22 Dezembro 2021
"Dom Sérgio foi um missionário que Deus nos enviou, homem da Palavra e de palavra. Sua trajetória como Missionário Espiritano, desde suas primeiras missões, mostra o quanto foi comprometido com o anúncio e a vivencia do Evangelho. Assumiu para si a missão de estar junto do povo, vivendo com eles suas angústias, suas dores e conquistas. Foi assim quando atuou junto aos moradores de rua de São Paulo, quando atuou em Feijó, no Acre; e foi assim na Prelazia de Tefé e na Arquidiocese de Manaus. O Lema Episcopal escolhido por ele “Habitou entre nós” resume sua atuação como missionário, seja neste chão sagrado da Amazônia ou pelos lugares por onde passou", escreve Francisco Andrade de Lima, licenciado em História pela UEA e secretário Executivo do Regional Norte 1 da CNBB.
Para os cristãos, profeta é aquele que anuncia a boa nova e denuncia tudo que afeta a vida, procurando apontar os caminhos por onde se deve seguir. Apresentamos aqui um profeta dos nossos tempos, um homem que viveu a missão a ele confiada, sempre procurando cuidar da vida. Estamos falando de Dom Sérgio Eduardo Castriani.
Dom Sérgio Eduardo Castriani nasceu na cidade de Regente Feijó, Estado de São Paulo, no dia 31 de maio de 1954. Filho de Aurélio Castriani e de Anna de Mello Castriani. Viveu sua infância e adolescência nesta cidade. Ingressou na Congregação do Espírito Santo (Espiritanos). Em 1971, iniciou o curso de Filosofia no Instituto Poullart de Places (Faculdade Nossa Senhora Medianeira), em São Paulo. Em 1974, entrou para o noviciado. Entre os anos de 1975 a 1978, cursou Teologia no mesmo Instituto Poullart de Places (Instituto Pio XI).
No dia 2 de fevereiro de 1975, fez os primeiros votos. E, no dia 2 de fevereiro de 1978, os votos perpétuos. Foi ordenado padre no dia 9 de dezembro de 1978, em São Paulo. Como padre, sua primeira missão foi na cidade de Feijó, no Acre. Em 1984, retornou a São Paulo, onde foi diretor da casa de formação dos estudantes de Filosofia dos Missionários Espiritanos em São Paulo, na Vila Mangalot. Exerceu várias funções em sua congregação: ecônomo da casa provincial em São Paulo; conselheiro geral residindo em Roma, na casa generalícia. Foi nomeado pelo Papa São João Paulo II bispo Coadjutor da Prelazia de Tefé, sendo ordenado em agosto de 1998, e em outubro de 2000 assumiu o Governo da Prelazia como Bispo titular.
Na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, exerceu vários serviços: assumiu por dois mandatos a presidência da Comissão Episcopal Missionária da CNBB, presidiu a Comissão de elaboração do Documento da CNBB “Comunidades de Comunidades uma Nova Paróquia”. Membro da Comissão Episcopal para Amazônia. Foi membro delegado pela CNBB da Quinta Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, em Aparecida, em maio de 2007. No Regional Norte 1 – Amazonas e Roraima, foi membro da Presidência e exerceu a função de Bispo referencial da Juventude, da Comunicação, da Educação e Cultura.
No dia 12 de dezembro de 2012, foi nomeado pelo Papa Bento XVI Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de Manaus. Recebeu o pálio das mãos do Papa Francisco, na Basílica de São Pedro, em 29 de junho de 2013. Em 2015, participou do Sínodo dos Bispos sobre a Família, convidado pelo Papa Francisco. Participou do processo preparatório do Sínodo para a Amazônia.
Dom Sérgio foi um missionário que Deus nos enviou, homem da Palavra e de palavra. Sua trajetória como Missionário Espiritano, desde suas primeiras missões, mostra o quanto foi comprometido com o anúncio e a vivencia do Evangelho. Assumiu para si a missão de estar junto do povo, vivendo com eles suas angústias, suas dores e conquistas. Foi assim quando atuou junto aos moradores de rua de São Paulo, quando atuou em Feijó, no Acre; e foi assim na Prelazia de Tefé e na Arquidiocese de Manaus. O Lema Episcopal escolhido por ele “Habitou entre nós” resume sua atuação como missionário, seja neste chão sagrado da Amazônia ou pelos lugares por onde passou.
Antes de ser nomeado Bispo da Prelazia de Tefé, Dom Sérgio, exercia a função de conselheiro Geral da Congregação. Em 1997, por ocasião de uma visita aos seus confrades em Tefé, pude conhecê-lo. Já no ano seguinte, 1998, foi nomeado como Bispo da Prelazia de Tefé, para suceder outro grande Missionário, Dom Mário Clemente Neto.
Desde que Dom Sérgio chegou à Prelazia de Tefé, quando foi ordenado em 08 de agosto de 1998 até sua transferência para Arquidiocese de Manaus, foram muitas as visitas pastorais às comunidades ribeirinhas, indígenas, às cidades que compõem a Prelazia de Tefé. Foram 16 anos de muita dedicação àquele povo. Visitou as mais de 400 comunidades ribeirinhas, indígenas, urbanas, celebrou, viveu, se fez presente não apenas na vida religiosa das comunidades, mas em todas as dimensões participou da vida do povo, assumiu as lutas, se colocou ao lado das lideranças, dialogou com os poderes públicos.
Foram muitas as marcas deixadas por Dom Sérgio na Prelazia de Tefé. Destaco algumas delas: formação de lideranças comunitárias leigas para a vida da Igreja, bem como para a vida social; formação dos jovens vocacionados ao ministério ordenado; deu início e ordenou os primeiros diáconos permanentes da Prelazia, além da organização das pastorais sociais. Durante o exercício de seu ministério episcopal, sempre esteve presente na luta do povo.
Depois com a transferência para Manaus, pensávamos que a distância faria com que Dom Sérgio se desligasse da região da Prelazia de Tefé, que os contatos seriam menos frequentes. Mas Dom Sérgio nunca esqueceu das missões por onde passou. Até mesmo da primeira missão na década de 70, como padre jovem, nunca se esqueceu. Era referência para ele, seja em suas homilias, entrevistas, cartas, formações, retiros, crônicas... onde quer que fosse. Era um homem que anunciava a Palavra com clareza, seja para a pequena comunidade ou para os centros urbanos. Era como nos Atos dos Apóstolos “... e todos ouviam e entendiam em sua própria língua”.
Na Arquidiocese de Manaus, o Arcebispo Dom Sérgio continuou a mesma dinâmica, se fazendo presente junto às comunidades, sendo voz ativa junto às instituições, fazendo ecoar os clamores dos mais vulneráveis, dialogando e enfrentando os grandes desafios da região. Quando lhe faltaram as palavras, recorreu as letras. Com o avanço da doença, veio os desafios, a voz que ecoava com força vai desaparecendo, e surgem os grandes escritos.
Foram muitas as experiências com este homem, que nos ensinou a amar a Igreja com todas as suas limitações, seus pecados, e enxergar com misericórdia o irmão a irmã. Experiências pastorais, experiências pessoais. Destaco aqui a primeira experiência missionária com Dom Sérgio, quando em 1999 fez sua primeira visita à Comunidade de Nossa Senhora Aparecida (Município de Japurá), que na época pertencia à Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição (Município de Maraã), desde a viagem no Barco Zé Bezerra até Japurá, juntamente com um grupo de Casais, e outro jovem chamado Antônio da Pastoral da Juventude. Uma longa viagem de três dias. Foram dias de observação, de aproximação, de aprofundamento das relações, de conhecer melhor este novo Bispo, uma convivência muito fraterna e de oração de partilha de sonhos.
Depois desta experiência vieram tantas outras naquela Igreja de Tefé. Foram 14 anos convivendo quase que diariamente com Dom Sérgio. Mesmo quando estava em suas longas visitas Pastorais nos Rios da Prelazia, sempre dava um jeito de se comunicar conosco. A saída de Dom Sergio se deu em 12 de dezembro de 2012, quando foi nomeado para Manaus.
Todos nós já imaginávamos que ele não ficaria muito tempo na Prelazia, apesar de na Igreja haver o sigilo na escolha dos bispos, sempre haviam rumores. Apesar de Dom Sérgio dizer “fui nomeado Bispo da Prelazia de Tefé, esta é a minha casa, é aqui que concluirei missão”, sabíamos que não é bem assim. A ação do Espírito Santo não podemos prever, e veio a Transferência no dia da festa de Nossa Senhora de Guadalupe. Dom Sérgio recebeu de forma oficial a nomeação em uma Comunidade chamada “Gumo do Facão”, no Rio Juruá, Paróquia de Nossa Senhora da Imaculada Conceição (Município de Carauari).
Mais minha experiência com Dom Sérgio não terminou com sua transferência. Quis o Espírito que eu viesse exercer a missão na Secretaria do Regional Norte 1 da CNBB, e pude continuar a convivência próxima com Dom Sérgio e testemunhando sua caminhada, agora na Arquidiocese de Manaus.
Continuava sua linha de atuação, sempre buscando se fazer presente na vida do povo. Envolveu-se com várias lutas, como a dos professores, por melhores condições de trabalho; com os indígenas da periferia, apoiando suas lutas, dando voz a estes povos. Quando os migrantes venezuelanos começaram a chegar, logo colocou a disposição a Cáritas, a Pastoral do Migrante e acompanhou pessoalmente a situação. Foi muito presente no Comitê de Combate à Corrupção Eleitoral do Estado do Amazonas. Continuou dialogando com as autoridades públicas, quando precisava ser mais incisivo, ele assim o fazia.
Com o agravamento de sua doença, o Homem da Palavra vai se transformando no homem de Palavra, que se revela, sobretudo, pelo testemunho. Com a saúde já bem fragilizada, ele continuava buscando fazer-se presente em suas antigas missões. Destaco uma grande experiência com Dom Sérgio nesta fase da vida dele. Celebração dos 60 anos da Paróquia de São Benedito, em Itamarati, na Prelazia de Tefé, que fez questão de estar presente, juntamente com Dom Fernando Barbosa, Bispo da Prelazia de Tefé. Já na chegada, o povo daquela cidade estava esperando no aeroporto. A sensação era que as pessoas iriam “aparar” o pequeno avião, pois quando aterrizou, avistamos uma pequena multidão na pista do pequeno aeroporto. Depois, em carreata, alguns carros, muitas motos, seguiam o carro que Dom Sérgio era transportado. Isso revela o quanto ele foi querido por onde passou.
Outra experiência que compartilho foi a participação dele no encontro de preparação para Sínodo, em agosto de 2019, em Belém. A simples presença dele e o seu testemunho falavam mais que qualquer coisa. Com olhar e ouvidos atentos, participava de todo o encontro.
Mesmo como Arcebispo Emérito de Manaus não descansou. Atendia as pessoas que o procuravam em sua casa, ou na Igreja dos Remédios, participava ativamente da caminhada da Arquidiocese. Quando os vereadores de Manaus tentaram reajustar seus salários em plena pandemia, ele escreveu pedindo prudência e dizia: “Chega a ser desrespeitoso aumentar salários de quem já é bem pago e é exatamente esta falta de sensibilidade para com os mais pobres que me espanta e entristece”. Este trecho da carta é revelador sobre a vida de Dom Sérgio. Assim como iniciou sua vida missionária, ele conclui sua missão, de forma simples buscando se colocar sempre na defesa no fragilizado, do pobre. Assim foi no início de sua missão com os moradores de rua em São Paulo, assim foi em Manaus.
Poderíamos continuar relatando as experiências vividas com Dom Sérgio. Mas tenho certeza que quem o conheceu, quem pode conviver com ele, poderá acrescentar tantas outras experiências vividas com este homem. Um grande desafio para nós e para a Igreja da Amazônia é guardar a memória e a história deste grande missionário, para que possa inspirar outros a dar continuidade à missão junto ao povo desta região.
Dom Sérgio Eduardo Castriani, homem da Palavra e de Palavra, agora é o homem do testemunho, do silêncio, que permanecerá sempre conosco, habitando nossos corações. Nossa gratidão a Deus que nos enviou este missionário servo de Deus, que gastou sua vida aqui, se tornou um de nós. Que seu corpo se transforme em semente a germinar neste chão sagrado que tanto pisou e amou.