25 Mai 2023
"O que podemos esperar das sociedades brasileiras e das nossas universidades na formação da cultura?".
O artigo é de Daner Hornich, licenciado, mestre e doutor em Filosofia (PUC-SP), realizando estágio em Pós-Doutorado no Programa de Pós Graduação em Filosofia da PUC-SP, e Fabio Camilo Biscalchin, licenciado em Filosofia, mestre em Educação (UNIMEP) e doutorando em Ciências da Educação pela Università Pontificia Salesiana de Roma (UPS).
Eis o artigo.
O ensino universitário é a base para formação da atividade da docência nos diversos níveis, etapas, do processo educativo. A universidade torna-se, então, lugar por excelência da cultura educacional, isto é, da criação e do cultivo do nosso modo de pensar, ser, conhecer, agir, conduzir e produzir as coisas individualmente e coletivamente, elaborando ou produzindo instrumentos, artefatos e tecnologia para o mundo e a sociedade em que vivemos.
A cultura educacional, neste sentido, deveria ser um projeto da sociedade que queremos, um projeto que respeite a diversidade das particularidades e das regionalidades de cada cultura, sem perder de vista a universalidade do entendimento humano na sua atividade do Espírito (razão) de conhecer o “mundo da vida”, e, ao mesmo tempo, a “arte de viver” no mundo com inteligência, sensibilidade e arte.
Neste contexto atual, a cultura educacional necessária para a diversidade das “sociedades brasileiras” deveria ser fundamentada no “pensamento das luzes”, isto é, no pensamento pautado na racionalidade e nos sentidos que se movem no âmbito do exercício do conhecimento crítico, contrário ao autoritarismo, ao dogmatismo e ao uso arbitrário do poder.
Diante disso, parece ser indiscutível pensar o Estado, a sociedade, a universidade, a escola, e, outras instâncias da vida social, como promotores de uma cultura crítica e de um pensamento alargado, que ofereçam as condições necessárias, inclusive econômicas, para o desenvolvimento humano das pessoas para assim criar, por exemplo, um novo modo de fazer economia que não promova a “eterna exploração” por uma minoria, mas que num processo de aprendizagem saiba promover uma cultura da solidariedade e da dignidade humana.
Essa proposta de cultura educacional é fundada nos ideais iluministas. Sua máxima é a afirmação de Kant que nos convida à “coragem em se servir do próprio entendimento sem a orientação de outrem. Sapere aude! Tem coragem de te servir do teu próprio entendimento!” (KANT, Resposta à pergunta: Que é o Iluminismo? 1784, A 481). Isso pressupõe que cada pessoa, no desenvolvimento do processo educacional, seja preparado e educado para a sensibilidade, para a arte, para a imaginação, para o pensar, para o julgar e para o uso público da razão e dos “testes do exame livre e aberto” (ARENDT, Lições sobre a filosofia política de Kant, 1993, p. 53) em qualquer domínio do conhecimento humano, que proporciona a cada um de nós a capacidade de chegar por si mesmo ao entendimento, e, ao mesmo tempo, à compreensão de que o uso da razão “não foi feita para ‘isolar-se a si própria, mas para entrar em comunhão com os outros’.” (KANT. In. ARENDT, Lições sobre a filosofia política de Kant, 1993, 53).
O pensamento de Kant é atualíssimo; ele pode, simultaneamente, auxiliar-nos a pensar o tipo de sociedade e de universidade vigentes, bem como transformá-las num espaço de formação da cultura educacional que perpassa a vocação da humanidade de “comunicar e exprimir o que se pensa, especialmente em assuntos que dizem respeito ao homem enquanto tal” (ARENDT, 1993, Lições sobre a filosofia política de Kant, 53).
Neste bojo, o que podemos esperar das “sociedades brasileiras” e das nossas universidades na formação da cultura? Essa pergunta é central uma vez que, ao que tudo indica, nesse momento, as universidades e a sociedade como um todo estão mergulhadas nas sombras da negação do esclarecimento e do conhecimento ilustrado, com mentiras organizadas pelas redes sociais e processos ideológicos que ampliam a ignorância da população pelos algoritmos.
Tal conjuntura fomenta inquietação ao se reconhecer que a universidade, que deveria ser o local por excelência da “produção do conhecimento crítico” e do espaço para pensamento crítico, livre e aberto ao exame, ao longo dos últimos anos, vem perdendo espaço para a visão tosca dos tutores do “mercado” e da sua menoridade cômoda e covarde.
Na verdade, entende-se que a atividade universitária não pode ser reduzida ao mantra e a retórica falaciosa neoliberal do empreendedorismo, do protagonismo, da inovação (palavra mágica que desassociada do investimento em pesquisa não se realiza), do coaching e das aulas invertidas (metodologias ativas).
Juntamente, ainda no que concerne às referidas metodologias ativas, uma pergunta se faz latente aos “alucinados” e semelhantes que percorrem os corredores da universidade sem ter ideia da finalidade de sua função social e que apenas reforçam a retórica antiacadêmica e o não tratamento rigoroso das condições de produção do conhecimento científico, técnico, humano e artístico: qual é o estatuto ontológico e epistemológico das mesmas?
Por todo o exposto, pressupor a universidade como espaço de formação por excelência da cultura educacional é pensar a universidade como espaço de conexão entre os saberes e a produção do conhecimento científico, técnico, humano e artístico, livre das amarras do mercado e pleno das condições que promovem os processos de humanização e socialização da vida inteligente e soberana para a população.
Leia mais
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- A colaboração de Jesuítas, leigos e leigas nas Universidades confiadas à Companhia de Jesus: o diálogo entre humanismo evangélico e humanismo tecnocientífico. Artigo Adolfo Nicolás. Cadernos IHU ideias, Nº. 196
- Os arranjos colaborativos e complementares de ensino, pesquisa e extensão na educação superior brasileira e sua contribuição para um projeto de sociedade sustentável no Brasil. Artigo de Marcelo F. de Aquino. Cadernos IHU ideias, Nº. 187
- A identidade e a missão de uma universidade católica na atualidade Artigo Stefano Zamagni. Cadernos IHU ideias, Nº. 185
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