Ucrânia-Ortodoxia: uma fusão a frio? Artigo de Lorenzo Prezzi

Kirill (Foto: patriarchia.ru)

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21 Dezembro 2022

"Uma operação semelhante, uma fusão a frio entre as Igrejas, é difícil de conseguir pelas forças políticas e ameaça não apenas legitimar a resistência, mas também dar novo fôlego à confusa pretensão dos políticos russos e do Patriarca Kirill de reconhecer para a operação militar a pretensão da defesa do bem e da autêntica Ortodoxia contra o Ocidente imoral", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 19-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Já escrevi sobre a pertinência e ambiguidade das "atenções" da política de guerra em relação à Igreja pró-Rússia da Ucrânia, ou melhor, não autocéfala (cf. aqui na SettimanaNews).

O Metropolita Onufrio mencionou os processos de culpabilização em seu relatório anual no sínodo em 14 de dezembro. Sua Igreja está enfrentando dois grandes desafios. O primeiro é a guerra de invasão da Rússia que levou "à terra da Ucrânia e à diocese de Kiev a morte de pessoas, a destruição de igrejas, ataques de mísseis e falta de luz, calor e água". O segundo é representado pelos ataques políticos à Igreja não autocéfala com o consequente perigo para a sua sobrevivência e a “pureza da fé ortodoxa”.

O metropolita recorda a condenação da agressão russa desde o primeiro dia da guerra, a decisão do conselho de modificar os estatutos (27 de maio) para a plena independência do patriarcado de Moscou e sua renúncia a ser membro do sínodo da Igreja russa.

E novamente o reiterado pedido de conversações para a paz e a abertura ao diálogo com a Igreja autocéfala com a única condição de congelar a passagem das comunidades paroquiais à obediência desta última. Finalmente, em 23 de novembro, a decisão de consagrar o sagrado crisma em Kiev sem esperá-lo de Moscou. Lembra as exigentes ajudas ao exército ucraniano e aos deslocados.

Apesar de todas as pressões, o clero da diocese de Kiev aumentou. São 848 clérigos, 22 mosteiros e as paróquias que passaram à Igreja autocéfala em todo o território nacional são algumas dezenas das cerca de 10.000 inscritas. O porta-voz da Igreja, o bispo Kliment, sublinhou que em todas as incursões dos serviços de segurança a igrejas e mosteiros não foram encontradas armas nem grupos subversivos.

Há 33 processos criminais contra igual número de padres e a lista de hierarcas atingidos pelas sanções é cada vez maior. Na frente oposta, o bispo autocéfalo Yevstratiy aponta que os novos estatutos da Igreja não autocéfala ainda não são públicos e que um país em guerra tem o direito de cortar as raízes de qualquer forma de colaboracionismo.

14 hierarcas e 33 padres na mira

As intervenções dos serviços de segurança em instituições da Igreja não autocéfala são mais de 300 e o material apreendido (livros, documentos, passaportes, registros, símbolos de partidos da oposição postos fora da lei) apresenta um preocupante colateralismo com as forças de ocupação.

Houve padres que censuraram a decisão da Igreja autocéfala de celebrar o Natal em 25 de dezembro (e não em 6 de janeiro) como uma operação satânica. Até meados de dezembro, 14 bispos e três proeminentes eclesiásticos foram alvo de medidas punitivas com o congelamento de bens, bloqueio de transações financeiras e apreensão de passaportes.

Alguns deles estiveram presentes no ato solene de incorporação à Rússia dos territórios ocupados do Donbass, outros fugiram para a Rússia, outros facilitaram de alguma forma as tropas de invasão. Um dos censurados, o metropolita Lucas de Zaporojie, atribuiu as medidas restritivas à falta de bom senso e à violação da Constituição e dos direitos humanos. O bispo Nicholas de Kirovograd protestou contra o projeto de lei regional para proibir todas as atividades da Igreja pró-russa.

Fim da autoridade independente

Um outro elemento de reflexão é motivado pela remoção de Olena Bogdan da autoridade independente para a etnopolítica e a liberdade de consciência. O governo assumiu para si esses poderes.

Bogdan havia conseguido convocar uma assembleia do clero das duas Igrejas Ortodoxas (5 de julho) para um confronto direto. Sua opinião sobre a independência da Igreja não autocéfala de Moscou havia sido positiva. Do ponto de vista organizacional, dever-se-ia notar que tanto a nomeação dos bispos quanto a escolha do metropolita e a autonomia em relação ao conselho dos bispos russos eram garantidas.

Um vínculo canônico com Moscou permanecia, mas Bogdan ressaltava que isso permitia que a Igreja não autocéfala permanecesse em comunhão com todas as Igrejas da Ortodoxia, sem cair em um estado de isolamento total. "Até o momento, não tenho motivos para pensar que haja uma dependência (de Moscou)".

Rumo à unidade, mas como?

O persistente e furioso ataque russo com bombardeio de estruturas civis e a convocação de reservistas russos para uma nova tentativa de invasão do estado independente da Ucrânia motiva a pressão do governo para remover as atividades religiosas que não garantem a lealdade ao estado.

Zelensky promoveu uma verificação dos fundamentos legais da gestão de igrejas e mosteiros ligados à Igreja pró-russa e rapidamente propôs uma legislação eclesiástica que sirva de barreira a qualquer atividade russófila, com a previsível intenção de canalizar os fiéis para a Igreja autocéfala.

Uma operação semelhante, uma fusão a frio entre as Igrejas, é difícil de conseguir pelas forças políticas e ameaça não apenas legitimar a resistência, mas também dar novo fôlego à confusa pretensão dos políticos russos e do Patriarca Kirill de reconhecer para a operação militar a pretensão da defesa do bem e da autêntica Ortodoxia contra o Ocidente imoral.

A outra forma (ver aqui na SettimanaNews) seria apoiar o verdadeiro impulso para a unificação já em curso, instrumentalmente intuído pelo idoso “patriarca” Filarete e com maior inteligência pelo centro de estudos Cemes em Tessalônica (Grécia).

A proposta mais criativa seria a da Igreja greco-católica: um único patriarcado no qual poderiam convergir todas as Igrejas ortodoxas locais e a Igreja greco-católica. O único patriarca deveria estar em comunhão com Roma, distanciando-se do exercício monárquico do primado, deixando às Igrejas Ortodoxas a manutenção recíproca das referências canônicas e espirituais.

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