11 Julho 2022
Poucas semanas depois de ser revelado que ele era gay, a participação de um cantor católico brasileiro em um festival de música católica foi cancelada.
Desde 2012, Bruno Camurati cantou várias vezes no Festival Halleluya, uma série de shows organizados pela comunidade católica brasileira Shalom, que faz parte do movimento Renovação Carismática Católica (RCC).
A reportagem é de Eduardo Campos Lima, publicada por Crux, 10-07-2022.
Camurati disse que nenhum motivo foi dado pelos promotores para cancelar sua apresentação, marcada para 23 de julho. Já havia sido anunciado, e seus fãs estavam esperando para comparecer.
Uma representação artística de um cartaz para a participação de Bruno Camurati no Halleluya Festival no Brasil. (Foto: Fornecido por Bruno Camurati.)
“Assim que fiz minha declaração online [ser homossexual], eles me excluíram sem nenhum esclarecimento. Oficialmente, eles não mencionaram nada. Mas podemos imaginar quais foram os motivos deles”, disse ao Crux.
Ver essa foto no Instagram
Vários internautas fizeram comentários nas redes sociais do festival, muitos deles incisivamente. Ele teve que pedir a seus fãs que tivessem “respeito, amor e bondade” e repudiou a “raiva generalizada”.
“Eu já imaginava que isso poderia acontecer. Outros shows também foram cancelados, esse não foi o único”, disse.
Membro dos Legionários de Cristo na juventude, Camurati deixou o grupo em 2005, aos 24 anos, e começou a cantar nas paróquias.
“Compreendi que era o meu apostolado. Comecei também a trabalhar com teatro. Desde então, tive principalmente uma experiência paroquial como católica. E também me apresentei em várias paróquias”, disse ele.
Como cantor e compositor, Camurati gravou quatro discos e conquistou seguidores ao criar momentos íntimos de reflexão na música. Várias de suas composições acabaram ficando famosas entre os católicos e sua Canção de Pedro tem mais de um milhão de visualizações no YouTube.
Ele nunca esteve próximo do movimento RCC, mas costuma se apresentar em seus festivais.
“Não sou um cantor 'carismático' ou 'evangelho'. Mas a maioria dos artistas católicos no Brasil acaba perto da RCC, porque 'música católica' e 'RCC' são quase sinônimos aqui”, explicou. Apesar das diferenças de estilo e visões religiosas, muitos adeptos da RCC tornaram-se fãs de Camurati.
Mas a maioria dos apoiadores que atraiu ao longo dos anos não são católicos conservadores, disse ele, e é por isso que decidiu que era o momento de falar sobre sua sexualidade.
“Sempre trabalhei com temas humanos como aceitação, misericórdia, acolhimento – e também hipocrisia, farisaísmo, vaidade. Vi que as pessoas entendiam o meu trabalho e que eu tinha que lidar com essa questão”, disse.
A revelação em si não gerou muita reação. Ele veio logo depois que o cantor do CCR Gil Monteiro também saiu do armário.
No entanto, quando o Festival Halleluya cancelou sua aparição, Camurati disse que “se tornou uma história de retaliação e muitas pessoas se sentiram indignadas”.
O padre jesuíta Bruno Franguelli, um conhecido ativista de direitos humanos no Brasil, disse estar indignado ao saber do cancelamento de shows e lembrou seus seguidores da “condenação do Papa Francisco à cultura diabólica do descarte e à discriminação”.
“O papa é muito claro quando exige o respeito e o acolhimento dos homossexuais por parte de suas famílias e da Igreja”, acrescentou em um post nas redes sociais.
Ele lembrou que historicamente a igreja se beneficiou das obras de arte produzidas por pessoas atraídas por pessoas do mesmo sexo, nomeando o artista Leonardo da Vinci.
“Não estou dizendo isso para criar polêmica. Esses exemplos nos ajudam a afirmar que a Igreja encomendou esses artistas para deixar suas marcas em lugares preciosos para o cristianismo”, disse ele.
“Bruno, nesse sentido, é um artista que produz beleza, uma beleza na qual se combinam humanidade, fé e arte”, disse Franguelli.
“Conheço o Bruno há bastante tempo, e ele é um excelente cantor e compositor. Ele também é um homem de fé cujas canções transpiram sua experiência com Deus. Canção de Pedro é cantada até nas ordenações presbiterais”, disse o padre ao Crux.
Camurati também recebeu apoio da Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT.
O coordenador do grupo, Luís Rabello, disse que têm estado em contato tanto com ele como com Monteiro, e disse que os cantores pretendem continuar a fazer o mesmo trabalho que sempre fizeram.
“Eles acabaram ganhando mais fama com tudo isso. E não temem receber menos convites para se apresentar. Se algumas portas estão sendo fechadas, outras estão sendo abertas para eles”, disse Rabello ao Crux.
Camurati disse acreditar que o Papa Francisco vem mudando a realidade de muitas pessoas que estavam distantes da Igreja “abrindo as portas para todos”.
“Essa é a mensagem do Evangelho que quero continuar divulgando a todos. Muitas pessoas se sentiram tocadas pelo meu trabalho e meu testemunho”, disse ele.