Fazer o que deve ser feito

Foto: Jason Farrar / Flickr

30 Setembro 2022

 

Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 27º Domingo do Tempo Comum, 2 de outubro de 2022 (Lucas 17,5-10). A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

Durante sua subida para Jerusalém, Jesus é interrogado, às vezes invocado ou rezado, às vezes contestado pelo seu comportamento ou pelas suas palavras. Às vezes, Jesus se dirige aos discípulos que o seguem, às vezes a alguns fariseus e escribas, às vezes aos “apóstolos”, isto é, aquele grupo restrito de discípulos tornados por ele “os Doze” (Lc 6,13; 9,1) e enviados (esse é o sentido literal de apóstoloi) para anunciar o Evangelho, aqueles que também serão testemunhas qualificadas de sua ressurreição (cf. Lc 24,48; At 1,8.21-22).

Precisamente estes que escutaram as exigências “duras” proclamadas por Jesus como decisivas para seu seguimento (cf. Lc 9,23-26; 14,26-27), conhecendo sua própria fraqueza, pedem a Jesus, designado como Kýrios, Senhor da Igreja: “Aumenta a nossa fé!”.

É uma oração dirigida ao Senhor, àquele que, com a força do Espírito Santo, que sempre habita nele, pode agir sobre a fé, sobre a adesão do discípulo. Esse pedido, porém, corre o risco de não ser compreendido no seu porte real, por isso é bom refletir sobre a confiança-adesão absolutamente necessária para ser discípulo de Jesus.

A fé, que deve ser compreendida em primeiro lugar como adesão, só pode estar presente onde há uma relação pessoal e concreta com Jesus. A fé não é um conceito de ordem intelectual, não está posta acima de tudo em uma doutrina ou em uma verdade, muito menos em fórmulas, nos dogmas. A fé não é, sobretudo, um “crer que” (por exemplo, que Deus existe), mas é um ato de confiança no Senhor. Trata-se de aderir ao Senhor, de se ligar a ele, de pôr a confiança nele até se abandonar a ele em uma relação vital, personalíssima.

A fé é reconhecer que, da parte do ser humano, há fraqueza, e, portanto, não é possível ter fé-confiança em si mesmos. Precisamente por isso, principalmente na boca de Jesus, é frequente o uso do verbo “crer” (pisteúo) e do substantivo “fé” (pístis) de modo absoluto, sem complementos ou especificações:

“Crê, não temas” (Lc 8,50; Mc 5,36).

“A tua fé te salvou” (Lc 7,50; 17,19; 18,42; Mc 5,34 e par.; 10,52).

“Vai, e faça-se segundo a tua fé” (Mt 8,13).

“Mulher, é grande a tua fé! Seja feito como tu queres” (Mt 15,28).

Crer sem complementos, ter fé sem especificações é para Jesus determinante na relação com Deus e com ele mesmo.

Certamente, a fé é um ato que se situa na fronteira entre a fraqueza humana e a força que vem de Deus, força que torna possível justamente o ato de fé. Trata-se de passar da incredulidade (apistía: Mc 6,6; 9,24; 16;14; Mt 13,58) para a fé, mas essa passagem, essa “conversão”, requer a invocação a Deus e, em resposta, seu dom, sua graça, que, na realidade, são sempre preventivos.

De fato, é difícil e fatigante para cada um de nós renunciar a contar consigo mesmo para se descentrar e colocar no centro a palavra do Senhor dirigida a nós. Não nos esqueçamos de que a incredulidade ou a pouca fé (oligopistía: Mt 17,20; oligópistos: Mt 6,30; 8,26; 14,31; 16,8; Lc 12,28) denunciadas por Jesus caracterizam a situação do discípulo (cf. Lc 24,11.41; Mc 9,19 e par.; 16,11.16), não daqueles que não encontram ou não escutam Jesus. E como não nos surpreendermos diante do grito de Jesus: “A tua fé te salvou”, que emerge diante de doentes, pecadores, estrangeiros e pagãos que, ao encontrá-lo, pedem-lhe com fé para serem ajudados e salvos por ele?

Há um episódio, descrito com especial cuidado por Marcos (cf. Mc 9,14-29), mas presente também em Lucas (cf. Lc 9,37-43) e Mateus (cf. Mt 17,14-18), que pode nos ajudar a compreender melhor o trecho que estamos comentando. Um pai tem um filho endemoninhado, e os discípulos de Jesus não conseguem curá-lo. Desencorajado, quando se encontra com Jesus, diz-lhe: “Se podes fazer alguma coisa, tem piedade de nós e ajuda-nos”. E Jesus, depois de repreender os discípulos, chamando-os de “geração incrédula” (como fez Moisés em Dt 9,6; 31,27; 32,5), responde-lhe: “Se podes!... Tudo é possível para quem crê”. Ou seja: “Se tu tens fé, tudo é possível por meio da fé que te salva”. É como se Jesus lhe dissesse: “Basta que creias, que tenhas confiança”, isto é, confiar que tudo é tornado possível por Deus para aquele que crê, porque “tudo é possível para Deus” (Mc 10,27; Gn 18,14).

Então o pai responde: “Eu creio, mas ajuda a minha incredulidade (apistía)”. Basta oferecer a Jesus a própria incredulidade, deixar que ele vença as nossas dúvidas, sempre presentes onde a fé está em ação. E assim Jesus cura não apenas o filho, mas também o pai, presa da desconfiança em relação à vida...

Portanto, justamente porque a fé é crer no poder de Jesus, o pedido dos apóstolos não faz sentido: “Aumenta a nossa fé”. De fato, continua Jesus no nosso trecho, basta ter fé, tanto quanto uma sementinha de mostarda, para arrancar uma amoreira e transplantá-la no mar, para mover montanhas (cf. Mc 11,22-23; Mt 17,20; 21,21).

Os apóstolos estão cientes de que têm uma fé pequena; gostariam de ser gigantes da fé, mas Jesus os faz compreender que a fé, mesmo que pequena, se for uma adesão real a ele, é suficiente para nutrir a relação com ele e acolher a salvação.

É verdade, a nossa fé é sempre oligopistía, fé de fôlego curto, mas basta ter em nós a semente dessa adesão ao poder do amor de Deus operante em Jesus Cristo.

Por fim, crer significa seguir Jesus: e, quando o seguimos, caminhamos atrás dele, vacilando muitas vezes, mas acolhendo a ação com a qual ele nos levanta e nos sustenta, para que possamos estar sempre lá onde ele está.

Nós, cristãos, devemos olhar frequentemente para a pequena semente de mostarda, mantê-la na palma da mão, ter consciência de como é pequena; mas também devemos vê-la como uma semente semeada, morta no subsolo, germinada e crescida, até se tornar tão grande quanto um arbusto que dá abrigo aos pássaros do céu – imagem usada por Jesus para descrever o reino de Deus (cf. Mc 4,26.31-32) –, e, portanto, nos surpreender.

Assim é a nossa fé, talvez pequeníssima; mas não temamos, porque, se há fé, é suficiente, porque ela é mais forte do que qualquer outra atitude nossa. A fé é a fé: sempre, mesmo que pequena, é adesão a uma relação, é obediência (hypakoé písteos: Rm 1,5); sempre, mesmo que fraca, é acompanhada pelo amor, e o amor sustenta a fé, compensa a falta de fé, renova a fé como adesão ao Senhor.

A resposta de Jesus aos apóstolos continua depois com uma parábola que lhes diz respeito particularmente, por serem enviados a trabalhar no campo, na vinha cujo dono é o Senhor. Jesus os adverte contra confiar em si mesmos, porque esse é o pecado que se opõe radicalmente à fé. É a atitude que Jesus condenará na parábola do fariseu e do publicano no templo (cf. Lc 18,10-14), dirigida a alguns que, como o fariseu, “confiavam em si mesmos porque eram justos” (prós tinas toùs pepoithótas eph’heautoîs hóti eisìn díkaioi: Lc 18,9).

Isso também poderia acontecer com os enviados que, conscientes de terem feito pontualmente a vontade do Senhor, gostariam de ser reconhecidos, premiados. Mas Jesus, com realismo, lhes pergunta: isso pode acontecer no mundo, na relação entre patrão e escravo? Quando o escravo volta do trabalho, o patrão talvez lhe dirá: “Vem e senta-te à mesa”? Pelo contrário, não vai lhe dizer: “Prepara-me o jantar, prepara-te para me servir, e depois tu comerás e beberás”? Deverá, talvez, lhe agradecer por ter feito a sua tarefa?

Não, isso não pode ocorrer, e assim os apóstolos, enviados para trabalhar na vinha do Senhor, quando terminaram o trabalho, devem dizer: “Somos servos não necessários, fizemos o que devíamos fazer”.

No seguimento de Jesus, não se reivindica nada, não se esperam reconhecimentos nem prêmios, porque nem mesmo a tarefa realizada se torna garantia ou mérito. Essa gratuidade do serviço deve ser visível na vida da Igreja, porque “um apóstolo não é maior do que aquele que o enviou” (Jo 13,16). Ela é constitutiva da autoridade do apóstolo, de todo enviado, que não “olha para si mesmo”, não mede o próprio trabalho, mas apenas obedece à palavra do Senhor, movido pelo amor por ele, confiando a ele e à sua misericórdia o julgamento sobre a própria obra.

Para quem ama, basta amar, e não há expectativa de reconhecimento! Aquilo que se faz pelo Senhor é feito gratuitamente e bem, por amor e na liberdade, não para conquistar um mérito ou para receber um prêmio...

Infelizmente, hoje, na vida eclesial, os prêmios, os méritos são dados por si mesmos, para si mesmos, e não se espera nada de Deus, o Senhor!

 

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