Argumento de Francisco sobre a ordenação de mulheres “tem seu valor... e seus limites”

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07 Dezembro 2022

“Por outro lado, se, em nome de um princípio petrino essencialmente masculino, as mulheres devem ser excluídas do ministério ordenado, não podemos deixar de nos perguntar o que devem fazer os homens numa Igreja regida pelo princípio mariano, que é essencialmente feminino. Eles têm um lugar? Ou eles não têm um lugar nela? Não são como 'cidadãos' de segunda classe, menos capazes, por natureza, de refletir o que é a Igreja – 'esposa e mãe', disponível e receptiva? Certamente não é disso que o papa está falando, mas podemos ver como as categorizações podem ser problemáticas”, escreve o teólogo francês Jean-François Chiron, professor de Teologia no Instituto Católico de Lyon, em artigo publicado por La Croix International, 05-12-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

Eis o artigo.

Em entrevista recente, que não tem peso magistral, o Papa Francisco opinou sobre a permissão de mulheres como padres na Igreja Católica. Ele não é a favor disso. Só os ingênuos ficariam surpresos. O que é importante aqui é o raciocínio do papa para isso, que ele toma emprestado do grande teólogo suíço, Hans Urs von Balthasar.

Ele aponta que há dois princípios na Igreja. O primeiro, chamado princípio petrino, diz respeito a tudo o que é ministerial. A outra, a dimensão mariana, é a finalidade que tudo rege na Igreja como tal. Os dois princípios são sexualmente qualificados (hoje diríamos que são “generificados”). A primeira é essencialmente masculina, a segunda feminina. Segundo essa lógica, não é possível que as mulheres tenham acesso a um ministério de princípio petrino/masculino.

Sabemos como é difícil hoje, pelo menos no Ocidente, qualificar homens e mulheres ou “categorizá-los”. Balthasar vê a Igreja simbolizada por uma mulher. Ele vê as mulheres como “essencialmente receptivas” e, por definição, receptivas, acolhedoras e disponíveis; enquanto Pedro encarna o princípio masculino ativo, a iniciativa. Mas a antropologia – uma antropologia definida culturalmente – não contamina a teologia aqui?

Os homens têm lugar na Igreja?

Por outro lado, se, em nome de um princípio petrino essencialmente masculino, as mulheres devem ser excluídas do ministério ordenado, não podemos deixar de nos perguntar o que devem fazer os homens numa Igreja regida pelo princípio mariano, que é essencialmente feminino. Eles têm um lugar? Ou eles não têm um lugar nela? Não são como “cidadãos” de segunda classe, menos capazes, por natureza, de refletir o que é a Igreja – “esposa e mãe”, disponível e receptiva?

Certamente não é disso que o papa está falando, mas podemos ver como as categorizações podem ser problemáticas se tomadas literalmente. A prudência é necessária quando se passa do âmbito simbólico – a Igreja do lado de Maria, e portanto da mulher, com o ministério do lado de Pedro, e portanto do homem – ao concreto, às consequências que se tiram metáforas resultantes de elaborações teológico-antropológicas.

Mas podemos ser gratos ao Papa Francisco por fazer essas observações. Podemos não segui-lo, mas pelo menos ele se presta a uma posição, que tem seu valor e seus limites. Ele contribui para um debate. Com efeito, o importante é não ficar com um argumento de autoridade que se pretenderia suficiente em si mesmo, mas que se apoia mais no raciocínio do que na Revelação – pelo menos, num raciocínio certamente fundado na Revelação, mas que é relido e interpretado segundo esquemas que, eles próprios, nada têm a revelar.

A Igreja Católica ainda não está pronta

Pode-se dizer também que, no que diz respeito à ordenação de mulheres, exigi-la não é a melhor abordagem. Primeiro, porque a Igreja Católica como um todo claramente não está pronta para cruzar tal limiar. Até porque os defensores do status quo usam esse registro para desqualificar o pedido: na Igreja não se faz cobrança. Mais do que aspirações pessoais ou categóricas, devemos considerar as necessidades do Povo de Deus. Em comparação com a escassez de ministros que fere a Igreja no que é essencial, de que valem as considerações teológicas – fundamentadas, mas questionáveis – sobre o que é “mariano”?

O papa reconhece que “no Vaticano, os lugares onde colocamos as mulheres funcionam melhor”. Ele diz isso em relação a uma terceira categoria, nem ministerial, nem eclesial, mas “administrativa” – que é, no entanto, um pouco ministerial, e que esperamos que seja eclesial, porque a administração do Vaticano é também um serviço da Igreja.

E os exemplos de discernimento “feminino” que o papa dá, em matéria de vocações, mostram que entre os lugares que “funcionam” melhor com as mulheres estão (e isso é muitas vezes uma realidade hoje) os conselhos dos seminários. Acrescentemos a isso as faculdades de teologia, onde as mulheres ensinam no mesmo nível que os homens, sejam eles padres ou leigos: funcionam melhor ainda, embora não façam parte da administração.

Tudo isso sugere que podemos, mesmo a partir dessas categorias, estender a fórmula de Francisco: “Na Igreja (e não só no Vaticano) funcionam melhor os lugares onde as mulheres estão presentes”, correspondem melhor ao que a Igreja deve ser, ao que deve fazer para assumir a sua missão. Se fizermos nosso este princípio, com tempo e sem hesitações desnecessárias, quem sabe até onde poderemos ir – “na Igreja”, assim como “no ministério”, se as necessidades do povo de Deus o exigirem?

Mas, além do tempo, isso exigirá reflexão e argumentação. À sua maneira e de forma pessoal, o papa está contribuindo para isso.

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