09 Junho 2023
"Se nos referirmos ao exército, que até agora teve um caráter unicamente militar, é necessário supor, ao lado do treinamento no uso de armas, um processo de formação que treine para o uso de técnicas não violentas, ampliando o campo das competências já adquiridas no exercício de uma série de atividades civis, aliás muitas vezes já praticadas, por ocasião de determinadas catástrofes naturais como terremotos, enchentes (e outras)".
A entrevista com Giannino Piana, teólogo, ex-professor das universidades de Urbino e de Turim, na Itália, e ex-presidente da Associação Italiana dos Teólogos Moralistas, é publicada por Esodo, 02-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Pode-se pensar no exército assumindo formas de ação não violenta? Não é justamente da sua natureza o uso da violência por meio de armas? E não é esta a razão do reconhecimento da objeção de consciência?
A resposta a esses questionamentos não é fácil. É verdade, entretanto, que o exército desde sempre foi concebido como uma instituição que tem em seu DNA o recurso à violência por meio do uso de armas. Mas é igualmente verdade que o ministério a que pertence tem simplesmente o título de ministério da defesa, e não de defesa armada. Ora, se é possível - como nos recordou Gandhi com o seu testemunho pessoal - intervir nos conflitos de forma não violenta, isto é, se houver a possibilidade de uma defesa não violenta, que não implica passividade ou inação, mas é feita por intervenções fundadas na suposição de técnicas bem definidas, por que não o tomar em consideração? Pode-se até dizer: mas por que recorrer para isso justamente ao exército?
A razão fundamental é que a defesa não violenta necessita, além de um amplo consenso popular resultante de uma educação das consciências, de uma estrutura adequada, composta por sujeitos que adquiram a devida competência, aprendendo as técnicas e sabendo como implementá-las de forma eficaz.
Se nos referirmos ao exército, que até agora teve um caráter unicamente militar, é necessário supor, ao lado do treinamento no uso de armas, um processo de formação que treine para o uso de técnicas não violentas, ampliando o campo das competências já adquiridas no exercício de uma série de atividades civis, aliás muitas vezes já praticadas, por ocasião de determinadas catástrofes naturais como terremotos, enchentes (e outras), e que recentemente demonstraram a sua grande utilidade no enfrentamento dos problemas postos pela pandemia de Covid-19 (basta recordar aqui a contribuição do General Figliuolo).
Além disso, isso contribuiria também para reduzir tendências rigidamente militaristas e belicistas, ainda persistentes em amplos setores dos componentes do exército, adotando comportamentos que já agora pertencem a muitos militares esclarecidos, que consideram ir para o campo como último recurso. Por isso, a objeção de consciência não deveria ser descartada: só pode ser reafirmado o respeito pela consciência daqueles que, por razões éticas e/ou religiosas, se recusam a treinar o uso de armas, e a manutenção da objeção, longe de ser um sinal de fraqueza, é um sinal de força do estado.
Para alcançar o resultado desejado, ou seja, a preparação do exército para o exercício da defesa não violenta que tipo de formação seria necessário?
Já mencionamos a necessidade de conhecimento das técnicas de não-violência, nas quais um papel central ocupa a resistência civil, composta também por ações de distração, que podem em alguns casos comportar até mesmo alguma forma (sempre circunscrita e temporária) de violência contra as coisas. A não-violência não implica o não uso da força, que às vezes se torna necessária para enfrentar com sucesso situações de outra forma insuperáveis.
Mas isso não basta. Para além da aprendizagem das técnicas, é essencial a inclusão no processo formativo da apresentação de uma visão humanística da vida, visão cuja aquisição exige uma aproximação às ciências humanas e ao patrimônio do pensamento e da tradição clássica; patrimônio que permite introjetar nas consciências valores, primeiro entre eles o da paz, sobre os quais se deve fundar a ação humana.
Desse ponto de vista, a formação religiosa reveste-se de particular importância para aquele que crê, que certamente não pode ser ministrada pelos capelães militares, que são parte integrante, para todos os efeitos, do exército, fazendo nele carreira com a progressiva assunção dos vários graus militares, até o de general (este é o título do ordinário militar).
Tratar-se-ia de desmantelar tal aparato, que nada tem de cristão, pela prestação por parte das dioceses onde se situam os quartéis de uma assistência espiritual, confiada a um sacerdote local considerado apto para o exercício temporário dessa função (o capelão militar é uma profissão para toda a vida!), que se preocupe não apenas em oferecer serviços – por exemplo, a celebração eucarística dominical – mas também em realizar uma catequese testemunhal, que contribua para alimentar a fé e torná-la transparente nas escolhas de vida. As dificuldades objetivas encontradas nisso não devem desencorajar e muito menos levar ao abandono da ideia.
Reduzindo muito o serviço militar em sentido estrito e abrindo-se à prática da defesa não violenta não se corre o risco de colocar em crise a indústria da fabricação de armas com graves consequências para um número significativo de trabalhadores?
O risco, sem dúvida, existe. Mas deve ser enfrentado promovendo, ainda que gradualmente, formas de reconversão da produção que garantam a manutenção dos postos de trabalho e contribuam para colocar no mercado produtos mais úteis e destinados a satisfazer as necessidades reais da população, a começar pelas camadas mais pobres.
O atual aumento constante no orçamento de Estado do percentual destinado às despesas militares e a extensão cada vez maior do comércio das armas - a Itália é, nesse aspecto, um dos países com maior percentual - constituem um escândalo gravíssimo, indigno de um país civilizado!
Uma última pergunta, colateral ao que foi dito até agora: o que acha das propostas apresentadas por homens do atual governo para treinar estudantes ao uso de armas participando de tiro ao alvo ou fazendo um estágio no exército?
Acho ambas as propostas aberrantes. Espero que prevaleça o bom senso e que não sejam implementadas.