Putin é culpado por ordenar um genocídio na Ucrânia?

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20 Abril 2022

 

O presidente Vladimir Putin, que ordenou uma invasão militar na Ucrânia há quase dois meses, tem sido acusado por alguns líderes mundiais de executar um genocídio.

Mas nem todos estão seguros que essa acusação se sustenta.

Philippe Sands, um jurista franco-britânico e premiado autor de 17 livros sobre direito internacional, acredita que um tribunal especial é necessário para julgar o chefe do Kremlin e seus assessores.

 

A entrevista é de François d’Alançon, publicada por La Croix, 19-04-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

 

Eis a entrevista.

 

Joe Biden acusou Vladimir Putin de executar um genocídio, assim como o presidente Volodymyr Zelensky também acusa. É o tipo de declaração bem vinda ou, ao contrário, do tipo contraprodutiva?

 

Eu entendo muito bem por que Biden e Zelensky usam essa palavra.

Quando o presidente ucraniano começou a fazê-lo, no início de março, foi no sentido político, mais do que no sentido estritamente jurídico, porque no debate público o genocídio é percebido como o pior crime.

Pode ser o mesmo com Biden, que também disse que deixaria especialistas em direito internacional decidirem se o rótulo de genocídio poderia permanecer.

Ao mesmo tempo, não facilita as coisas.

Ao apresentar a acusação de genocídio, corremos o risco de nos encontrarmos em cinco ou seis anos com um tribunal internacional que manterá a qualificação de crimes contra a humanidade e crimes de guerra, mas não a de genocídio. Será um momento politicamente difícil.

A existência da retórica genocida é inegável. É possível que atos cometidos em Mariupol ou Bucha possam ser qualificados como genocidas. O problema é provar a intenção.

Em 2015, uma sentença da Corte Internacional de Justiça (CIJ) estabeleceu um nível muito alto para poder provar “a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, inclusive indiretamente, por um curso de ação que pode ser razoavelmente entendido para refletir essa intenção.

 

Em um de seus livros [East West Street, 2016], você traçou a origem dos conceitos de “crime contra a humanidade” e “genocídio”. Devemos continuar a distinguir os dois quando vemos o que está acontecendo na Ucrânia?

 

Para mim, os crimes contra a humanidade não são menos terríveis que o genocídio. Qual é a diferença entre matar 10 mil pessoas porque pertencem a um determinado grupo ou como indivíduos?

Essa distinção não avança as coisas. Os rótulos colocados nas atrocidades que são cometidas realmente não importam.

 

Você argumenta que, do ponto de vista legal, seria melhor focar no crime de agressão. Por quê?

 

O conceito foi mantido pelo estatuto do tribunal de Nuremberg sob o nome de “crime contra a paz” para qualificar a direção, preparação, iniciação ou prossecução de uma guerra de agressão.

Sem este crime de agressão cometido contra a Ucrânia e esta guerra manifestamente ilegal, os outros crimes não existiriam. Esta é a única acusação que leva diretamente a Vladimir Putin e seus associados mais próximos.

Já para crimes de guerra e crimes contra a humanidade, a cadeia de comando é muito mais complexa. Estabelecer a distribuição precisa de responsabilidades leva anos, às vezes décadas.

Seria um desastre nos encontrarmos em poucos anos com julgamentos de funcionários de nível médio, processados por crimes de guerra e crimes contra a humanidade perante o Tribunal Penal Internacional (TPI), enquanto Putin e os funcionários mais graduados seriam poupados.

 

Como proceder? Quais são os principais obstáculos?

 

O TPI é competente para julgar crimes de genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, mas não é competente para o crime de agressão cometido por nacionais de um Estado que não ratificou o Estatuto de Roma que institui o TPI, que é o caso da Rússia.

Portanto, é necessário criar um tribunal especial para processar e julgar os principais autores deste crime de agressão, que está incluído no código penal da Ucrânia e da Federação Russa. Foi isso que o governo ucraniano decidiu na segunda-feira, 11 de abril.

Uma reunião será realizada na Lituânia em 6 de maio para discutir o apoio internacional a esta iniciativa.

A Ucrânia solicitará muito em breve assistência de países ocidentais e organizações internacionais como a União Europeia, o Conselho da Europa e a OSCE [Organização para a Segurança e Cooperação na Europa]. Até então, aguardando pedidos formais de assistência do governo ucraniano, os principais estados não tomaram uma posição oficial.

Os Estados Unidos e o Reino Unido estão, no entanto, mais abertos a este projeto do que a França, que parece totalmente contra.

 

Como você explica a oposição da França a este projeto?

 

Esta não é uma posição de princípio nem um problema de viabilidade. E isso não tem nada a ver com o que está acontecendo na Ucrânia.

A preocupação é política. A França está muito exposta na África. Muitos países africanos adotaram uma posição de neutralidade neste conflito.

O presidente francês e o Quai d'Orsay [Parlamento Francês] parecem estar se perguntando: se a Rússia, membro permanente do Conselho de Segurança, está sendo julgada hoje pelo crime de agressão, por que não nós amanhã, na África ou em outro lugar?

 

Como esta guerra é diferente das outras, ou não?

 

O que é diferente é a sua extensão. Esta é a primeira vez desde 1945 que vemos uma guerra de tal escala na Europa, uma guerra que é injustificável sob o direito internacional. Não foi autorizado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, não é um exercício de autodefesa e é o contrário de intervenção humanitária.

 

O direito internacional, que deveria regular o uso da força nas relações entre os Estados, não está em fase de retrocesso?

 

É muito cedo para dizer. O direito internacional desempenha um papel, assim como as sanções econômicas e a ação diplomática e militar.

Em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, os representantes de vários países aliados reuniram-se em Londres, por iniciativa de Charles de Gaulle, para redigir uma resolução sobre os crimes de guerra alemães que resultou, três anos depois, na criação do Tribunal Militar Internacional em Nuremberg.

Em 1993, quando foi criado o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, quem pensava que Slobodan Milosevic seria julgado em Haia?

A Ucrânia usa a força moral da lei com grande efeito para conquistar corações e mentes.

 

Os ucranianos dizem que estão lutando não apenas pela identidade nacional ucraniana, mas também pelos valores europeus. O que você acha disso?

 

Esta é uma guerra dramática para nós, europeus. Somos diretamente afetados pela proximidade, pela geografia, pelos valores, pelas religiões, pela identidade desses grupos que são afetados na Ucrânia.

Chechênia, Geórgia, Síria, Crimeia... Os europeus não fizeram nada durante quinze anos para conter Putin e devem se defender.

É a ordem europeia e a segurança da Europa que estão em jogo.

 

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