Paróquia: repensando a evangelização. Artigo de Domenico Marrone

Foto: Cathopic

08 Outubro 2022

 

Para que a paróquia renove sua tarefa de transmissão da fé e de iniciação à vida no Espírito, é preciso que, dentro das nossas comunidades, seja criado o espaço para uma autêntica experiência espiritual, redescoberta na sua originalidade e radicalidade. É urgente identificar qual é aquele fogo interior que parece tanto faltar a nós, filhos deste tempo.

 

A opinião é de Domenico Marrone, teólogo e padre italiano, professor no Instituto Superior de Ciências Religiosas de Bari, na Itália, em artigo publicado por Settimana News, 06-10-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o artigo.

 

O conceito de “evangelização”, como termo missionário fundamental e central, tem sua origem no texto original grego do Evangelho de Lucas, no qual é traduzido de modo mais exíguo com a expressão “levar o feliz anúncio” (Lc 4,18-19).

 

É importante sublinhar – assinala Martini – que o termo “evangelização” em si mesmo não é um termo bíblico nem pertence à terminologia utilizada pelos Padres da Igreja dos primeiros séculos, tanto em âmbito grego quanto latino [1].

 

Evangelização: uma locução de matriz missionária

 

O termo parece ter entrado em uso no sentido moderno e em seu significado atual em uma época muito recente, em âmbito evangélico, a partir dos movimentos do despertar carismático do século XIX [2], nascidos de modo principalmente espontâneo para responder com um novo impulso ao mandato missionário, e dos quais surgiu posteriormente o movimento ecumênico. Existe, portanto, um vínculo histórico entre o termo “evangelização” e os movimentos de despertar evangélico e ecumênico [3].

 

O termo começa a abrir caminho nos documentos do magistério da Igreja Católica justamente a partir do Concílio Vaticano II [4]. Isso indica que, a partir do Concílio Vaticano II, um status jurídico é reconhecido ao termo “evangelização”, que agora já aparece, com pleno direito de cidadania, também nos documentos magisteriais posteriores.

 

A noção de “evangelização”, portanto, assume um significado muito amplo no período seguinte. Não se refere mais apenas ao primeiro anúncio da Boa Nova de Cristo àquelas populações que ainda não a ouviram, mas também significa a proclamação permanente do Evangelho dentro dos diversos contextos culturais nos quais a Igreja está firmemente enraizada.

 

Portanto, deve-se reconhecer a influência determinante que essa locução de matriz missionária teve não só nos diversos documentos da cúpula conciliar, mas também na abertura de novos e inexplorados horizontes teológicos e de uma nova concepção da Igreja, tanto em relação à sua função no mundo contemporâneo quanto a uma profunda reavaliação em relação ao significado de sua missão.

 

Nesse sentido, fazer tal reavaliação permite perceber a complexidade da realidade social e cultural como parceira de um caminho fatigante e fascinante, e considerar a obra de evangelização não como um processo acabado, mas como uma tarefa sempre a realizar. Significa focalizar a atenção na relação entre a reflexão teológica, os processos de comunicação da fé e a assimilação dos vários contextos culturais; significa elaborar a própria identidade cristã a partir de uma radical conversão e abertura em relação à existência humana.

 

O termo “evangelização”, portanto, abre algumas interrogações dentro do catolicismo, para repensar a missão e o modo de a Igreja se situar em um contexto em contínua evolução.

 

Um tempo repleto de desafios

 

A situação de pós-secularização que caracteriza a nossa sociedade hoje suscita profundas interrogações sobre as modalidades da presença da Igreja e do fiel individual nela.

 

O diagnóstico do nosso contexto ocidental pode ser sintetizado – segundo Chistoph Theobald [5] – com três novas categorias: a Igreja em diáspora, como minoria desprovida de um papel de liderança na sociedade; a exculturação, o desaparecimento do sistema cultural que havia formalizado a fé no passado; a crise de credibilidade, devido à fragmentação das visões de mundo e ao caráter provisório dos novos valores.

 

Os tempos estão repletos de desafios. Por um lado, uma Igreja que custa a tornar credível sua visão global da existência em uma sociedade que se tornou plural e fragmentada. Uma Igreja de enquadramento e de território, herdeira da civilização paroquial, que se esgota ao tentar manter a oferta pastoral atual apesar da redução de suas próprias forças.

 

Uma Igreja, enfim, composta por cristãos que, no fundo, não sabem mais muito bem como se portar em relação a quem não crê mais ou que crê de um modo diferente. A nossa sociedade pós-moderna é caracterizada por uma crise de confiança e por uma crise do viver-juntos, pelo fascínio pelas tecnociências e pelas biociências, pelos temores em relação às mudanças climáticas e pelo domínio de um sistema econômico baseado na especulação.

 

Como repensar o cristianismo e o papel da Igreja na nossa sociedade, profundamente marcada pela crise de confiança nas formas de convivialidade social, afligidas por problemas ecológicos inéditos e fascinadas pelas biotecnociências?

 

Não basta incitar os fiéis à saída missionária. É preciso também fornecer meios ou modos de acesso à experiência interior da qual possam surgir um autêntico impulso missionário e a progressiva implementação de uma figura eclesial conforme a ele.

 

A tradição cristã se encontra hoje em grande parte em posição de retirada quanto à sua efetiva utilidade social, porque seu lado propriamente teologal é gravemente ignorado e está gravemente comprometido.

 

A mensagem da tradição cristã que chega à opinião pública é percebida principalmente como um mito estranho e alheio aos desafios da existência de todos e de cada um.

 

O principal desafio é fazer com que os núcleos comunitários existentes passem de uma pastoral de reprodução para uma pastoral de missão, com uma nova relação com os territórios, porque muitas comunidades estão paralisadas no patrimônio administrativo, imobiliário, cultural.

 

A experiência do vínculo íntimo entre a escuta do Evangelho e seu anúncio está quase perdida.

 

É em torno do interesse desinteressado e gratuito pelo outro que pode ser reconstituída uma consciência missionária credível, que se deixe continuamente surpreender por quem tem acesso à própria intimidade de Deus.

 

Trata-se de pensar e ser Igreja de uma forma mais modesta, como se ela se encontrasse dia após dia em um caminho imprevisível, no qual é obrigada a renunciar às prestigiosas imagens do passado em favor de uma visão mais evangélica.

 

Repensar a evangelização hoje significa acima de tudo isto: estar de boa vontade em um contexto que não é mais cristão por tradição e tornar o Evangelho disponível a todas e a todos, assumindo uma forma de Igreja que fale desse Evangelho em si mesma.

 

Devemos também cultivar a convicção de que não se trata do fim do cristianismo, mas sim de um certo cristianismo, não do fim do mundo, mas sim de um certo mundo.

 

Hospedar o futuro, mas como?

 

O primeiro passo a ser dado é tentar entender a situação, analisar os motivos dessa erosão da evangelização. Por que e como tudo isso aconteceu? Não podemos esquecer que o núcleo da fé cristã é de alguma forma uma experiência mística, isto é, a intimidade de Deus que nos dá a força para compartilhar com outros aquilo que nós mesmos recebemos. Mas compartilhá-lo de tal forma que a liberdade do outro seja radicalmente respeitada. Esse é o ponto em que podemos captar toda a importância da forma, ou seja, do estilo com que configuramos as nossas relações.

 

A liberdade hoje é, ao mesmo tempo, um objetivo – a evangelização tem como objetivo tornar o outro livre, mais livre – e também uma forma, uma modalidade, no sentido de que não se pode impor a fé a outros a partir de fora. Um dos maiores problemas das nossas Igrejas é que elas custam a ver as novidades que as pessoas poderiam trazer se fossem respeitadas em sua liberdade e não unicamente em seu papel de ovelhas do rebanho.

 

O reconhecimento da liberdade religiosa que foi alcançado com o Vaticano II também pela Igreja Católica foi o fruto da redescoberta de tal enraizamento evangélico, provocado pelas reivindicações do pensamento moderno, indubitavelmente aguçadas pelo advento do pós-moderno.

 

Não podemos ignorar que muitas pessoas, até mesmo sem saber, bebem dos tesouros da Igreja, e muitas vezes pessoas que haviam se afastado até mesmo há muito tempo se reaproximam da Igreja quando se sentem respeitadas em sua liberdade e ajudadas a ter acesso à sua identidade mais profunda, como nos mostram as narrativas evangélicas.

 

Partimos de uma convicção espiritual e teológica elementar: o anúncio do Evangelho é a razão de ser da Igreja e dos cristãos. Mas a Igreja não deve implantar esse Evangelho a partir de fora, como se Deus entrasse por efração naquilo que lhe pertence desde sempre. A Igreja deve reconhecê-lo em ação nas mulheres e nos homens deste tempo e em toda a criação e, ao mesmo tempo, reavivá-lo por meio de sua presença benéfica que lhe vem de Cristo e por meio de seu anúncio.

 

Dois aspectos constitutivos dessa “presença”, intimamente ligados entre si, emergem agora de modo muito claro: por um lado, a relação entre a geração da vida e a geração da fé e, por outro, a razão de ser da Igreja, identificada com a relação pastoral ou missionária que ela entretém com cada ser humano.

 

Quanto ao primeiro aspecto, é preciso lembrar a analogia decisiva entre, por um lado, o acesso de alguém à sua humanidade graças a quem o gerou (trazendo ao mundo e educando) e, por outro, o acesso à fé graças à presença de um ou mais “rebocadores”, homens e mulheres.

 

Se somos confiados a gerar a vida com outros, e à Igreja a gerar a fé, nunca devemos esquecer que a força espiritual dessa vida, mas também da fé, não é transmissível: embora suscitada por nós, a fé não pode surgir senão livremente a partir do próprio interior do outro.

 

Igreja em gênese

 

O segundo aspecto torna-se consequentemente mais claro. A Igreja não deve ser “construída” ou “feita”; não é o objetivo de uma estratégia pastoral que deveria apenas buscar os meios adequados para alcançá-la; não é o conjunto de “eventos” que teríamos “criado”, como se costuma dizer no jargão da comunicação.

 

A Igreja deve ser recebida aqui e agora na sua gênese sempre frágil, ela surge subitamente, segundo os eventos da vida que a chamam à sua tarefa de suscitar a fé.

 

Ela é um modo de estar em relação e um modo de agir inspirados pelo Evangelho, que permitem a Deus gerar pessoas à sua própria vida. Esse modo de ser, inspirado pelo Evangelho, supõe que, nas relações pastorais da Igreja, a prioridade seja efetivamente dada às Escrituras. É a intuição principal da constituição Dei Verbum do Concílio Vaticano II (capítulo 6) e da exortação pós-sinodal Verbum Domini de Bento XVI (2010), que recomenda “incrementar a ‘pastoral bíblica’, não em justaposição com outras formas da pastoral mas como animação bíblica da pastoral inteira” (VD 73 com referência a DV 24).

 

Acrescentamos, no entanto, que a escuta da “voz” de Deus que chama mediante a leitura das Escrituras e, sobretudo, dos relatos evangélicos do itinerário de Jesus não é possível se não aprendermos a escutar, ao mesmo tempo, às múltiplas “vozes” humanas que ressoam ao nosso redor (o discernimento dos “sinais dos tempos”) e a “voz” interior das nossas consciências.

 

É essa tríplice escuta que gera em nós a fé (Rm 10,17), tornando possível a nossa resposta a Deus, na intimidade da oração individual ou na oração litúrgica da Igreja. Ver cristãos empenhados na sua vida pessoal e profissional e na sociedade prestando-se a essa tríplice escuta significa dar-se a oportunidade de tocar de perto o lugar em si mesmo onde uma mesma fé pode nascer.

 

Para os cristãos, a missão consiste em se pôr a serviço, “com gratuidade” e “sem espírito de conquista”, da vida dos outros, colocando à disposição de “qualquer pessoa” os recursos da confiança e da esperança do Evangelho. Somente o interesse gratuito da Igreja pelos seres humanos na sua singularidade inalienável pode conseguir – talvez – a (re)suscitar a esperança. Este é também o “lugar” em que uma pastoral missionária pode intervir. Não basta querer convencer os outros a partir de fora.

 

Como fiéis, devemos saber captar as sementes da esperança mesmo em quem se declara secular, mas vive de humanidade: como vimos nos meses de pandemia em tantos médicos e voluntários.

 

Precisamos de pessoas em busca do mistério do outro. É preciso uma arte da conversação com o outro. Eis a questão definitiva: a comunidade cristã deve ser para todos um apelo a este fato essencial: “O que fazemos com o fato de só termos uma vida? Onde está a fonte que nos faz viver?”.

 

Já superado o extra Ecclesiam nulla salus, sabemos que não é tarefa dos cristãos levar Deus ou sua salvação ao mundo secular, mas realçá-los, evidenciá-los. Segundo a eficaz expressão de Theobald, a Igreja deve ser entendida como uma “rabdomante missionária”, no sentido de que, “com sensibilidade espiritual, encontra aquilo de que se fala no Evangelho já presente no outro” [6].

 

E aqui chega até nós a palavra de autoridade e apaixonada do Papa Francisco, que nos encoraja há nove anos a não termos medo de enfrentar os desafios da época atual. Há muito tempo, ele nos lembra que não podemos ficar à espera de que as coisas voltem a ser como antes. A cristandade realmente acabou! Há muito tempo, ele nos convida àquela criatividade e imaginação do possível que toca também o universo da prática pastoral do cristianismo. Deus se confia realmente nos fiéis e em sua obra, e não lhes fará faltar a graça para o discernimento necessário. Há muito, ele nos lembra, em suma, que, para uma mudança de época (que é o resultado mais verdadeiro da secularização em curso), a única resposta à altura é a de uma mudança da mentalidade pastoral, isto é, de todas aquelas dinâmicas e formas graças às quais a comunidade dos fiéis oferece aos homens e às mulheres da geração a que pertencem o “pasto” bom do Evangelho.

 

Por isso, é urgente passar de um cristianismo que responde a uma demanda de consolação que ninguém mais lhe faz a um cristianismo que permita a qualquer pessoa se cruzar com Jesus, apaixonar-se por ele e assim estar à altura da melhor parte de si mesmo. Apaixonar-se por Jesus é a porta de acesso e o ponto de partida daquele humanismo integral de que o mundo hoje tanto precisa. E do qual o cristianismo está sempre em dívida com o mundo, em obediência ao mandato de seu Mestre. Hoje de uma forma simplesmente diferente da de ontem.

 

À luz dessa perspectiva, será preciso evitar – como escreve o jesuíta Theobald – formar padres que poderíamos chamar de padres-pivôs, que só sabem se cercar de fiéis e, ao invés disso, favorecer a figura do padre-rebocador, capaz de reunir a comunidade para enviá-la em missão.

 

O padre-rebocador, capaz no momento oportuno de se pôr de lado, “deve tornar possível a concertação e a sinodalidade entre todos, sabendo fazer valer a voz do Evangelho quando não é ouvida por um grupo ou por uma comunidade, mas também aceitando ouvi-la, ele mesmo, da boca de uma ou de outra pessoa”.

 

Ora, nós estamos acostumados a considerar a adesão à comunidade cristã e à fé em círculos concêntricos, àqueles que os sociólogos gostam de nos remeter em intervalos regulares com percentuais cada vez mais inquietantes: os não crentes, os distantes que romperam relações com a Igreja, os ocasionais ou intermitentes que passam em alguns momentos da vida (batismos, casamentos, funerais, missa de Natal...), os praticantes regulares que vão à missa aos domingos com uma certa frequência, os comprometidos ou devotos que se envolvem nas atividades da comunidade.

 

Porém, essas distinções no nosso imaginário sempre veicularam outra: há quem é mais cristão e quem é menos. Na nossa cabeça, o critério último e de fato exclusivo para avaliar a fé das pessoas é a prática. Transformamos um critério sociológico de tipo quantitativo em um critério teológico de julgamento qualitativo sobre a fé das pessoas.

 

Tanto a secularização quanto a experiência da pandemia nos mostram que há fiéis por toda a parte, fiéis que praticam de forma diferente, e que podemos contar com uma comunidade invisível, aquela fora dos muros da paróquia e das atividades pastorais. Há uma Igreja não territorial que espera ser identificada, acompanhada, apoiada. Antes ainda daquela em saída, existe aquela já lá fora. Eis uma primeira atitude operacional: não começarmos mais a nos basear na prática para medir a resposta das pessoas à graça de Deus.

 

“É preciso passar de uma pastoral do fazer e dos serviços para uma pastoral da relação” (cardeal M. Semeraro). Trata-se de gerar, alimentar e desenvolver relações no sinal da fraternidade evangélica e, portanto, alimentadas pelo Evangelho e pela Graça, capazes de manifestar uma atenção igualmente evangélica para quem experimenta condições de pobreza, fragilidade, exclusão e, ao mesmo tempo, capaz de uma presença “próxima” nas múltiplas periferias antropológicas.

 

“A nossa época nos demanda uma espécie de transumância pastoral, em que as nossas ações eclesiais são mais explicitamente moduladas segundo as experiências de vida das pessoas e das suas passagens vitais”, observa Semeraro, acrescentando que “é nesse contexto que se abre o espaço para a pastoral generativa, ou seja, uma pastoral que gera à fé trazendo no coração, acima de tudo, as pessoas, procurando alcançá-las nas dimensões dos afetos, do trabalho e do descanso, das fragilidades, da tradição e da cidadania”.

 

Superando a “pastoral organizativa”, aquela que “corresponde a um modelo paroquial ligado ao fenômeno da pertença de massa ao cristianismo”, segundo Semeraro, é preciso chegar a “uma pastoral paroquial mais concretamente, que habita os diversos ‘territórios’ de vida das pessoas para compreender suas perguntas e as possibilidades de anúncio do Evangelho”. Para Semeraro, “uma pastoral que gera à fé não se interessa principalmente pela salvaguarda da instituição e de suas estruturas”, mas “são as pessoas que, acima de tudo, estão em seu coração”.

 

Não podemos esconder que a vida das paróquias muitas vezes é desequilibrada para o lado do front do ativismo que, em diversos casos, chega a gerar, ele mesmo, problemas: comunidades um pouco engolfadas: sempre a meio caminho entre a conservação e a experimentação. Honestamente, devemos reconhecer que, como paróquia, não somos capazes de responder adequadamente aos desafios do nosso tempo.

 

O aspecto burocrático está invadindo as nossas comunidades e, infelizmente, marca também sua identidade. Aparece quase como uma reivindicação de uma “profundidade jurídica” de força a partir de uma identidade muitas vezes experimentada como fraca.

 

Corre-se o risco da corporativização das paróquias. Os poucos padres restantes, em vez de cuidar das almas, tornam-se administradores, preocupados mais com a programação do que com as pessoas. Como se organiza tal festa, tal grupo, tal rito e assim por diante. Esse é o risco que corremos: ignorar as pessoas com suas exigências e peculiaridades, em nome de um eficientismo voltado, acima de tudo, à aparência (na vitrine das mídias sociais). E, portanto, a satisfazer o desejo perverso de “sentir-se bem”, silenciando a própria consciência.

 

A qualidade espiritual

 

É preciso estar ciente de que hoje nos encontramos com pessoas que atravessaram o deserto da secularização e as desilusões da idolatria consumista. A pergunta, portanto, é mais exigente, e o consentimento não é concedido com muita facilidade. Esse cenário existencial, consequentemente, provoca a paróquia a enveredar pelo caminho de uma proposta formativa de qualidade no plano espiritual: a proposta cristã deve ter a radicalidade correspondente à radicalidade da pergunta.

 

Concretamente, isso significa que somos chamados sobretudo a qualificar a seriedade do nosso testemunho, superando a tentação da separação entre fé e vida. Ao mesmo tempo, nos é pedido que recuperemos o rosto autêntico da proposta cristã. De fato, é preciso se interrogar se um cristianismo reduzido a uma relação social ou vivido principalmente sob a insígnia de um ativismo dominado pelo culto do empenho não é uma das causas da distância que se criou entre a experiência eclesial, em particular paroquial, e a experiência espiritual. A mesma pergunta deve ser feita também em relação a uma prática religiosa vivida na total indiferença ao respeito e ao serviço ao ser humano.

 

Para que a paróquia renove sua tarefa de transmissão da fé e de iniciação à vida no Espírito, é preciso que, dentro das nossas comunidades, seja criado o espaço para uma autêntica experiência espiritual, redescoberta na sua originalidade e radicalidade. É urgente identificar qual é aquele fogo interior que parece tanto faltar a nós, filhos deste tempo.

 

Não criemos ilusões: sem esse caminho espiritual, de muito pouco serviriam os instrumentos externos da comunhão (organismos de participação). Eles se tornariam aparatos sem alma, máscaras de comunhão mais do que suas formas de expressão e de crescimento.

 

Notas:

 

1. Cf. C. M. Martini, “L’evangelizzazione nella Parola di Dio, in Ecumenismo ed evangelizzazione”, Anais da XII Sessão Ecumênica da SAE, Nápoles, 28 de julho a 5 de agosto de 1974, Roma: AVE, 1975, p. 23.

2. O teólogo Giancarlo Collet defende que o termo “evangelização” se difundiu originalmente no ambiente protestante, e que “presumivelmente o primeiro a usá-lo foi o missionário e missiólogo escocês Alexander Duff em 1854, por ocasião de um congresso realizado em Nova Iorque”: cf. Collet G., “…Fino agli estremi confini della terra. Questioni fondamentali di teologia della missione”, Bréscia: Queriniana, 2004, p. 274.

3. Ibid., p. 25.

4. Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II, decr. Ad gentes, 7 de dezembro de 1965, em Enchiridion Vaticanum 1/1087-1242, n. 35; Concílio Ecumênico Vaticano II, decr. Apostolicam actuositatem, 18 de novembro de 1965, in Enchiridion Vaticanum 1/912-1041, n. 6.

5. Cf. C. Theobald, “Urgenze pastorali. Per una pedagogia della riforma”, Bolonha: Dehoniane, 2019.

6. C. Theobald, “Mistica della fraternità. Lo stile nuovo della Chiesa e della teologia nei documenti programmatici del pontificato”, in Regno-att, 2 de setembro de 2015, p. 587.

 

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