27º domingo do tempo comum – Ano C – Subsídios Exegéticos

30 Setembro 2022

 

Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF

Dr. Bruno Glaab
Me. Carlos Rodrigo Dutra
Dr. Humberto Maiztegui
Me. Rita de Cácia Ló

 

Leituras do dia

Primeira Leitura: Hab 1,2-3; 2,2-4
Salmo: 94,1-2.6-7.8-9
Segunda Leitura: 2Tm 1,6-8.13-14
Evangelho: Lc 17,5-10

 

O Evangelho

 

Nos textos imediatamente anteriores Jesus se dirigiu a “seus discípulos” (v.1.3). Agora (v.5-10) os interlocutores são os apóstolos. Portanto, é uma palavra do Senhor válida também para a comunidade. Eles expressam sua perplexidade com o radicalismo do ensino proposto pelo Senhor. É tão difícil conceder o perdão de forma ilimitada como Jesus exige, e por isso pedem-lhe que aumente a sua fé. Somente com uma fé forte e autêntica é possível se adaptar às exigências do evangelho.

 

Em sua resposta, Jesus não se refere à quantidade da fé, mas à sua autenticidade. “Aumente nossa fé!”, literalmente: “Aduze-nos fé”. O dito paralelo em Mt 17,20 vem depois que os discípulos falharam em expulsar um demônio (Mt 17,14-18), e refere-se à sua falta de fé (17,19). É a primeira vez que se fala dos apóstolos depois de 9,10 (cf também 11,49) e da intervenção de Pedro em 12,41. Para o pedido nenhuma explicação é dada. Para o uso de “Senhor” (Kyrios) nesta passagem está em linha de continuidade com 10,1.41; 11,39; 12,42; 13,15.

 

“Se tivésseis uma fé do tamanho de um grão de mostarda”: Como em 13,19, o termo de comparação é uma coisa muito pequena. A primeira parte nos coloca na expectativa de um discurso hipotético direto: se isso, então aquilo. Em vez disso, a construção da apódose é a de uma condição irreal, “planta-te no mar”, o que sugere que na verdade os apóstolos não possuem tal fé.

 

“Diríeis a esta amoreira”: Uma vez que a construção aqui assume que eles não têm a fé necessária, a conclusão “e ela vos obedeceria” é muito menos forte do que nos textos paralelos, nas quais se promete a capacidade de mover montanhas com fé (cf. Mt 17,20; 21,21; Mc 11,22-23).

 

“Quem de vós, tendo um escravo”. Mais uma vez encontramos a analogia cara a Lucas das relações patrão/servo (cf. 12,35-40,42-48; 13,25-27; 14,16-24; 16,1-13). É adequado traduzir o termo doulos como “escravo”, pois indica a dureza da ordem social e das atitudes apresentadas nesta anedota, que só pode ser encontrada em Lc. A escravidão vigorava em Israel, embora mitigada por certos dispositivos (Lv 25,8-10; Dt 15,12-14). Contudo, não estavam definidos os limites para os serviços dos escravizados, muito menos se pensava que tais serviços poderiam ter algum direito à recompensa.

 

“Por acaso, fica o senhor devendo...?”. A expressão echei charin significa “agradecer”. Não se trata de boas maneiras, mas de obrigações e comportamentos social. Em grego temos literalmente: “Deve ele favor ao escravo?”. A forma grega da questão requer a resposta “não”.

 

“Assim, também vós”. Lc usa houtōs como em 12,21; 14,33; 15,7.10 para trazer à tona a moral de história.

 

“Somos escravos inúteis”. Mt 25,30 fala de um servo que é “preguiçoso” (achreion), porque ele não fez uso do dinheiro que lhe foi confiado em depósito. Aqui em Lc, o mesmo termo é usado em senso de “inútil” ou “de escasso valor”, significa alguém a quem “nada se deve” por ter feito o que se esperava que fizesse.

 

O reino é um dom gratuito de Deus. Com a parábola Jesus se contrapõe a una mentalidade meritocrática. A fidelidade à Lei, a prática de boas obras não é comporta de per si o direito de receber recompensas da parte de Deus. O discípulo e a discípula de Jesus, tendo cumprido o que lhes foi ordenado, deve considerar-se um servo/a à disposição completa do senhor; ele/ela não pode reclamar direitos em relação a Jesus. Certamente Jesus não pretende negar a importância das boas obras em adquirir a vida eterna (cf. Mt 5,16). No entanto, a recompensa que Deus concederá ao servo/a fiel não deve ser considerada uma recompensa devida, mas um presente gratuito. A participação na vida eterna consiste na comunhão de vida com Deus, transcendendo todo desempenho humano e não pode ser aviltada com uma concepção terrena do salário devido.

 

A parábola, dirigida aos Doze (v.5), não visa decerto projetar uma imagem distorcida de Deus como um autoritário desrespeitoso de seus servos. Não é esta a lição de similitude, centrada unicamente na atitude que o/a discípulo/a deve assumir para com Deus. Atitudes que se aplicam também à responsabilidade da comunidade cristã. Jesus inculca soberania de Deus em todo o evangelho.

 

Toda a perícope insiste na fidelidade e trabalho árduo do discípulo e da discípula na vida cotidiana; sem, no entanto, reivindicar nenhum direito perante Deus.

 

Relacionando com as outras leituras

 

O profeta Habacuc, (1ª. Leitura), acentua a fidelidade que leva a pessoa a cumprir as leis de Deus. Os LXX traduziram emunah “fidelidade” por pistis “fé”, donde as citações de Paulo. Tanto a fidelidade em Hab como a fé no NT, mostram que a estabilidade da vida está no compromisso atitudinal com Deus. Ressoa forte a admoestação do Sl 94: “Não endureçais o vosso coração!”.

 

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