15 Abril 2023
"Se é verdade que a fé não é suficiente para fazer uma boa pregação e a retórica comunicativa não basta para converter as pessoas, deve-se afirmar com igual força que a pregação eficaz vai além desses dois aspectos. Nenhum aplicativo, nenhum modelo de Inteligência Artificial (IA) jamais será capaz de gerar uma pregação eficaz, pois não tem vida dentro de si, nem pode gerá-la", escreve Roberto Mauri [1], psicólogo e psicoterapeuta, pertence à equipe do Centro de Estudos da Missione Emmaus [2], em artigo publicado por Settimana News, 12-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Não é dito que crer em Deus seja condição indispensável para fazer uma boa homilia. Da mesma forma, ter fé nem sempre é suficiente para um sermão bem feito..., como talvez muitos de nós já tenhamos experimentado, não sem perplexidade ou decepção. Sabemos bem que, sobretudo nestes tempos, a qualidade da pregação é o que em muitos casos faz a diferença, para o bem ou para o mal: para muitos fiéis é inclusive um fator chave para tornar as celebrações litúrgicas atrativas e motivá-los a frequentar a paróquia.
Entre outras coisas, também o confirma o Documento Final do último Sínodo sobre os jovens: a "falta de cuidado na preparação da homilia e na apresentação da Palavra de Deus" é uma das razões que explicam por que "um grande número de jovens não pede mais nada à Igreja”, considerando-a não significativa para a sua existência” (n. 53).
Talvez tenham sido pensamentos e reflexões desse tipo que levaram um padre húngaro a buscar a ajuda do ChatGPT, um novo e poderoso aplicativo que compõe textos com base em algumas instruções simples do usuário. Conforme relatado pelas agências de notícias, há algumas semanas um padre de uma pequena cidade às margens do Danúbio confiou a redação da homilia à inteligência artificial.
Entrevistado a esse respeito, o padre candidamente relatou que havia dito ao pc: “Sou um padre, gostaria de falar sobre assuntos de fé, você pode me ajudar a preparar o meu sermão de domingo? ”. Dito e feito. Foi o suficiente pressionar enter e a homilia apareceu sem problemas. O pároco então a propôs aos fiéis, muitos dos quais, ao que parece, não sabiam de onde vinha. O texto, intitulado Mensagem do nosso Irmão Máquina foi posteriormente postado no site da paróquia.
É provável que a notícia seja confiável, mesmo que não se possa excluir que tenha sido inventada (talvez pelo próprio aplicativo) com o objetivo de evidenciar não tanto as carências homiléticas do clero, mas, sobretudo, destacar as potencialidades do programa ChatGPT: uma ação promocional, enfim, explorando a curiosidade do acontecido.
No entanto, o que fica para nós parece claro, tranquilizador e desconcertante ao mesmo tempo: qualquer um pode ser o intermediário da mensagem de Deus, mesmo um ídolo moderno como são os aplicativos. Nada de original - poder-se-ia ainda acrescentar -, pois sempre existiram os manuais e "apostilas" com sermões já prontos ou montados e o aplicativo é apenas a versão mais recente e mais poderosa deles.
Não é por acaso que alguns fiéis, tendo ouvido o sermão "artificial", expressaram dúvidas e perplexidades: "Este sermão não diferia tanto de muitos outros textos, proferidos na rotina de muitos padres, onde palavras e ideias soam vazias”, declararam.
O que significam hoje termos como "graça", "redenção", "pecado", "salvação" não é mais evidente por si só: tais palavras perderam sua inteligibilidade. O desafio de falar de Deus hoje passa necessariamente pelo confronto com as experiências e as interpretações das pessoas: trata-se de ativar uma pregação generativa, ou melhor, uma pregação que gera.
Se é verdade que a fé não é suficiente para fazer uma boa pregação e a retórica comunicativa não basta para converter as pessoas, deve-se afirmar com igual força que a pregação eficaz vai além desses dois aspectos. Nenhum aplicativo, nenhum modelo de Inteligência Artificial (IA) jamais será capaz de gerar uma pregação eficaz, pois não tem vida dentro de si, nem pode gerá-la.
Nisso, em última análise, até mesmo os aplicativos da I.A. não parecem ter nada diferente do que está bem expresso no Salmo sobre os ídolos:
"Têm boca, mas não falam; olhos têm, mas não veem.
Têm ouvidos, mas não ouvem; narizes têm, mas não cheiram.
Têm mãos, mas não apalpam; pés têm, mas não andam; nem som algum sai da sua garganta. A eles se tornem semelhantes os que os fazem, assim como todos os que neles confiam" (Salmo 115).
A pregação, ao contrário, é eficaz quando nela flui a vida, a de Deus, mas sobretudo a vida dos homens, e o encontro/diálogo salvífico que, assim, se realiza na liberdade. “Trata-se de despertar a vida através da pregação, não só a vida cristã ou mesmo espiritual, mas a vida em todas as suas dimensões, física, psíquica, intelectual e afetiva. É principalmente e sobretudo acolher a vida em seus aspectos mais elementares, naquilo que é necessário todos os dias para existir, sobretudo de maneira digna do homem" (P. Bacq).
O que realmente torna a pregação um anúncio de salvação é a sua capacidade de interceptar a vida das pessoas presentes e reais, de fazê-la ressoar com a Palavra de vida capaz de transformá-la.
A pregação eficaz é a comunicação de uma história de salvação na qual estão envolvidos vários protagonistas: Jesus Cristo e a história de fé que suscitou nos seus primeiros discípulos, a vida e o testemunho do pregador e, não menos importante, a vida e as experiências de quem escuta, os destinatários.
Na pregação não se trata de realçar a glória e o poder de Deus - aspectos de que Deus não necessita - mas de relacionar Deus com a vida das suas criaturas, para que se sintam acolhidas, amadas e salvas: é isso que realmente importa. Deus não se preocupa em “se exibir”, “se autocelebrar”, mas em estar próximo ao homem.
A pregação vital (que dá vida e esperança) é, portanto, uma forma especial de hospitalidade: o pregador é o primeiro a se colocar em jogo, não "explica", mas conta, convida e acolhe no seu mundo aqueles a quem a pregação é dirigida e se faz acolher por aquele dos interlocutores. Dessa forma, os destinatários são postos em condições de tornar esse conto-pregação uma mensagem significativa para eles mesmos, nas suas vidas.
Neste sentido, a pregação eficaz é um processo de "encarnação", no qual o mais importante não é a Palavra de Deus, mas a vida das pessoas iluminadas pela Palavra de Deus.
Como afirma o teólogo C. Theobald, “não existe nenhum anúncio do Evangelho de Deus sem o envolvimento dos destinatários. O assunto do anúncio já está à obra nos destinatários, de modo que ele ou ela pode aceitá-lo em liberdade”.
A primeira tarefa da pregação não é uma tarefa de "treinamento motivacional" (você vai conseguir) e nem mesmo de caráter educativo (seu empenho será recompensado), mas a de encorajar a ver os riscos da vida como tal e, neles, não perder a fé.
Não se trata de falar de coragem, mas de incutir coragem, não se trata de falar de esperança, mas de despertar a esperança, não se trata de filosofar sobre a consolação, mas de consolar. Essa é a dimensão mais importante da pregação e da tarefa do pregador: oferecer o remédio, não palestras sobre o remédio.
Por isso, mais do que o recurso a aplicativos prodigiosos, é mais eficaz adotar um modelo que se centre na competência narrativa da pregação, para criar as condições de uma pregação vital e geradora: a Boa Nova de um Deus que ama e salva o homem requer uma boa narração, capaz de colocar a relação o Deus-homem no centro. A narração, de fato, penetra na vida do interlocutor de forma integral (razão, emoção, experiência), alimenta o acolhimento, abre para a mudança, compartilha um percurso de conversão.
O modelo narrativo vai além da integração entre fé e vida: mostra que fé é vida e que toda vida tem questões de fé, retomando o estilo comunicativo presente no Evangelho feito de histórias, parábolas, exemplos, imagens, estímulos que surpreendem.
O objetivo final é construir uma relação positiva com os ouvintes, empaticamente cheia de autoridade, capaz de promover envolvimento e abertura. Para isso, é necessário adotar um estilo que saiba imediatamente envolver, suscitar perguntas, solicitar o discernimento e orientar a tomada de boas decisões de acordo com o que realmente interpela os presentes.
Não se trata simplesmente de tornar a pregação menos enfadonha e mais cativante, sedutora, persuasiva, recorrendo talvez ao recurso de efeitos especiais mais ou menos tecnológicos. Trata-se, sim, de se tornar próximo do interlocutor, abrir espaço para ele, sintonizar-se com a sua vida, com as suas necessidades, desejos, acolhê-lo e hospedá-lo... para que, por sua vez, releia e narre a sua vida à luz da Palavra, decida-se e "ele próprio faça também o mesmo".
Sem medo: a aposta em jogo vale o esforço, incluindo algumas dificuldades e erros benéficos. Vamos nos por serenamente à prova: os primeiros a ir ao vosso encontro e ajudar nesse esforço e desafio de renovação pastoral e ministerial serão justamente os destinatários, e em particular os jovens, que reconhecerão nisso a sua linguagem, acompanhando-vos a expressá-la cada vez melhor. Mas sobretudo - como nos recorda Santo Agostinho - poderemos viver a pregação na dimensão da alegria e da felicidade.
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[2] Site disponível aqui.