27 Setembro 2023
"As narrativas de Origem em Gênesis 2 - 3 trazem a revelação divina e sua livre iniciativa por meio da reflexão e da meditação do ser humano que lê a própria história à luz da sua fé. Devemos confrontar estas narrativas com uma vasta consonância cultural e existencial com os problemas e as ideias dos povos circundantes. Sob a capa de narrativas mitológicas, o autor javista introduz a própria experiência, histórico-religiosa: a fé no Deus UM, que salva o seu povo da escravidão, porque ela é fruto da ruptura da aliança com Javé", escreve Gilvander Moreira.
Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas, doutor em Educação pela FAE/UFMG, licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália, agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas e professor de Teologia bíblica no Serviço de Animação Bíblica (SAB), em Belo Horizonte.
A revelação de Deus, mistério de infinito amor, invocado sob muitos nomes, se dá gradualmente e não nasce do nada, mas da sua iniciativa gratuita, atuando na realidade em que vive seus povos. Deus realizou muitos sinais em favor dos povos escravizados no Egito sob as agruras do imperialismo dos faraós, na experiência do Êxodo e, que precedem ao conhecimento de Deus, pois, Deus se revela agindo nas entranhas da história. Os povos da Bíblia entenderam que não só os acontecimentos do Êxodo são reveladores da presença amorosa de Deus, mas também o chamado do universo à vida, o chamado de Abraão, de Moisés, a libertação do Egito, a revelação no Sinai e a promulgação da lei, bem como a história bíblica na sua totalidade. No centro do credo histórico de Israel em Dt 26,5-10 encontra-se o evento do êxodo, quando o povo percebe que as ações de Deus não podem ser reduzidas a causas históricas dos protagonistas humanos. Eles são a maravilhosa ação de Deus na história do povo de Israel.
A experiência do êxodo foi a mais marcante que ficou na memória dos povos da Bíblia ao longo de toda a sua história, e ela retorna em épocas diferentes retomando os diferentes fatos que se sucederam nela: “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouviu seu grito por causa dos opressores; pois, eu conheço sua tribulação. Por isso desci a fim de libertá-los da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir desta terra para uma terra boa e vasta, terra que mana leite e mel, o lugar dos cananeus, dos heteus, dos amorreus, dos ferezeus, dos heveus e dos jebuseus” (Ex 3,7-8).
Ao fazer memória desses eventos e meditando sobre eles, os povos descobrem os atributos de Deus e o estilo da sua ação, como no Salmo 136,10-15. Esta é a chave de leitura que os povos encontraram para reler os acontecimentos antes e depois deste evento central. Estes são percebidos como ponto de partida, modelo e promessa para as futuras ações de Deus . Desde a criação, na experiência do êxodo e em toda a história dos povos de Israel, Deus, nela revela-se providência e misericórdia.
O povo tem consciência que a iniciativa da revelação de Deus é livre e gratuita, como testemunha igualmente o texto de Deuteronômio 4, 32-34: “Interroga, pois, os tempos passados, que te precederam, desde o dia em que Deus criou o homem e a mulher sobre a terra: de uma ponta do céu até a outra, existiu já uma coisa tão grande como esta? Ouviu-se algo de semelhante? Existe um povo que tenha ouvido a voz do Deus vivo falando do meio do fogo, como tu a ouviste, e que tenha permanecido vivo? Ou um deus que tenha vindo para tomar para si uma nação, com provas, sinais, prodígios e combates, com mão forte e braço estendido, por meio de grandes terrores, como tudo o que o vosso Deus realizou no Egito, em vosso favor aos vossos olhos?” (Dt 4,33-34).
A libertação da escravidão do Egito é um fato histórico e não uma verdade abstrata, por isso, ele torna-se Senhor da história. Um dos traços essenciais da revelação é a presença do mediador. Deus age em favor de todos os povos de Israel, e envolve todos os povos, passando pela mediação de Moisés. Ele é o enviado de Deus ao povo (Ex 3,14). Deus o acompanha com a sua presença e o poder dos seus “sinais”, garantindo a origem divina das palavras que profere ao povo (Ex 3,12; 4,5).
Deus se revela pela sua ação na história para tornar-se conhecido, como o fez contra os egípcios que oprimiam o seu povo, “para que saibais que eu sou o Senhor” (Ex 10,2) . Ainda mais explícito está em Ex 8,6: “Seja conforme a tua palavra, para que saibais que não há ninguém como o Senhor nosso Deus” . Javé, Deus solidário e libertador, se revela em busca de diálogo com o ser humano, mesmo que continue sendo um mistério inacessível aos humanos, ainda que as Escrituras falem que Deus falava com Moisés face a face, como um ser humano fala com outro, sem mostrar o seu rosto (Ex 33,11).
De fato, Deus não revela a Moisés o seu rosto, pois na concepção antiga, o rosto, representa o aspecto mais profundo da personalidade. Em Deus, revela o esplendor que circunda a sua presença, a bondade e a misericórdia que acompanham as suas ações (Ex 34,6), ainda que não seja a plenitude do seu ser. Deus age na história para salvar o seu povo, como o salvou das garras do faraó, tornou-se o aliado fiel, no qual ele encontra apoio, vida e segurança. Deus manifesta a Israel a sua lei, as exigências da nova aliança, e o caminho a ser percorrido na senda do Decálogo, as “dez palavras”, ou seja, os dez mandamentos, para ser-lhe fiel (Ex 34,28). Mas esta salvação não foi plenamente cumprida e aparece como promessa nas palavras dos profetas.
As narrativas de Origem em Gênesis 2 - 3 trazem a revelação divina e sua livre iniciativa por meio da reflexão e da meditação do ser humano que lê a própria história à luz da sua fé. Devemos confrontar estas narrativas com uma vasta consonância cultural e existencial com os problemas e as ideias dos povos circundantes. Sob a capa de narrativas mitológicas, o autor javista introduz a própria experiência, histórico-religiosa: a fé no Deus UM, que salva o seu povo da escravidão, porque ela é fruto da ruptura da aliança com Javé.
No profetismo a revelação é entendida como palavra. Palavra de condenação ou de salvação. Uma Palavra que lê os desígnios de Deus no presente e desvela os seus planos para o destino futuro dos povos de Deus. Esta Palavra que vigia sobre cada decadência que o povo vive na experiência religiosa, criticando as falsas interpretações da revelação e dos falsos mediadores. Cada profeta ou profetisa faz a experiência do chamado de Deus à vocação profética. Não se trata, portanto, de uma escolha pessoal, antes, muitos relutam para aceitar o chamado a uma missão libertadora que exige compromisso e implica em correr riscos. A Palavra que os profetas e profetisas anunciam é de Deus e não deles/delas. Os profetas e profetisas falam em nome de Deus aos povos.
O profeta é o enviado de Deus e faz a leitura dos fatos no momento em que os vive à luz da aliança com Deus, e não tem medo de afirmar: “Palavra do Senhor”; “O Senhor disse”; “O Senhor me fez ver”. Não resta dúvida que se trata de uma experiência religiosa profunda, um encontro pessoal com Deus, porque vive em sintonia com ele e o bem do seu povo, e percebe quando há injustiça, exploração do pobre, não tem medo de denunciar. O profeta ou profetisa é inspirado/a por Deus e busca ser fiel ao seu projeto, mesmo que isto custe a própria vida, no martírio.
1 – Agir ético na Carta aos Efésios: Mês da Bíblia de 2023. Por frei Gilvander (Cinco vídeos reunidos)
2 - Andar no amor na Casa Comum: Carta aos Efésios segundo a biblista Elsa Tamez e CEBI-MG - Set/2022
3 - Toda a Criação respira Deus: Carta aos Efésios segundo o biblista NÉSTOR MIGUEZ e CEBI-MG, set 2022
4 - Chaves de leitura da Carta aos Efésios, segundo o biblista PEDRO LIMA VASCONCELOS e CEBI/MG –Set./22
5 - Estudo: Carta aos Efésios. Professor Francisco Orofino
6 - Carta aos Efésios: Agir ético faz a diferença! - Por frei Gilvander - Mês da Bíblia/2023 -02/07/2023
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Deus se revela nas entranhas da história. Artigo de Gilvander Moreira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU