que subjaz à escritura e à literatura do texto através da leitura diacrítica (p. 75-89), motiva a importância de esboçar uma ética crístico-teológica que seja capaz de inspirar e mover o agir dos cristãos e levá-los a configurar sua vida com o Cristo, a ponto de tornarem-se eles mesmos ternos, compassivos, generosos, solícitos e misericordiosos.
Zuleica Aparecida Silvano, doutora em Teologia, com o capítulo “Deus Pai-Mãe no Antigo Testamento”, após analisar as ocorrências do termo pai-mãe e as atitudes consideradas maternais na Bíblia hebraica para se referir a Deus” (p. 95-121), convida-nos a nos relacionarmos com Deus não apenas como pai, mas também como mãe, com aquele-aquela que expressa um amor entranhado pela humanidade, que a acompanha com laços de ternura e de amor (p. 122-123).
No quinto capítulo – “Deus Filho como ternura encarnada” (p. 127-155) –, Victor Carmona, doutor em Teologia Moral, nos oferece um diálogo entre o Evangelho de Lucas e as experiências tidas por ele junto aos imigrantes refugiados que buscam asilo nos Estados Unidos, evidenciando a pessoa de Jesus como ternura encarnada (p. 138-141) e as ações ternas daqueles que o seguem como essenciais para se viver na esperança do Reino, ressaltando, por isso, que que a ternura encarnada por Jesus nos Evangelhos relativiza a sua família (p. 141-143), as autoridades religiosas (p. 144-145) e o Império Romano (p. 145-146) em vista do Reino de Deus (p. 147-152).
A doutora em Teologia, Solange Maria do Carmo, e o psicólogo e psicanalista Eduardo César Rodrigues Calil assinam o sexto capítulo, “Deus Espírito como delicadeza e leveza” (p. 157-187). Buscam na Sagrada Escritura as muitas imagens do Espírito (p. 159-169) para, em seguida, apresentar uma sistematização teológica do rosto do Espírito, a partir da noção de dom (p. 169-171). Num terceiro momento, trabalhando a noção de memória, assim como os conceitos psicanalíticos de negação e de foraclusão, abordam a questão do esquecimento do Espírito na Igreja ocidental (p. 171-179) e, por fim, recuperam a ternura como uma das feições do Espírito mais urgentes e necessárias para os dias de hoje, por tudo o que ela revela do modo de ser-agir de Deus (p. 179-186).
No sétimo capítulo, “A ternura como opção e estilo de vida” (p. 191-214), o doutor em Teologia Moral, José Antonio Trasferetti, apresenta a ternura como opção fundamental (p. 193- 199) que se manifesta num estilo de vida que privilegia os últimos da sociedade, leva a amar como ama a Trindade e combate toda espécie de iniquidade (p. 199-210).
Ronaldo Zacharias, doutor em Teologia Moral, é o autor da oitava reflexão, “A ternura no processo de acolhida, acompanhamento, discernimento e integração” (p. 215-250). Aprofundado o papel da ternura em encontros que pretendam ser verdadeiramente evangélicos (p. 218-221), o autor apresenta o significado da ternura no processo de acolhida (p. 221-225), acompanhamento, (p. 225-231) discernimento (p. 231-236) e integração dos fiéis na comunidade de fé, sobretudo daqueles que sofrem preconceito e exclusão moral, como os divorciados recasados (p. 236-241).
Por fim, a nona reflexão – “A ternura como amor e cuidado da Casa Comum” (p. 251-277) –, escrita pela mestra em Teologia, María Silvina Astigueta, aborda a ternura como um comportamento virtuoso que incorpora amor e cuidado com a Casa Comum (ecoternura). A autora inicia sua reflexão aprofundando a noção de Casa Comum para descobrir como a ética está associada à realidade da construção de uma casa entendida como espaço-tarefa-missão (p. 252-260). Em seguida, após abordar a noção de Casa de Ternura como estilo próprio da Casa Comum, comportamento apropriado para concretizá-la e espaço de contenção e experiência de ecoternura (p. 260-269), ela conclui chamando a atenção para a urgência do exercício da ecoternura desde uma ecologia integral (p. 269-273).
As reflexões dessa obra têm a missão de colher todo o significado da ternura e ao mesmo tempo mostrar a urgência de fazer com que ela também seja edificada como uma “cultura” que, ao contrapor-se ao ódio, favoreça relações mais fraternas e solidárias, compassivas e misericordiosas. Certamente os horizontes dos leitores se expandirão com o auxílio dessa obra tão bem preparada e os levará a redescobrir a importância da ternura tanto para a compreensão de Deus quanto para a qualidade das relações humanas. Optar pela ternura como modo de ser e de viver: eis um dos mais atuais desafios!