Afeganistão. A guerra contra as mulheres

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05 Agosto 2022

 

Casamentos forçados, proibição de acesso ao ensino secundário, liberdade de ir e vir dificultada… As mulheres são as primeiras vítimas do retorno dos fundamentalistas ao poder em Cabul.

 

A reportagem é de Cécile Prieur, publicada por L’Obs, 03-08-2022. A tradução é do Cepat.

 

Elas têm os olhos cândidos e suplicantes de crianças cujas vidas estão prestes a mudar. Elas têm apenas 8 ou 5 anos, às vezes apenas 3, e sabem vagamente que sua infância já foi sacrificada. Forçadas a se casar pelos seus pais por algumas centenas de euros, essas meninas afegãs de olhos pungentes encarnam a tragédia de um país inteiro, sofrendo o duplo jugo da miséria e da tragédia de nascer menina.

 

Em um Afeganistão devastado por anos de guerra e seca, que está mais uma vez vivendo sob o peso do Talibã, os casamentos forçados explodiram nos últimos meses, como testemunhado por nossos correspondentes especiais em uma reportagem verdadeiramente alucinante. É um verdadeiro flagelo social alimentado pela catástrofe humanitária que o país está vivendo e que o Talibã absolutamente gostaria de esconder dos olhos do mundo. É também o símbolo da regressão sem precedentes que as mulheres afegãs estão sofrendo hoje, vítimas do pior retrocesso em seus direitos e liberdades em décadas.

 

Há um ano, o mundo assistiu, estupefato, à derrota das forças americanas, que lamentavelmente pôs fim a mais de 20 anos de presença ocidental no Afeganistão. Na esteira das forças aliadas, que expulsaram o primeiro regime talibã do poder após os ataques de 11 de setembro, o antigo governo de Ashraf Ghani entrou em colapso. O Talibã retomou Cabul ao triunfar e acabou com os esforços para educar e emancipar as mulheres. No entanto, tendo se tornado essenciais para a reconstrução do país, são elas que, sem nenhuma surpresa, pagaram o preço mais alto durante o retorno dos islamistas. Seu patriarcado feroz e retrógrado varreu em poucos meses o progresso que havia sido feito nas últimas duas décadas.

 

Uma política cruel e imoral

 

Os "novos" talibãs, que quiseram fazer crer falsamente que haviam mudado, têm uma única obsessão: a aplicação da sharia, o estabelecimento da ordem moral mais rígida e o sumiço das mulheres do espaço público. As últimas esperanças de normalização do regime foram assim frustradas em março deste ano, quando se recusaram a reabrir o ensino médio para as meninas – aqui vêm a memória as imagens chocantes de meninas de Cabul, aos prantos, que foram forçadas a voltar para casa ao se depararem com as portas fechadas das suas escolas.

 

Nas guerras entre facções do próprio Talibã, esta decisão selou a vitória da linha dura, longe de qualquer compromisso com a comunidade internacional. Desde então, o regime continuou se endurecendo e contrariando o compromisso de seus líderes de não reproduzir as regras medievais que já haviam imposto entre 1996 e 2001. Os talibãs, pelo contrário, multiplicaram as proibições, como a obrigatoriedade do uso da burca para as mulheres nos espaços públicos ou a proibição de trabalhar. Ao mesmo tempo, deixaram o país à deriva, já que a ajuda internacional foi completamente cortada.

 

Essa política não é apenas cruel e imoral, mas também ineficaz e perigosa para o Afeganistão. Nos últimos anos, as mulheres começaram a ganhar um lugar na sociedade: sua exclusão do espaço público coloca em risco muitas famílias, que não podem prescindir da sua força econômica. O Talibã faria bem em pensar nisso, ele que ainda é evitado pela comunidade internacional – nenhum país reconheceu seu regime, mesmo nações aliadas como a Rússia, a China ou o Paquistão. Enquanto não concederem direitos mínimos a todos, incluindo a educação, não poderão reivindicar o retorno da ajuda internacional, essencial para combater a pobreza desenfreada. É, portanto, essencial apoiar os esforços da ONU para pressionar o regime talibã. O Ocidente não pode esquecer sua antiquada guerra contra as mulheres.

 

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