Crer em Deus e crer em Jesus hoje a partir de um paradigma pluralista e pós-moderno

Nesta sexta-feira, 01-07-2022, o teólogo espanhol José Arregi participa do Ciclo de Estudos: O cristianismo no contexto das transformações socioculturais e religiosas contemporâneas, promovido pelo IHU

Foto: Pixabay

Por: Patricia Fachin | 01 Julho 2022

 

Ao longo dos seus mais de 60 anos, o teólogo José Arregi, professor da Universidade de Deusto, na Espanha, viveu épocas culturais bastante diferentes entre si e todas elas tiveram um impacto sobre a sua maneira de ser crente, de se sentir Igreja e de rezar o Credo. Ele próprio narra a influência que as transformações culturais tiveram sobre sua fé no livro Mi Iglesia y mi Credo. Reflexiones sobre un cristianismo creíble para hoy (Ed. Credo, 2013), cujo prologo foi publicado na revista Adista Documenti, em 2014, e reproduzido na página eletrônica do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Ele resume:

 

"Durante quase 20 anos, a minha fé foi totalmente pré-moderna: a Terra era o centro do universo presidido por Deus, Deus era o Ser e o Senhor Supremo, a Bíblia e os dogmas haviam sido diretamente revelados por Deus, o sagrado era superior a todo o profano, ser sacerdote era o que havia de maior, o pecado mortal era o mais terrível, e o papa sempre tinha a última palavra.

 

O estudo da filosofia e da teologia trouxe consigo a dúvida, não isenta de angústias: era preciso reconciliar – não poucas vezes um pouco desesperadamente – a filosofia com a teologia, a fé com a razão, o teocentrismo com o antropocentrismo, o poder de Deus com a liberdade humana, a graça com a responsabilidade, o sagrado com o profano, a transformação política do mundo com a esperança do 'mais além', a verdade com a tolerância, a religião com a laicidade, a encarnação única de Deus com o respeito às religiões não cristãs. Tive que modernizar o meu Credo.

 

Mas, quando eu acreditei tê-lo alcançado mais ou menos durante os meus quatro anos do Instituto Católico de Paris, outro mundo se abria para mim ou, melhor, se impunha a mim. Um dos desencadeadores decisivos foi o processo de elaboração da tese doutoral sobre a relação do cristianismo com outras religiões a partir do teólogo suíço Hans Urs von Balthasar.

 

Três mundos se confrontaram entre si dentro de mim: a teologia basicamente pré-moderna de Von Balthasar (o cristianismo é a única religião revelada ou ao menos a uma religião da encarnação histórica de Deus), a teologia moderna de Rahner (o cristianismo é a culminação histórica da revelação e da encarnação de Deus, que também se dá nas outras religiões) e a teologia claramente 'pós-moderna' de Panikkar (Deus tem muitos nomes e se encarna também de muitas maneiras em todas as culturas e religiões).

 

Optei pelo terceiro modelo, principalmente porque os outros me encerravam em um beco sem saída e sem respiro. Mas o paradigma pluralista também era, por sua vez, como um salto no escuro, de modo que não havia paz em mim (eu também não a tive no tribunal perante o qual apresentei a tese, em janeiro de 1991)".

 

 


(Foto: Reprodução)

 

Em sua adesão a um paradigma teológico pluralista, Arregi incluiu os paradigmas ecológico e liberacionista, e formulou suas próprias compreensões sobre Deus, o ser humano e Jesus. "Deus não é um Ente, é a alma e o coração do universo em expansão e em criação permanente sem centro algum; é o Espírito ou a Ruah da paz e do consolo, que geme na humanidade e em todas as criaturas; até a plena libertação, até a plena criação". A espécie humana, acrescenta, "que apareceu há nada mais do que 200 mil anos neste precioso planeta verde e azul, não é nem o centro, nem o ápice da criação, nem sequer o centro e o ápice deste planeta, mas é – nada mais, nada menos – uma manifestação maravilhosa e ainda inacabada da criação em marcha, com um cérebro triplo – de réptil, mamífero e humano – não muito bem coordenados entre si, que não lhe permite mais do que uma consciência ainda muito dormente e uma paz muito frágil". Jesus, por sua vez, "é um indivíduo admirável dessa nossa pobre e maravilhosa espécie humana: foi e continua sendo – porque a Vida que se dá não morre – profeta, ou sacramento, ou símbolo, ou encarnação da Compaixão libertadora e criadora; viveu a indignação e a paz, a rebeldia e a esperança; não lhe importou a religião, mas sim a misericórdia; não lhe importou a culpa, mas sim a cura; ele não se opõe, nem exclui, nem inclui nenhum outro sacramento da Compaixão divina e será plenamente Cristo, ou Messias, ou libertador, em comunhão com todos os profetas e libertadores do passado e do futuro, quando todos os sonhos que ele chamava de "reino de Deus" se cumpram totalmente".

 

Nesta sexta-feira, 01-07-2022, José Arregi Olaizola ministrará a palestra virtual no Instituto Humanitas Unisinos - IHU justamente sobre "Crer em Deus e crer em Jesus hoje: para além das crenças" durante o Ciclo de Estudos: O cristianismo no contexto das transformações socioculturais e religiosas contemporâneas. O evento será transmitido na página eletrônica do IHU, nas redes sociais e no Canal do IHU no YouTube às 10h.

 

 José Arregi Olaizola (Foto: M. Mielniezuk)

 

 

A compreensão do fundador e diretor da revista religiosa Hemen sobre Jesus o fazem postular inúmeras críticas à Igreja, à tradição teológica cristã e a defender uma reforma absoluta a tudo que diz respeito ao mundo católico. Para que a Igreja ainda desempenhe algum papel na sociedade atual, adverte, serão indispensáveis duas condições. "Em primeiro lugar: que ponha a defesa efetiva dos pobres de toda a Terra, como faz o papa Francisco, por cima de todo dogma, rito e norma moral, assuma um paradigma cultural, político e teológico integralmente ecológico e feminista, e aceite radicalmente o princípio da laicidade tanto na ordem sócio-política como espiritual. E, em segundo lugar: que esteja disposta a levar a cabo uma releitura da Bíblia e de toda tradição teológica, mais além de toda letra e de todo significado, uma reinterpretação a fundo de todos seus dogmas e categorias, e uma reforma absoluta do modelo clerical da Igreja. De outro modo, a Igreja institucional não será fermento, testemunha, companheira de caminho e comensal de Emaús... sem isso, a Igreja seguirá se fazendo cada vez mais estranha e alheia a essa sociedade, até se dissolver", declara.

 

Em entrevista ao Religión Digital em 2013, reproduzida no sítio do IHU, Arregi disse que "o mais urgente" a ser feito na Igreja hoje é recuperar "sua verdadeira entranha: o alento e a compaixão. Que recupere o espírito de Jesus, feito de confiança e de misericórdia. Que volte a escutar da boca de Jesus as palavras que, uma vez e outra, pronuncia nos evangelhos: 'Não temais'. Que se volte a ler a parábola do Bom Samaritano e se deixe interpelar e desafiar. Que olhe para as multidões famintas, assim como Jesus, e sinta realmente compaixão, como ele, e se dedique a dar de comer, mais do que a defender dogmas, normas morais e instituições do passado".

 

Mais recentemente, em 2020, ele refletiu sobre o impacto que a pandemia de Covid-19 e seus efeitos poderiam gerar na vida interior e religiosa das pessoas. Apesar de o confinamento ter nos feito sentir "em carne viva nossa fragilidade e vulnerabilidade, nossa finitude, nossa morte", e a nos confrontar com nossos "medos", com a "solidão" e a "morte", adverte, "seria um grande erro pensar que isso vai significar o recrudescimento das formas religiosas tradicionais e, concretamente, da Igreja Católica. É muito possível que muita gente redescubra a profunda necessidade de se olhar mais a fundo a si mesmo, à natureza que somos, ao céu estrelado, de submergir-se no Mistério do que é, de se reconciliar com suas feridas profundas, de reconhecer a necessidade e cuidado e de ternura, de reinventar a economia e a política, de recuperar a paz, o respiro, o alento a nível pessoal e estrutural, a nível econômico, político, planetário, de voltar a sentir que todos somos um e que somente juntos poderemos nos salvar. É muito possível que essa pandemia leve muita gente a redescobrir a necessidade da 'espiritualidade' como profundidade da vida e de todo o real, porém não creio que, ao menos na imensa maioria, voltem a encontrar nas instituições religiosas tradicionais com seus dogmas, ritos e códigos".

 

Próxima conferência

 

A próxima conferência do "Ciclo de Estudos: O cristianismo no contexto das transformações socioculturais e religiosas contemporâneas" será ministrada por Paolo Scquizzato, da Diocese de Pinerolo, na província da capital do PiemonteItália, onde atua na formação espiritual. Intitulada "Espiritualidade cristã em perspectiva pós-teísta", a palestra será transmitida virtualmente no dia 10-08-2022, às 10h.

  


Paolo Scquizzato (Foto: Gabrielli Editori)

 

 

Na página do evento "Ciclo de Estudos: O cristianismo no contexto das transformações socioculturais e religiosas contemporâneas" estão disponíveis as conferências ministradas até o momento. Acesse aqui

 

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