“Não à blasfêmia da guerra”

Papa Francisco durante o Fórum no Bahrein | Foto: Vatican Media

07 Novembro 2022

O Papa Francisco lançou um novo apelo aos líderes religiosos reunidos no Fórum no Bahrein: “É nosso dever nos opormos ao uso da violência”. Fraternidade, diálogo e paz são os meios para avançar no caminho de conhecimento recíproco, como proposto pelo documento de Abu Dhabi.

O comentário é de Mimmo Muolo, vaticanista italiano, em artigo publicado em Avvenire, 05-11-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Dizer não à “blasfêmia da guerra e ao uso da violência” é um dever de todos os religiosos. Especialmente em um mundo em que “se brinca com fogo, com mísseis e bombas, com armas que provocam pranto e morte, cobrindo a casa comum de cinzas e ódio”.

Não, portanto, a “visões despóticas, imperialistas, nacionalistas e populistas”. A humanidade precisa de paz. E, por isso, o papa repete o seu “sincero apelo para que se dê fim à guerra na Ucrânia e se iniciem sérias negociações de paz”. Acrescentando, além disso, que “não basta dizer que uma religião é pacífica. É preciso condenar e isolar os violentos que abusam de seu nome”. Assim como “não é suficiente se distanciar da intolerância e do extremismo”. É necessário também “interromper o apoio aos movimentos terroristas por meio do fornecimento de armas, de planos ou de justificativas e também de cobertura midiática”. Esses são “crimes internacionais que ameaçam a segurança e a paz mundial”.

É um discurso franco e corajoso (especialmente no que diz respeito à denúncia do financiamento de certos governos ao terrorismo) que foi proferido nessa sexta-feira, 4, pelo Papa Francisco na sessão conclusiva do Fórum “Oriente e Ocidente pela convivência humana”, com a presença também do rei do Bahrein, Hamad bin Isa bin Salman al-Khalifa, e o grão-imã de al-Azhar, Ahmed al-Tayeb, e o patriarca ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu.

Em primeiro lugar, ressoou pela voz do pontífice a condenação sem apelo da guerra. Mas também a ênfase na verdadeira liberdade religiosa e em uma cidadania sem discriminação das chamadas minorias. E, portanto, a promoção da mulher e a proteção das crianças.

Em síntese, disse Francisco, é preciso “habitar a crise sem ceder à lógica do conflito”. Recompor as tensões entre Oriente e Ocidente, sem esquecer os desequilíbrios Norte-Sul, ou seja, a “catástrofe das desigualdades e a vergonhosa chaga da fome e das mudanças climáticas”.

O papa havia chegado aos jardins do palácio real, onde o fórum foi realizado, a bordo de um carro popular branco, escoltado por cerca de 20 soldados a cavalo, enquanto dois helicópteros, um com a bandeira vaticana e outro com a bandeira do Bahrein, acompanhavam o cortejo de cima.

Em seu discurso, ele fez ampla referência ao Documento sobre a Fraternidade Humana, assinado em 2019, não muito longe daqui, em Abu Dhabi, junto com o imã de al-Azhar. E também à Declaração do Reino do Bahrein, sublinhando a importância da oração em primeiro lugar, para superar os fechamentos e os egoísmos, a autorreferencialidade, as falsidades e as injustiças.

O ser humano, recordou, não pode ser reduzido “àquilo que ele compra e àquilo que vende ou com aquilo com que se diverte”. Depois, enfatizou, como já havia feito na quinta-feira ao chegar, a liberdade religiosa. “Empenhemo-nos – disse – para que os locais de culto sejam protegidos e respeitados, sempre e em todo o lugar, e a oração seja favorecida e nunca impedida”. É preciso que cada credo se interrogue sobre isso, destacou Francisco. Isto é, se “força a partir de fora ou liberta por dentro as criaturas de Deus, se ajuda o ser humano a rejeitar a rigidez, o fechamento e a violência”, se “aumenta nos fiéis a verdadeira liberdade”.

A partir desse ponto de vista, também é preciso aumentar a educação, porque “a ignorância é inimiga da paz” e faz aumentar os extremismos e enraizar os fundamentalismos. Uma educação aberta que ensine a dialogar com os outros e alimente a compreensão mútua, recomendou o pontífice, indicando três “urgências educativas” : o reconhecimento da mulher em âmbito público e na política, a proteção dos direitos fundamentais das crianças (“elas crescem instruídas, assistidas, acompanhadas, não destinadas a viver nas garras da fome e no remorso da violência”) e a educação para a cidadania.

O papa foi muito claro sobre essa questão. É preciso “estabelecer nas nossas sociedades – disse – o conceito da plena cidadania e renunciar ao uso discriminatório do termo ‘minorias’, que traz consigo as sementes do sentimento de isolamento e de inferioridade”, também no que diz respeito à fé. Palavras que, no mundo árabe, mas também em outros contextos (pensemos no hinduísmo indiano) devem levar a uma reflexão profunda.

Fraternidade, diálogo e paz são, em última análise, os meios para “avançar no caminho de conhecimento recíproco”. Uma anotação também retomada pelo rei, que lembrou: “A humanidade tem uma grande necessidade, como nunca antes, de reviver os caminhos da proximidade e da compreensão entre os seguidores das religiões para obter a concórdia em vez da contraposição, a unidade em vez da divisão”. Também em relação à Ucrânia, onde o soberano voltou a pedir negociações de paz.

O dia do papa terminou com outros dois encontros à tarde. Pela manhã, porém, Francisco também recebeu, entre outros, a visita do prêmio Nobel da Paz (2014) Kailash Satyarthi. Um encontro decididamente sobre o assunto, pois, como escrevera no livro de honra do Fórum, “do mar agitado dos conflitos, a humanidade chegue ao mar pacífico da convivência”.

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