Amazonas: Candidatos querem mineração, potássio e agronegócio

Na foto, Wilson Lima, governador e candidato à reeleição | Foto: Alex Pazuello - Divulgação

28 Setembro 2022

 

Licenciamento ambiental, mineração, falta de programa para populações tradicionais, desmatamento e crise climática consolidam planos de governos de Wilson Lima, Amazonino Mendes e Eduardo Braga.  

 

A reportagem é de Wérica Lima, publicada por Amazônia Real, 27-09-2022. 

 

Os três candidatos ao governo do Amazonas com mais chance de vitória não possuem um programa de proteção à floresta, aos povos tradicionais e indígenas ou de combate ao desmatamento e crimes ambientais. Também não apresentam projetos econômicos sustentáveis ou de aumento de investimento em ciência e em estudos de fármacos, um dos maiores patrimônios da Amazônia. Para eles, desenvolvimento econômico só é possível com atividades exploratórias dos recursos da natureza com alto grau de impacto na população e na biodiversidade, como mineração, agronegócio, exploração madeireira e construção de rodovias. Para isso, defendem a facilitação de liberações de licenças ambientais que garantam e ampliem os direitos dos setores econômicos que agrupam esses empreendimentos.

 

Silvia Elena, secretária de Direitos Humanos do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), uma das mais antigas organizações dos povos tradicionais da Amazônia, afirma que essa antipolítica ambiental tem diminuído os direitos das populações locais e deixando-as mais vulneráveis.

 

“A desburocratização das licenças ambientais só vai servir para os madeireiros e fazendeiros destruírem os territórios tradicionais de forma mais rápida. Isso é uma grande ameaça para as populações tradicionais que já sofrem com tantas coisas, aumenta ainda mais as preocupações”, diz Silvia Elena, que mora em Manicoré, um dos municípios do sul do Amazonas mais ameaçados pelo desmatamento.

 

No que diz respeito à política socioambiental, não existe distinção entre Wilson Lima (União Brasil), Amazonino Mendes (Cidadania) e Eduardo Braga (MPB). A Amazônia Real estudou os programas dos três candidatos e não encontrou proposta em defesa da floresta para o Estado onde o desmatamento avançou de forma assustadora e as queimadas e incêndios florestais cresceram desde 2019. O sul do Amazonas, onde estão cidades como Apuí, Manicoré, Lábrea, Humaitá e Novo Aripuanã, registra altos índices de queimadas desde agosto deste ano.

 

Candidato à reeleição no Amazonas, Wilson Lima, de 46 anos, tem apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL). Em junho deste ano, Lima criticou ações ambientalistas e disse ser contra a criação de uma reserva extrativista em Manicoré. Na mesma ocasião, Lima defendeu a exploração de ouro no rio Madeira, na mesma cidade, onde há uma grande quantidade de balsas de garimpo que afetam as populações e já se tem registro de contaminação por mercúrio.

 

Wilson Lima tem apoiado frequentemente a empresa Potássio do Brasil, que pretende explorar silvinita (principal matéria do potássio) na Amazônia. Em junho de 2022, o então governador recebeu na sede do governo o presidente da empresa, Adriano Espeschit, para o qual declarou que irá mobilizar uma equipe técnica do Estado, junto dos órgãos competentes, para promover a mineração no município de Autazes (a 113 quilômetros de Manaus).

 

Em seu plano de governo no trecho de uso dos recursos naturais, produção agrícola de pecuária, Wilson Lima promete fortalecer o agronegócio e “agilizar a análise dos pedidos de licenciamento ambiental das áreas produtivas, reduzindo o tempo e custo para produtores e empresários do setor primário”.

 

Amazonino Mendes tem 82 anos e é veterano da política amazonense. Com uma trajetória marcada pelos ataques à política ambiental, ele tenta o quarto mandato como governador. Há 25 anos, ele propôs a distribuição de motosserra como política de desenvolvimento para povos da floresta. A última administração foi em 2017, quando se elegeu para um mandato tampão, após a cassação de José Melo.

 

Embora faça referência ao termo “licenciamento ambiental” em seu programa, Amazonino Mendes utiliza as palavras para justificar seus projetos de incentivo à produção agrícola e à pecuária. No único trecho dedicado à pauta ambiental, ele diz em duas linhas: “Otimização do licenciamento ambiental e captação de recursos a partir da floresta em pé garantindo o desenvolvimento com sustentabilidade”.

 

Mesmo sem um plano de mineração, o ex-governador Amazonino Mendes é um contumaz apoiador da atividade. Em 2017, após garimpeiros incendiarem os prédios do Ibama e do ICMBio, em Humaitá, ele liberou Licenças de Operação Ambiental (LOA’s) para exploração de ouro no rio Madeira às cooperativas, sem estudos prévios.

 

Desde então, o garimpo no rio Madeira segue crescendo mesmo com a proibição da Justiça Federal. Em 2021, mais de 300 balsas de garimpo estiveram na região de Rosarinho, que em duas semanas já possuía cerca de 1,8 mil garimpeiros no município.

 

Eduardo Braga, de 61 anos, foi ministro de Minas e Energia no governo de Dilma Roussef (PT), e tem apoio de Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, mantém a mesma tradição política desenvolvimentista de seus oponentes. Em contradição à campanha de Lula, que declarou ser contra mineração em terra indígena, em uma das propagandas eleitorais, Braga defendeu a exploração da silvinita, mas não mencionou que a reserva do minério fica dentro da Terra Indígena Soares/Urucurituba, do povo Mura, em Autazes, conforme a Amazônia Real revelou. Os Mura reivindicam demarcação desde 2003. No último 12, a Justiça Federal determinou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) inicie os estudos da área.

 

“O nosso plano prevê que o Amazonas se torne uma potência no fornecimento de fertilizantes para todo o Brasil. Vamos gerar milhares de empregos com a produção de fertilizantes a partir do gás natural e de minérios como silvinita, que temos em abundância”, afirma o ex-ministro de Dilma.

 

Braga também incentiva de forma direta o mineraçãocomo fonte de geração de renda. Seu plano de governo possui a seguinte proposta: “Exploração dos produtos florestais madeireiros e não madeireiros de forma racional e inteligente com tecnologias inovadoras para transformar o interior do Amazonas em polos descentralizados de emprego e renda na macro e na microeconomia”.

 

As “tecnologias” que deverão ser utilizadas não são explicadas. O plano do candidato é baseado em um texto discursivo, que traz dados, mas não pontua propostas objetivas ou em tópicos.

 

“A mineração é um grande problema para o Amazonas, começando pela saúde das pessoas, que são contaminadas pelo mercúrio, e depois pelo desmatamento, assoreamento de rios e igarapés, poluição, prostituição, aumento do uso de drogas ilícitas, bebidas alcoólicas. Eu vejo a mineração como um grande problema e como solução econômica a mineração nunca foi e nem vai ser fundamental para o Amazonas”, frisa Silvia Elena.

 

Economia acima de tudo

 

Mineração ilegal na Terra Indígena Tenharim do Igarapé Preto, no Amazonas ( Foto: Vinícius Mendonça/Ibama)

 

Um resquício do período da ditadura militar, a BR-319 é uma rodovia federal que liga Manaus a Porto Velho e corta pelo meio a floresta amazônica. Desde que Bolsonaro assumiu o poder, esforços vêm sendo somados para finalização do trecho do “meião”, que se refere a 405 quilômetros da rodovia, símbolo de um empreendimento de grave dano ambiental e avanço da grilagem e desmatamento. Em julho, a obra recebeu a licença prévia do governo federal.

 

Eduardo Braga já declarou que deverá apoiar a obra, caso ganhe, para que a rodovia sirva de escoamento de minério e garanta o crescimento do agronegócio na Amazônia. “O mundo dispõe hoje de técnicas e tecnologias atualizadas que permitem transformar silvinita em potássio e garantir ao Amazonas uma participação no mercado do agronegócio brasileiro numa escala de oito a 10 bilhões de dólares em fertilizantes, com baixo impacto ambiental e usando o corredor de logística do rio Madeira e a BR 319 para escoamento”, diz o seu plano.

 

Em 28 de julho de 2022, Eduardo Braga e Wilson Lima comemoraram no Twitter a licença do Ibama emitida autorizando o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes a restaurar o trecho do meio.

 

Para a BR-319, Wilson Lima reforça que trabalhará para “somar esforços com o governo federal para agilizar ações de competência do Estado, visando a recuperação da BR-319, assim como recuperar o sistema viário de comunidades ao longo da estrada”.

 

“A BR-319 é uma bomba-relógio, com a pavimentação sem fiscalização nem as unidades de conservação vão ser respeitadas, na verdade a grilagem já está acontecendo, a violência com certeza vai aumentar, e a agropecuária está se iniciando, é uma questão de tempo e quem vai sofrer com isso e o povo que passou a vida preservando”, conta Silvia Elena, que têm acompanhado a pressão feita pelo agronegócio no sul do Amazonas, onde ela vive.

 

Zona Franca em segundo plano

 

Com as constantes ameaças sofridas pelo Parque Industrial de Manaus no governo Bolsonaro, Wilson Lima aposta na mineração como uma solução alternativa para uma eventual substituição da Zona Franca. “A questão mineral é algo que é fundamental para o Estado do Amazonas. É o que vai fazer frente também à Zona Franca de Manaus. É importante a gente ter a Zona Franca, mas é necessário que a gente encontre outras atividades que possam ser complementares ao modelo, porque a Zona Franca não é eterna”, disse Wilson Lima durante reunião com o diretor da Potássio Brasil.

 

Em contradição ao próprio discurso, um post publicado em 25 de agosto nas redes sociais a respeito da revogação de itens prejudiciais ao Amazonas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Wilson Lima afirmou que “o respeito à Zona Franca de Manaus é vitória para os trabalhadores” e que estará “sempre atento e pronto para defender os interesses do povo amazonense”.

 

Como “alternativa” ao desenvolvimento do estado, Amazonino e Wilson Lima propõem, sem explicar como, ingressar e regularizar o mercado de carbono, que nada mais é do que um modelo capitalista inspirado na “economia verde” que se desenvolve às custas da devastação ambiental e o desastre ecológico.

 

Ao mesmo tempo em que Eduardo Braga apresenta seu plano de explorar silvinita e outros minérios, o candidato traz a ideia de fortalecer a Zona Franca “adaptando o atual modelo às novas fronteiras da economia global, voltando-se para novos produtos, para a biodiversidade e para a indústria da transformação”. O projeto cita a prorrogação da Zona Franca até 2023, e mais tarde até 2073, tendo “em vista uma transição planejada, em que as bases da economia do estado estariam alicerçadas na diversificação das novas matrizes econômicas”.

 

As novas “matrizes econômicas”, apresentadas por Braga, no entanto, aparentemente referem-se à mineração, já que o mesmo utiliza a palavra tecnologia para tal prática.

 

Cúmplices na falta de oxigênio

 

Governador e candidato à reeleição, Wilson Lima, ao lado de Jair Bolsonaro, em Manaus (Foto: Divulgação/Secom-AM)

 

Na última quinta-feira (22), Wilson Lima marcou presença em comício de Bolsonaro, em Manaus, com apoiadores da ultradireita brasileira. “Jair Bolsonaro em Manaus, é daqui pra melhor”, diz o post publicado em sua rede social. No evento, o presidente declarou apoio ao governador que tenta a reeleição, mas este foi rechaçado por grande parte dos presentes. “Aqui, no Estado do Amazonas eu fico com Wilson Lima pela reeleição”, afirmou Bolsonaro.

 

Wilson Lima chega ao final do mandato com um marco histórico negativo sem precedentes: o fato do Amazonas ter sido o epicentro da pandemia da Covid-19. As duas grandes ondas, as mortes por falta de oxigênio e a ausência de Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) em todo o interior do Estado retiraram o véu da realidade da política de saúde, desconhecida em grande parte do País.

 

“Foi a gestão mais desumana e catastrófica que temos conhecimento, não apenas no Brasil, mas em escala mundial. As duas tragédias seguidas, de 2020 e de 2021, chocaram o Brasil e a humanidade com enterros coletivos e centenas de mortes por asfixia dentro e fora de hospitais. No entanto, nada disso foi suficiente para que fosse dado um basta na gestão negligente e criminosa da epidemia no Amazonas”, diz o epidemiologista da Fiocruz Amazônia Jesem Orellana.

 

Lima tornou-se réu em 20 de setembro de 2020 no julgamento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e é alvo da Operação Sangria, sendo investigado pela compra fraudulenta de 28 respiradores em uma loja de vinho durante a primeira onda de Covid-19.

 

Apesar de apenas Lima ter sido vaiado no comício de Bolsonaro, o descaso e a negligência do Estado brasileiro durante a pandemia se estendeu ao governo de Bolsonaro, que preferiu incentivar medicamentos sem comprovação científica e atrasar a vacina.

 

A Bolsonaro, foram atribuídos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, os crimes de prevaricação; charlatanismo; epidemia com resultado morte; infração a medidas sanitárias preventivas; emprego irregular de verba pública; incitação ao crime; falsificação de documentos particulares; crime de responsabilidade e crimes contra a humanidade. Ao total, 78 pessoas e 2 empresas foram indiciadas.

 

O atual governador responde pelos crimes de licitação fraudulenta, dispensa de licitação, crime de formação de organização criminosa e por embaraço à investigação. Mesmo réu, não foi afastado do cargo, sendo enquadrado também por causar epidemia e emissão. Atualmente, Lima diz em campanha que foi o primeiro governador a levar leitos de UTI para o interior.

 

Orellana afirma que esta afirmação é falácia eleitoreira, já que até os dias atuais os leitos UTI adulto tipo II nos municípios de Parintins, Tabatinga e Tefé, assim como os de UTI neonatal tipo II de Parintins, não foram formalmente habilitados pelo Ministério da Saúde. “Um sinal claro de que se trata de improviso eleitoreiro e que esses leitos não atendem a critérios mínimos de qualidade e resolutividade”, diz.

 

Segundo ele, o que tem em termos de interiorização desse nível assistencial é a “dispersão minguada de algumas unidades de cuidados intermediários habilitadas pelo Ministério da Saúde, em cerca de meia dúzia de municípios do interior”.

 

Povos originários ignorados

 


Placa da mineradora Potássio do Brasil nas margens do Rio Madeira, na comunidade indígena Urucurituba, do povo Mura (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)


O Amazonas é o Estado com a maior população indígena do país, mas os três candidatos sequer mencionam políticas indigenistas em seus programas. Na estrutura do governo do Amazonas, existe a Fundação Estadual dos Povos Indígenas (FEPI), um órgão que já teve status de secretaria, mas foi rebaixado e hoje se mantém com um orçamento modesto que limita sua atuação.

 

Para os três candidatos, indígenas e outros grupos tradicionais, como ribeirinhos, pescadores, extrativistas e quilombolas, são inexistentes. Nas duas linhas dedicadas aos povos indígenas, Amazonino Mendes repete uma política assimilacionistas, ao propor a “inserção dos indígenas nos processos de desenvolvimento desenvolvimento econômico e fortalecimento de ações que visem à preservação e valorização da sua cultura e do meio ambiente”.

 

Enquanto que para Wilson Lima o único projeto voltado para as populações tradicionais é o “Ribeirinho Seguro”, que visa fazer patrulhamento pluvial.” O plano não faz menção a povos indígenas e quilombolas. O atual governador disse que deverá desenvolver cadeias produtivas nas Unidades de Conservação (UCs) visando “fortalecer a economia do Estado”, sem citar como irá garantir que grandes áreas não sejam desmatadas.

 

Eduardo Braga cita os indígenas apenas de forma genérica, com outros grupos sociais, tais como crianças, idosos, pessoas com deficiência e mulheres.

 

Para Silvia Elena, a exclusão de defensores da floresta e outros grupos sociais e ambientais é a prova que os políticos e candidatos desrespeitam as populações tradicionais.

 

“Eles não lembram que as populações tradicionais existem, e não querem fazer nada para esses povos. Deveria ser pauta de governo porque o mundo precisa da Amazônia para sobreviver, e a falta dessas políticas não só vai prejudicar a Amazônia, mas o resto do país, e principalmente a vida de milhares de territórios extrativistas ribeirinhos, indígenas e quilombolas”, conclui Silvia Elena.

 

A reportagem da Amazônia Real enviou perguntas para as assessorias de comunicação das campanhas dos três candidatos, mas não obteve respostas até a publicação desta matéria.

 

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