A arte da homilia. Artigo de Renato Borrelli

Foto: Cathopic

18 Fevereiro 2022

 

"Para chegar ao coração das pessoas com a Palavra, é preciso compartilhar a vida, ouvir muito e adaptar-se à sua linguagem", escreve Renato Borrelli, em artigo publicado por Settimana News, 14-02-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo.

 

À arte de celebrar pertence, com todo o mérito, a homilia que participa do valor sacramental da Palavra proclamada, desde que seja um sinal legível e, portanto, um veículo válido da mensagem para o hoje da Palavra que é contemporânea a cada homem ontem, hoje, sempre.

 

Sugestões introdutórias

 

Como qualquer arte que se preze, a homilia também exige um longo aprendizado, pesquisa contínua, aprofundamentos e sensibilidade em relação à realidade e ao mundo em que se vive. Nenhum músico chegou a compor suas obras-primas logo no início: Brahms compôs suas quatro sinfonias bastante tardiamente, resultado também de um trabalho penoso, assim como Mozart chegou às suas últimas obras-primas sinfônicas depois de uma rodagem com toda uma série de sinfonias.

 

As homilias que fazíamos como jovens padres eram frutos verdes que depois amadureceram ao longo das décadas e sempre foram aprimoradas e adequadas ao momento histórico.

 

O aprendizado, por mais trabalhoso que seja, não leva à aquisição de um resultado consolidado e repetitivo; é necessária uma atualização contínua para acompanhar a evolução da teologia, da exegese, do magistério (penso naquele fundamental para a comunicação oferecida pelo Papa Francisco) e dos tempos.

 

Ex abundante cordis os loquitur (Mt 12,34): plenitude, neste caso, que deriva do cuidado da própria fé e interioridade, e se manifesta como riqueza de conteúdos, fruto de leituras e de meditação.

 

Para um contínuo exame crítico do modo de fazer a homilia, considero importante a contribuição de livros que nos ajudem a descobrir tudo o que vai em detrimento da anunciação. Particularmente importantes são as observações que vêm dos fiéis, cujo feedback deve ser solicitado e tido em alta consideração.

 

Justamente do lado dos fiéis, há publicações que nos colocam diante de observações agudas e precisas. Só para citar alguns, há quem colocou sua competência específica a serviço para Salvar a homilia (Adriano Zanacchi) e quem, como Roberto Beretta, com grande senso de humor, para se Defender dos sermões adverte: De que púlpito...

 

Cláudio Dalla Costa nos traz suas Reflexões laicais sobre as homilias depois de um suspiroso Acabaram com o sermão? Palavras muito esclarecedoras nos oferece Andrea Grillo no verbete Homilia em seu belo livro A liturgia em 30 palavras. Com seu estilo original, Dom Alessandro Pronzato, muito próximo à sensibilidade dos fiéis, nos presentou com duas pérolas: O Evangelho segundo nós, no qual assume o papel de Um cristão comum que comenta o sermão dominical e A pregação prova da fé?

 

Acima de todos, porém, em 2013, o Papa Francisco nos doou um capítulo sobre a homilia na Evangelii gaudium, uma sintética summa a ter sempre presente, composta de indicações simples, mas precisas.

 

Eis como ele abre o discurso: “Consideremos agora a pregação dentro da Liturgia, que requer uma séria avaliação por parte dos Pastores. Deter-me-ei particularmente, e até com certa meticulosidade, na homilia e sua preparação, porque são muitas as reclamações relacionadas com este ministério importante, e não podemos fechar os ouvidos. A homilia é o ponto de comparação para avaliar a proximidade e a capacidade de encontro de um Pastor com o seu povo. De fato, sabemos que os fiéis lhe dão muita importância; e, muitas vezes, tanto eles como os próprios ministros ordenados sofrem: uns a ouvir e os outros a pregar. É triste que assim seja. A homilia pode ser, realmente, uma experiência intensa e feliz do Espírito, um consolador encontro com a Palavra, uma fonte constante de renovação e crescimento” (135).

 

O papa menciona as reclamações e ele mesmo aponta algumas delas.

 

Reclamações

 

A primeira reclamação é que "A homilia não pode ser um espetáculo de divertimento, não corresponde à lógica dos recursos mediáticos, mas deve dar fervor e significado à celebração" (138).

 

A este respeito Giuliano Zanchi faz a sua crítica, como é próprio do seu estilo: “O vértice indubitável desse declínio comunicativo continua sendo, no sentido comum, a homília dominical, sofrida na maioria das vezes como uma aflição incorporada ao preceito, que também os roteiros cinematográficos, não sem malícia, ajudaram a estabilizar mentalmente como reflexo da palavra aérea, prolixa, evasiva e insignificante, um tormento verbal que, por definição, não necessariamente tem que fazer os fatos corresponderem aos sons. Aqui, também, o ápice da pena é elevado toda vez que se tenta revitalizar a palavra homilética, recorrendo a técnicas ou expedientes energizantes tomados de empréstimo de habilidades comunicativas atualizadas. As bajulações dos métodos sempre se entrelaçam com os narcisismos no palco. Então se ouve de tudo. O tom envolvente do padre que assimilou a língua das televendas. A esfuziante retórica da persuasão ensinada nos manuais de management. A exaltação carismática do mega pregador estadunidense. Técnicas de incitação vindas da manipulação das massas mais que da conversão de corações. Tentações mais que tentativas. Técnica mais que sabedoria”.

 

A outra reclamação é a prolixidade. “A homilia é um gênero peculiar, já que se trata de uma pregação no quadro duma celebração litúrgica; por conseguinte, deve ser breve e evitar que se pareça com uma conferência ou uma lição. O pregador pode até ser capaz de manter vivo o interesse das pessoas por uma hora, mas assim a sua palavra torna-se mais importante que a celebração da fé. Se a homilia se prolonga demasiado, lesa duas características da celebração litúrgica: a harmonia entre as suas partes e o seu ritmo" (138).

 

A homilia não deve ultrapassar o seu tempo em detrimento do ritmo, do conjunto harmônico e também do peso a atribuir ao que segue. Se for longa demais, corre o risco de se tornar "longa e chata como a espada de Carlos Magno" (Voltaire) e se transformar no "tormento dos fiéis" (Carlo Bo).

 

Por outro lado, nem tudo se resolve na homilia: pressupondo uma proclamação correta e audível da Palavra, há toda uma série de referências na liturgia do dia que, como tantos incisos, remetem ao tema central, que deveria ser refletido também nas músicas escolhidas. O próprio tempo de silêncio bem calibrado que segue a homilia contribui para a assimilação da Palavra.

 

A preparação

 

Muito depende da preparação, que exige um cuidado especial a ser iniciado com antecedência, de forma a assegurar uma forma correta, leve, simples mas não superficial, e sobretudo contida: “Resuma o que tem a dizer, e diga muito em poucas palavras” (Ec 32,8).

 

O hábito, por exemplo, de estender a homilia em um espaço bem definido e de boa forma expositiva, garante que os parágrafos e as frases sejam mantidos sob controle e reduzidos ao essencial: esse exercício ajuda a conter os tempos. O fato de ter havido um trabalho apurado de aprofundamento permite, durante a exposição, experimentar a verdade do ditado de Catão Rem tene, verba sequentur, evitando assim ficar reduzido à leitura do texto em detrimento da espontaneidade e reciprocidade de olhares e reações entre o homiliasta e a assembleia.

 

No entanto, uma preparação cuidadosa e antecipada pode significar acumular muito material, com o risco de colocar carne demais para cozinhar. O Papa Francisco diz a este respeito: “A linguagem pode ser muito simples, mas pouco clara a pregação. Pode-se tornar incompreensível pela desordem, pela sua falta de lógica, ou porque trata vários temas ao mesmo tempo. Por isso, outro cuidado necessário é procurar que a pregação tenha unidade temática, uma ordem clara e ligação entre as frases, de modo que as pessoas possam facilmente seguir o pregador e captar a lógica do que lhes diz” (158).

 

No entanto, ter definido um espaço e um tempo precisos para a elaboração da homilia significará expor, por exemplo, dois temas com variações e incisos que os colocam em foco, também com referências a outras leituras e com atualizações oportunas sempre sobre o tema, tudo acompanhado de exemplos, imagens, comparações.

 

Algumas tentações

 

Depois de ter verificado os textos da liturgia do dia, é fácil juntar algumas ideias valendo-se da prática e de uma interpretação imediata dos textos que são fruto de uma vulgata sedimentada, arriscando revestir com palavras rebuscadas o vazio de conteúdos, como ironicamente dizia um bispo: "Podem nos faltar as ideias, mas não as palavras".

 

A abordagem dos textos guiada por uma correta exegese sugerirá o que não dizer, para ser fiel à verdadeira mensagem pretendida por quem escreveu e quem inspirou aquelas passagens. O aprofundamento realizado com auxílios específicos (penso no Serviço da Palavra) garante a não-arbitrariedade e também ajuda na tarefa de atualização da Palavra.

 

Karl Barth dizia que pela manhã meditava tendo em mente o jornal de um lado e a Bíblia do outro. Portanto, ler a história, os eventos à luz da Palavra, obviamente evitando os moralismos.

 

A homilia é profecia, "isto é, manter o olhar fixo em Jesus, procurando ver os homens e os acontecimentos com o próprio olho de Deus, olho de misericórdia e transparência", e tendo em mente a "profecia radical: a morte não tem a última palavra, a palavra de Deus pode chamar os mortos de volta à vida” (Enzo Bianchi, Cristiani nella società, p. 7 e 13).

 

Exemplares nesse sentido eram as homilias do padre Ernesto Balducci, impregnadas da espiritualidade da ressurreição, mesmo denunciando as distorções na história e no presente. “E, se aponta algo negativo, sempre procura mostrar também um valor positivo que atraia, para não se ficar na queixa, no lamento, na crítica ou no remorso. Além disso, uma pregação positiva oferece sempre esperança, orienta para o futuro, não nos deixa prisioneiros da negatividade” (159).

 

Não pode, portanto, atender as expectativas e os hábitos medíocres de uma religiosidade e sociedade burguesa. Jürgen Moltmann é claro a este respeito: “Esta esperança faz da comunidade cristã um elemento de perene perturbação nas comunidades humanas que querem tornar-se uma 'cidade estável'. Faz da comunidade a fonte de impulsos sempre renovados tendentes a realizar o direito, a liberdade e a humanidade aqui na terra, à luz do futuro que foi anunciado e que está por vir” (Teologia della speranza, p. 15).

 

São proibidos, portanto, os moralismos e os tons ameaçadores: "A Igreja é mãe e prega ao povo como uma mãe fala ao seu filho, sabendo que o filho tem confiança de que tudo o que se lhe ensina é para seu bem, porque se sente amado. Além disso, a boa mãe sabe reconhecer tudo o que Deus semeou no seu filho, escuta as suas preocupações e aprende com ele. O espírito de amor que reina numa família guia tanto a mãe como o filho nos seus diálogos, nos quais se ensina e aprende, se corrige e valoriza o que é bom; assim deve acontecer também na homilia” (139).

 

Por outro lado, "o âmbito materno-eclesial, onde se desenrola o diálogo do Senhor com o seu povo, deve ser encarecido e cultivado através da proximidade cordial do pregador, do tom caloroso da sua voz, da mansidão do estilo das suas frases, da alegria dos seus gestos" (140). Não por nada homilia significa conversa fraterna.

 

Outra tentação no âmbito da preparação é aquela de pensar imediatamente no que se deve dizer ao povo, passando por cima de um sério aprofundamento pessoal.

 

O Papa nos lembra que " outra tentação muito comum é começar a pensar naquilo que o texto diz aos outros, para evitar de o aplicar à própria vida... Na presença de Deus, numa leitura tranquila do texto, é bom perguntar-se, por exemplo: ‘Senhor, a mim que me diz este texto? Com esta mensagem, que quereis mudar na minha vida? Que é que me incomoda neste texto? Por que isto não me interessa?’; ou então: “De que gosto? Em que me estimula esta Palavra? Que me atrai? E por que me atrai?’" (153). “Isso é o que designamos de lectio divina. Consiste na leitura da Palavra de Deus num tempo de oração, para lhe permitir que nos ilumine e renove” (152).

 

Portanto, "antes de preparar concretamente o que vai dizer na pregação, o pregador tem que aceitar ser primeiro trespassado por essa Palavra que há de trespassar os outros, porque é uma Palavra viva e eficaz, que, como uma espada, "‘penetra até à divisão da alma e do corpo, das articulações e das medulas, e discerne os sentimentos e intenções do coração’"(150).

 

A angulação correta

 

A exigência de um sério aprofundamento não elimina, no entanto, a necessidade de uma justa angulação ao iniciar a homilia, para evitar que desde o início ela passe por acima das cabeças e da atenção. Habitualmente começar por dizer o que a primeira leitura nos diz, como e de que forma, o mesmo depois para a segunda e para o evangelho, não garante a atenção. O mesmo acontece se nos limitarmos a parafrasear o evangelho. Diante da conversa de sempre combinada com o típico tom de pregação, muitos mudam de canal, enquanto os garotos se salvam refugiando-se na imaginação ou preferindo dar uma espiada em seus celulares, distraindo-se até com um joguinho.

 

O uso transversal das três leituras e do salmo responsorial, recordando os pontos salientes nos momentos oportunos e tendo presente o tema principal da liturgia do dia, que os compiladores pretenderam sugerir na escolha dos textos (com resultados por vezes questionáveis), pode garantir a fidelidade à Palavra e a atenção dos fiéis.

 

O importante é a introdução para capturar imediatamente a atenção. É aconselhável entrar logo in media res, conectar o máximo possível um domingo a outro, mostrando assim uma continuidade temática progressiva, quando houver; colocar Cristo no centro, destacando desde o início o que ele quer comunicar hoje, em continuidade com o domingo anterior, para nos educar na fé, na coerência e no testemunho na sociedade.

 

Desta forma, os fiéis são ajudados a percorrer um itinerário permanente de iniciação à fé e à oração ao longo do ano litúrgico, sugerindo as modalidades possíveis para as pessoas, como aconselhava K. Rahner e como os próprios ritos fazem com seu desenrolar-se performático.

 

Uma preocupação constante deve ser a clareza. As palavras devem ser quebradas, como a casca de uma noz é quebrada para que saia o fruto. Se determinados termos forem usados, deve-se dar imediatamente uma explicação que elimine todo equívoco, porque algumas de nossas palavras têm outro significado no uso corrente ou uma ressonância diferente em quem escuta. Servizio della Parola para este fim dedicou uma coluna Le nostre parole, que mais tarde se tornou um livro disponível em formato kindle.

 

Será sempre necessário mediar a linguagem bíblica, sem contudo fazer uma lição de exegese. Será possível fazer uso da instrumentação histórico-crítica e teológica, da qual, no entanto, em certo sentido se espremerá o suco. Uma vez assimilada, ofereceremos o alimento essencial da Palavra, ruminado, mastigado, como fazem os pelicanos quando repassam a comida aos filhotes, para que a mensagem seja clara para todos. Exemplares são, nesse sentido, os divulgadores que, por meio da mídia, sabem apresentar conteúdos densos de backgroud científico em uma linguagem acessível a todos. A verdadeira cultura é a capacidade de dizer coisas profundas e exigentes com uma linguagem simples e compreensível.

 

Dois pontos delicados

 

“O desafio duma pregação inculturada consiste em transmitir a síntese da mensagem evangélica, e não ideias ou valores soltos. Onde está a tua síntese, ali está o teu coração” (143).

 

Muito depende, portanto, que tipo de síntese teológica e vital amadureceu o padre que fala ao povo.

 

Transmitir uma mentalidade de fuga mundi, exigências e espiritualidade de monges, ou um cristianismo muito devocional, muitas vezes frágil e suscetível a derivas fideístas e crédulas, significa colocar-se fora da realidade e falhar na tarefa de apresentar o aspecto místico do cristianismo (como dizia K. Rahner "o cristão do futuro ou será místico, ou não será"), isto é, uma espiritualidade emanante do batismo, para "nós das ruas" (Delbrêl), e ainda assim tornada ciente, por meio de inteligentes inserções mistagógicas na homilia, de sermos conduzidos pela ação do Espírito a confiar em Cristo e nos entregarmos ao Pai, inseridos no circuito trinitário.

 

Caso contrário, diante de espiritualidades alienantes ("devemos nos desapegar dos afetos familiares", e alguém pensa "mas, por quê!"; "desapegue-se do dinheiro", "e como vou comer?") ou à prevalência da lamentação, da queixa e da crítica, alguém é levado a "sentir-se incomodado ou oprimido e fechar-se", como quando se dá a ideia de que "Deus está exigindo de nós uma decisão demasiado grande que ainda não estamos em condições de tomar". A mãe de Dom Tonino Lasconi costumava dizer ao filho recém-saído da ordenação: "Por favor, faça o sermão curto, bonito e alegre" (Strada facendo, p. 66).

 

Portanto, é necessário encorajar as pessoas e ajudá-las a não "perder a alegria do encontro com a Palavra". A pregação positiva sempre oferece esperança, orienta para o futuro, não nos deixa prisioneiros da negatividade.

 

"Ressoa sempre na boca do catequista o primeiro anúncio: ‘Jesus Cristo ama-te, deu a sua vida para te salvar, e agora vive contigo todos os dias para te iluminar, fortalecer, libertar’" (164).

 

O outro ponto sensível é o chamado eclesialês. O Papa Francisco o descreve bem: “Acontece frequentemente que os pregadores usam palavras que aprenderam nos seus estudos e em certos ambientes, mas que não fazem parte da linguagem comum das pessoas que os ouvem. Há palavras próprias da teologia ou da catequese, cujo significado não é compreensível para a maioria dos cristãos. O maior risco dum pregador é habituar-se à sua própria linguagem e pensar que todos os outros a usam e compreendem espontaneamente” (158).

 

A esse respeito, R. Beretta, em seu simpático livro, nos deu um exemplo, criando naquele estilo uma página composta de tantas pequenas frases de sentido completo, inseridas em uma grade, para que, ligando-as aleatoriamente entre si, saia um discurso completo que, no entanto, diz tudo e nada. Mozart fez o mesmo em sua composição Musikalisches Würfelspiel (jogo de dados).

 

O cheiro das ovelhas

 

Para chegar ao coração das pessoas com a Palavra, é preciso compartilhar a vida, ouvir muito e adaptar-se à sua linguagem: "a pregação cristã encontra, no coração da cultura do povo, um manancial de água viva tanto para saber o que se deve dizer como para encontrar o modo mais apropriado para o dizer. Assim como todos gostamos que nos falem na nossa língua materna, assim também, na fé, gostamos que nos falem em termos da ‘cultura materna’, em termos do idioma materno (cf. 2 Mac 7, 21.27), e o coração dispõe-se a ouvir melhor. Esta linguagem é uma tonalidade que transmite coragem, inspiração, força, impulso” (139).

 

E então acontece o que Giuliano Zanchi descreve com maestria: "Quando, contra toda esperança dos presentes, a profecia do evangelho consegue ressoar em seu simples poder humanizador, capaz de ligar-se às verdadeiras questões de seres humanos reais, em que a Escritura manifesta todo o seu poder revelador, com a razoabilidade exigida pelo presente, talvez com palavras escolhidas com cuidado, com antecedência, com aquela naturalidade literária que só se aprende com o tempo, então as cabeças se erguem, os olhares se orientam, os olhos começam a fixar aquele que fala e se ouve aquele silêncio que não é o ruído do tédio, mas a suspensão da escuta. Não voa nem uma mosca. A palavra tocou os corações e mexeu com as mentes. Um encontro próximo desse tipo ocorre quando o pregador desperta a maravilha de uma escrita tão próxima do patamar da vida real que parece ter sido escrita anteontem justamente para nós” (G. Zanchi, Rimessi in viaggio, p. 73).

 

O que afirma Massimo Recalcati sobre os efeitos que a leitura produz, segundo a intuição lacaniana da lalingua, vale também para a homilia que sabe interceptar a vivência profunda das pessoas. “A leitura contém sempre a possibilidade misteriosa de sentir-se lidos. Por que esse livro me abala senão porque nele encontro as respostas ou perguntas que atravessam a minha vida? Quando leio, sou principalmente lido. Ler é se expor a uma experiência que pode se tornar um encontro. O leitor se encontra, através do livro, confrontado com sua própria lalíngua (Lacan)... Um livro me lê quando me responde, me chama, mostra meus fantasmas, afunda, por alguma razão oblíqua em minha lalíngua, surpreendendo-me e revelando-me o que eu inconscientemente já sabia, mas ainda não tinha as palavras para dizê-lo” (I tabu del mondo, pp. 138-139).

 

Concluo com um pensamento perspicaz do card. Martini: “Em matéria de pregação, todos sabem dar conselhos, mas poucos sabem fazê-la bem. Muitos sabem como deveria ser a pregação… Mas, uma vez recebidos os conselhos, a pregação continua a ser uma aventura”.

 

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