Eleições 2022, 2º turno: A volta dos que não foram - Parte 3 [final] - O nazifascismo gaúcho na ótica da história. Artigo de Marcelo Zanotti

Presidente do Partido Nazista de Porto Alegre | Foto: Biblioteca Nacional

07 Outubro 2022

 

“O que a história nos mostra sobre essa tendencia direitista da região?”, escreve Marcelo Zanotti, estudante dos cursos de História e Jornalismo da UNISINOS e estagiário do IHU.

 

Eis o artigo.

 

Para tentar finalizar a linha de pensamento começada na primeira parte da trilogia "A volta dos que não foram", e endossada na segunda parte, para fechar com chave de ouro, vamos a um assunto que eu realmente entendo: A HISTÓRIA. 

 

No último dia 02 de outubro, o Brasil foi às urnas para escolher os seus mandatários para o quadriênio 2023-2026 da legislatura executiva nacional. Os cargos decididos em primeiro turno foram de Deputado Federal, Deputado Estadual e Senador. Alguns estados decidiram, ainda em primeiro turno, o cargo de Governador, tendo o cargo de Presidente da República ficado para segundo turno. Um dos estados que não decidiu o Governo foi o Rio Grande do Sul. Apesar da polarização nacional ter levado a uma disputa entre centro esquerda (representada pelo candidato Luis Inácio Lula da Silva PT) e extrema direita (representada pelo candidato e atual presidente Jair Bolsonaro PL), no Rio Grande do Sul a história é levemente diferente, tendo ficado para segundo turno um candidato de direita liberal (Eduardo Leite PSDB) e outro de extrema direita (Onyx LorenzoniPL). O candidato mais votado no estado, principalmente nas regiões de imigração alemã e italiana, como o Vale dos Sinos e a encosta da Serra gaúcha, para presidente da República foi Jair Bolsonaro. Muitos atribuem isso a uma suposta herança nazi-fascista existente na região, outros, ao conservadorismo falso moralista, mas, o que a história nos mostra sobre essa tendência direitista da região?

 

No Brasil e no mundo, grupos neofascistas desfilam em meio à bandeiras e slogans ultranacionalistas. Certas condições que possibilitaram o surgimento de “fascismos históricos” ainda estão presentes no início do século XXI, principalmente nas vitórias de políticos abertamente pró-fascistas, ou oriundos da herança da extrema direita, nos órgãos legislativos e executivos mundiais. Os motivos desse crescimento têm origens múltiplas e remetem a questões de ordem prática e ideológica. ao mesmo tempo em que se manifestam reincidências do fenômeno, ou de partes dele, arquivos (físicos e morais) estão sendo abertos, propiciando certa ebulição, observada nos últimos vinte ou trinta anos, na confecção de trabalhos sobre o assunto. Seguindo essa trajetória mundial, os estudos sobre o fenômeno fascista no Brasil se proliferaram, especificamente, nas décadas finais do século XX e início do século XXI. Grosso modo, cito três motivos:

 

 

 

 

Nas décadas de 1920 e 1930, o Partido Nazista expandiu seu raio de ação distribuindo 83 filiais ao redor do mundo. Ao mesmo tempo, a AIB (Ação Integralista Brasileira) ganhou importância, alcançando apoiadores nos mesmos círculos sociais que sua congênere. Os dois organismos, compartilhando elementos do fenômeno fascista, coexistiram no Brasil.

 

O Nacional Socialismo Alemão foi proibido no Brasil a partir de 1938, no início do Estado Novo (que é instaurado em novembro de 1937). Isso se deveu a um nacionalismo exigido por essa nova etapa do regime de Getúlio Vargas. Em uma estimativa, ao se considerar um número mínimo de militantes em torno de seiscentos e quarenta e cinco partidários, calcula-se que apenas 4,22% desse grupo teria aderido ao NSDAP no Rio Grande do Sul. O percentual de adesão, como visto, foi bastante baixo em relação ao número de cidadãos alemães residentes no estado. Por exemplo, dois imigrantes residentes em Porto Alegre, Hans Meyer-Clason e Paul Dratwa, quando questionados sobre os motivos de sua colaboração em redes de espionagem alemãs no Brasil, afirmaram que agiram por “patriotismo” [1]. Na época em que viveram essas experiências, suas relações com a Pátria eram claramente mediadas pelo Partido Nazista. A lealdade partidária, juntamente com o sentimento nacionalista, estava ligada à ideologia.

 

 

Os núcleos do NSDAP no Rio Grande do Sul proporcionaram um sentimento de pertencimento a seus apoiadores. A distância desses indivíduos da Alemanha e do aparato político nazista, a resistência da comunidade alemã e germano-descendente ao NSDAP, o choque com a construção da identidade brasileira. A Alemanha abandonou a defesa dos direitos dos alemães residentes e a manutenção da legalidade do NSDAP em território brasileiro. O nazismo, considerado uma subversão da ordem política, era visto como uma ameaça ao nacionalismo brasileiro. De certa forma, a atuação dos agentes de espionagem de guerra alemães no estado aproximou os cenários de batalha da realidade da sociedade gaúcha.

 

Esse sentimento de discriminação contra os povos mestiços - cujas origens remontam às escravos pretos do continente africano e aos povos indígenas assimilados pela cultura branca - deu ao povo gaúcho uma matriz cultural racista e preconceituosa que elege os méritos de sua origens em uma escala maior do que sentimento nacional. O sentimento de boas vindas que encontramos, por exemplo, entre os povos do Nordeste. Dessa forma, entendendo o que pertence à região principalmente no campo cultural, podemos perceber que o gaúcho está muito mais próximo do que é o europeu do que da realidade do brasileiro, uma vez que as tradições europeias e folclóricas que vieram com os imigrantes permanecer vivas, e presentes nos costumes, na arquitetura, no modo de ascensão, no modo de falar, e também no modo de relacionamento.

 

Há muita refração e desconfiança com o que vem de fora, com o que é diferente. Vale notar que, apesar desse visível antropocentrismo, são poucos os casos abertos de conflitos raciais e xenofobia. Isso provavelmente se deve ao sentimento de pertencimento que também existe nas minorias raciais, que se sentem parte do chamado povo gaúcho. Se focarmos na região serrana, veremos uma maior predominância da cultura italiana, herdada dos colonizadores que ali passaram. Há também a possibilidade, em um sentido mais particular, de poder subdividir a questão da regionalidade gaúcha para outros subtipos.

 

Todo esse estudo, de certa forma, explica muito desse avanço da direita em regiões imigratórias. A questão da identidade germânica que o governo Vargas, na época da Segunda Guerra, tentou cortar, na verdade se intensificou, seja pelo Integralismo, seja pelo Germanismo. As regiões dos vales e serra se sentem “parte” de uma Alemanha a muito tempo perdida. A história explica a origem, mas os atos contínuos e avanços da dessas ideologias ultrapassadas, só a psicologia e a neurologia podem, de fato, detalhar. Como de médico e louco, todo mundo tem um pouco... Agora, realmente, é hora de calar a boca.

 

Notas

 

[1] . HILTON, Stanley E. Suástica sobre o Brasil: a história da espionagem alemã no Brasil, 1939-1944. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, p. 18.

 

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