Metaverso, de volta para o futuro. Entrevista com Marco Cadioli

Foto: Tumisu | Pixabay

27 Agosto 2022

 

Marco Cadioli (Milão, Itália, 1960) é um artista que vem refletindo sobre as implicações culturais e estéticas das novas tecnologias desde os anos 1990. As suas obras têm explorado as linguagens da rede, a relação entre real e virtual, e as novas fronteiras da inteligência artificial. No início dos anos 2000, ele foi um dos protagonistas da cena artística no Second Life.

 

Conversamos com ele sobre o presente e o futuro dos mundos virtuais.

 

A reportagem é de Valentina Tanni, publicada em Artribune, 17-08-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis a entrevista.

 

Você foi um dos pioneiros na exploração dos mundos virtuais online, especialmente nos tempos do Second Life. O que você acha do “retorno” das atenções para esse tipo de plataforma?

 

Os holofotes sobre os mundos virtuais se acenderam de repente em outubro de 2021, com o rebranding do Facebook como Meta e com o anúncio de Zuckerberg de grandes investimentos no desenvolvimento do seu próprio metaverso, Horizon Worlds. A Microsoft está se movendo na mesma direção, com a plataforma Microsoft Mesh, anunciada em novembro de 2021 e que estará disponível em 2022, e a Nvidia também está desenvolvendo o seu metaverso, chamado Omniverse, atualmente em open beta. Não se trata mais de uma única experiência experimental como a do Second Life, mas do desenvolvimento simultâneo de diversas plataformas que se somam a algumas já existentes.

 

O que mudou desde então?

 

O contexto geral é muito diferente daquele de 2005, quando começou o fenômeno do Second Life: todos têm máquinas mais potentes, uma conexão rápida e uma familiaridade com relações online fortalecidas durante o lockdown. As videochamadas rapidamente se tornaram um padrão, e a pergunta é se e quando acharemos mais cômodo substituí-las por encontros entre avatares. Os anúncios que são feitos e aquilo que a imprensa costuma escrever dão a ideia de algo completamente novo, mas, na realidade, muitas dessas ideias já foram exploradas ao longo dos anos, dentro dos videogames e das plataformas 3D.

 

Como você definiria o conceito atual de metaverso?

 

O metaverso hoje pode ser pensado como um conjunto de mundos virtuais 3D compartilhados e imersivos, o que inclui muitíssimas plataformas, algumas das quais já estão presentes há anos e só se tornaram conhecidas nos últimos meses, como Decentraland, The Sandbox, Roblox. E o discurso hoje está muitas vezes ligado às blockchains e às criptomoedas: cada metaverso tem seu próprio token para a compra de bens digitais, como objetos, avatares, acessórios, mas também porções de terreno, razão pela qual, após os anúncios de outubro, assistimos a um aumento vertiginoso no valor, por exemplo, do Mana, a moeda do Decentraland, e do Sand, a moeda do The Sandbox, apenas para logo depois ocorrer recaídas repentinas e, em geral, uma tendência de valor flutuante. E há muitos outros mundos emergentes, ligados também ao mundo cripto, como RedFox (RFOX), Alien Worlds (TLM), Star Atlas (ATLAS), Ufo Gaming (UFO), The Nemesis, em um panorama em contínua evolução, em que blockchain, finanças, NFTs e os jogos se sobrepõem e se misturam.

 

Foto: WorldSpectrum | Pixabay

 

Qual é a relação entre esses mundos e a rede?

 

Acho que a rede está em constante evolução, e, assim como passamos do modelo da primeira internet para o modelo da Web 2.0, com o nascimento de serviços e plataformas sociais, agora estamos passando progressivamente para a Web 3.0. Eu não gosto dessas definições numéricas nem penso em saltos bruscos na evolução, mas isso ajuda a definir macroperíodos na história da rede. Agora, estamos assistindo à convergência de tecnologias como realidade aumentada, realidade virtual, blockchain, criptomoedas, NFT, que prometem novas formas de viver a rede, com novas plataformas ao lado das já presentes. É uma fase inicial, confusa e que, para além das proclamações das Big Techs, merece ser observada.

 

Você percebe alguma diferença substancial entre os ambientes que frequentava há 15 anos e os atuais?

 

Entrando nos atuais mundos virtuais, não encontramos ideias particularmente novas. Há uma tendência repetitiva de reconstruir a realidade, os seus espaços e as suas dinâmicas. Muitas vezes, são mundos construídos sobre a estética do videogame, mas, como se trata de muitos mundos diferentes, é difícil fazer um raciocínio unívoco. Fala-se muito da posse da terra, com o seu valor que varia com base na proximidade do centro, como no mercado imobiliário, mas ninguém pode realmente prever qual dos vários mundos vai realmente ser povoado e quais ficarão vazios, como as cidades construídas nas quais depois ninguém mora. Neste momento, há realmente muito poucas pessoas online, e você se encontra vagando em grandes espaços vazios. Estamos assistindo à entrada das empresas que constroem os seus mundos de marca, como Nike e Vans no Roblox, por exemplo, com ambientes baseados no esporte e produtos oferecidos aos avatares. Em muitos mundos virtuais hoje, você entra se tiver uma digital wallet, e a posse de criptomoedas parece o modo para definir a sua identidade.

 

E o Second Life, por sua vez, como era?

 

Em 2005, era um mundo exótico, uma ilha incontaminada e utópica, enquanto o atual desenvolvimento já parte declaradamente ligado aos negócios, às criptomoedas, a ambientes muitas vezes pensados e desenvolvidos pelas Big Techs. É importante que o metaverso, por sua vez, permaneça o mais aberto possível, longe do modelo de ambientes hipercentralizados e geridos por poucos, como as mídias sociais. Por enquanto, não vejo muita criatividade na construção dos mundos virtuais, mas estamos realmente apenas no início, e, se houver uma continuação, há todas as competências para criar espaços realmente interessantes. Ao longo dos anos, já houve um debate sobre a construção de lugares aos moldes dos avatares, afinal é um problema de design. Eu vejo soluções interessantes nas construções 3D de arquitetos experimentais, que por enquanto não podem ser visitadas online, mas que definitivamente estão à frente em termos de imaginação.

 

 

Os avatares mudaram?

 

Eu não acho que tenham mudado muito, mas na realidade não é possível dar uma resposta unívoca, porque, em cada ambiente, eles são desenhados de forma diferente. Você passa de avatares em estilo desenho animado a avatares pixelados em estilo Minecraft, passando por tentativas de mapear o seu rosto real para o do avatar. São experimentadas soluções híbridas, como a associação de um box com a webcam ao vivo em cima do próprio avatar, para que você se veja como um avatar, mas falando como em uma videochamada. No Horizon, assim como no Spatial e no mundo da Microsoft, os avatares só têm a parte superior do corpo. É claro que as pernas não servem para se mover no metaverso, mas essa remoção da parte do corpo da cintura para baixo me parece levar também a outros significados possíveis. Em vez disso, todo o restante é deixado para o mercado, que desenvolve avatares sofisticados que devem ser comprados como bens digitais. O problema de como se mover com um único avatar entre os vários mundos continua em aberto, e é um problema que, na realidade, diz respeito a todos os outros bens digitais. Tecnicamente, fala-se de interoperabilidade, e será um problema real se mover e transportar as próprias coisas de um mundo para outro. Por enquanto, trata-se ainda de mundos individuais fechados em si mesmos, muito distantes da ideia de internet que construímos como um único espaço para navegar.

 

Como você acha que esses mundos podem hospedar e favorecer projetos artísticos?

 

Ainda durante o lockdown, instituições, feiras e galerias buscaram soluções para o fechamento dos espaços físicos, e vimos salas de exposição, debates no Instagram e no Zoom, e mil outras formas de presença na rede. Essas experiências podem continuar também em períodos de reabertura, ao lado dos eventos e das mostras reais, experimentando novas formas de participação. Não é evidente que isso ocorra, não para tudo e para todos, mas poderia haver situações em que percebemos como mais vantajoso explorar espaços 3D imersivos do que outras formas. Na minha opinião, a arte, com as suas exigências expositivas, relações espaciais entre obras e visitantes, questões de dimensões e disposição das obras, pode ser um dos setores envolvidos. Devemos nos fazer perguntas simples e básicas como: funciona melhor ver as obras em um site tradicional ou em uma galeria virtual? É mais eficaz acompanhar um debate em streaming ou se reunir em uma sala com o próprio avatar e uma webcam ligada e caminhar juntos entre as obras sobre as quais estamos falando? A contraposição não é entre realidade e virtualidade. Obviamente, se estamos presentes em uma mostra ou em um evento, o problema não se levanta, mas devemos experimentar entre as possíveis formas que o virtual assume, escolhendo as mais adequadas.

 

Você viu algo de interessante nos últimos meses?

 

No Decentraland, por exemplo, a partir de junho de 2021, a Sotheby’s abriu uma sede cópia da sua sede física e, em novembro, organizou o leilão de duas obras de Banksy. Também no Decentraland, ocorreu a exposição Digital Embodiment, de Marjan Moghaddam, com curadoria de Filippo Lorenzin e Serena Tabacchi, um dos fundadores do MOCDA, o Museum Of Contemporary Digital Art. E também a mostra Travel Diary, com curadoria de Sonia Belfiore para a plataforma nova-iorquina Snark.art, inaugurada com oito artistas italianos em março de 2021. Em geral, estamos na fase em que a mostra organizada no metaverso ainda vira notícia em si mesma. Acho que deve ser retomada uma história de anos de experiências disseminadas na curadoria de exposições online e na busca de formas expositivas e colaborativas na web, em que a difusão de espaços 3D de agora constitui um desenvolvimento em continuidade, e não uma novidade a ser “queimada” às pressas.

 

Foto: Kan-art | Pixabay

 

E o que os artistas estão fazendo?

 

Ainda não vejo uma comunidade de artistas que se reúna para experimentar especificamente as potencialidades desses ambientes, como já ocorreu no início do século XXI com as primeiras experiências dos Neen, e depois no Second Life com grupos como o Second Front, ou as experiências na Gallery A na ilha da Odyssey, onde, por volta de 2007, ocorriam regularmente exposições e eventos, e onde nasceram as Synthetic Perfomances de Eva e Franco Mattes, para citar um exemplo. Agora, o panorama das exposições dos mundos virtuais é dominado pelos NFTs, mas aqui se abriria outro longo discurso...

 

Você já quis experimentar os mundos virtuais novamente? Você tem alguma ideia na gaveta?

 

Sim, Marco Manray, o meu avatar de sempre, já está presente em alguns desses mundos e continua documentando o que acontece. De alguma forma, o projeto de contar o nascimento do metaverso, que começou em 2005, quando entrei pela primeira vez no Second Life, voltou a ser atual justamente para evidenciar uma linha de desenvolvimento, uma história do metaverso que existe. As imagens que eu tirava do nascimento do metaverso, tanto no Second Life, mas também no mundo virtual chinês, ou nas primeiras experiências do Mirror World anteriores ao Google Earth, talvez tenham adquirido um valor histórico depois de mais de 15 anos. Também estou fazendo novos trabalhos. Estou curioso para saber como algumas metáforas foram escolhidas nesses mundos emergentes, por exemplo. Na entrada do Decentraland, há um grande redemoinho de água no qual é preciso mergulhar para entrar. Durante os dias de boom após o anúncio de Zuckerberg, eu fiquei gravando um vídeo das pessoas que estavam entrando no metaverso pela primeira vez, metaforicamente se jogando no redemoinho, e isso me parece simbólico do momento atual.

 

Leia mais