14 Dezembro 2021
Distinguir bem a lógica dos diferentes “delicta graviora” pode nos ajudar a redescobrir que a reserva masculina a todo ministério eclesial não é mais um tabu e que a partilha da mesa eucarística não é, acima de tudo, um ato de profanação.
A opinião é de Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado por Come Se Non, 13-12-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As normas sobre os “delitos reservados”, que foram recentemente atualizadas com base na reforma do direito penal canônico ocorrida no ano passado (e sobre a qual remeto àquilo que já foi escrito na época sobre a “verdadeira e falsa reforma do direito penal”), podem ser lidas em diferentes níveis, e seria injusto reduzi-las a uma única dimensão.
No entanto, pode ser útil examiná-las em um nível estritamente sistemático, mas utilizando uma perspectiva incomum: ou seja, a do “bestiário fantástico” sobre o qual um dos autores favoritos do Papa Francisco trabalhou por muito tempo: Jorge Luis Borges.
Sabemos muito bem que um texto normativo, especialmente quando tem a forma de uma lista particular, é uma coleção de coisas diferentes, que vêm de tempos diferentes, de espaços diferentes, de problemas diferentes.
A organização do material se qualifica pelo critério sistemático: podemos organizar uma lista de animais pela cor das suas penas, ou pela capacidade de correr, ou pelo modo de dormir. No “Manual de Zoologia Fantástica”, Borges nos dá a prova de quanta imaginação pode suportar um catálogo rigorosamente organizado.
Tentemos ler o novo documento com este critério: de onde vêm os “crimes mais graves” aqui agrupados e com que critério são considerados? É preciso especificar que essa lista diz respeito apenas àqueles delitos, crimes e pecados considerados tão graves a ponto de reservar a sua competência a um “tribunal especial”, o da Congregação para a Doutrina da Fé.
E aqui, justamente, coisas velhas e coisas novas se misturam de uma forma surpreendente. Poderíamos dizer que aqui, de forma negativa, temos um quadro das prioridades eclesiais. Com a imaginação de Borges, poderíamos dizer: assim como o Vaticano II quis dizer a verdade da Igreja “apenas positivamente”, aqui a mesma verdade é dita “apenas negativamente”.
Por isso, é útil ler o “catálogo” como tal: ou seja, olhar a coleção dos crimes na sua estrutura e impacto geral.
Esse “bestiário fantástico”, cuja lógica foi inaugurada em 2001, sob o pontificado de João Paulo II, e que já foi remanejado duas vezes (2010 e 2021), apresenta esta lista, com esta terminologia e nesta ordem:
- Artigo 2: delitos contra a fé: heresia, apostasia, cisma;
- Artigo 3: delitos mais graves contra a santidade do Santíssimo Sacrifício e o sacramento da Eucaristia: sacrilégio; profanação das espécies consagradas; tentativa ou simulação de celebração da eucaristia; concelebração com os ministros das comunidades eclesiais que não têm a sucessão apostólica e não reconhecem a dignidade sacramental da ordenação;
- Artigo 4: delitos mais graves contra a santidade do sacramento da Penitência: absolvição do cúmplice no pecado contra o sexto mandamento; tentativa de absolvição sacramental; escuta proibida da confissão; simulação da absolvição; solicitação ao pecado contra o sexto mandamento; violação do sigilo sacramental; gravação ou revelação das coisas que são ditas pelo confessor ou pelo penitente;
- Artigo 5: delito mais grave de tentativa de ordenação sagrada de mulher;
- Artigo 6: delitos mais graves contra os costumes: o pecado contra o Sexto Mandamento cometido por clérigo com menor ou incapaz; a aquisição, a posse, a exibição ou a divulgação, por fins de libido ou de lucro, de imagens pornográficas de menores de 18 anos por um clérigo.
O olhar que percorre o catálogo não pode ser apenas analítico. Deve ser sintético, deve ser capaz de se fazer sistemático. Mas aqui, de sistemático, encontramos apenas algumas coisas, de forma apenas mencionada e de acordo com lógicas não coerentes. Analisemos as distinções em jogo, que vêm de longe:
a) a Congregação para a Doutrina da Fé é competente quanto à “fé” e aos “costumes”. A matéria, portanto, parece dividida com esse critério, que funciona muito bem no início e no fim. Certamente, os “delitos contra a fé” têm uma tradição antiga própria, exatamente como os “delitos contra os costumes”.
Mas é evidente que a categoria “contra os costumes” é insuficiente e pode até mesmo desviar do caminho se pretende substituir a dos “crimes contra a dignidade da pessoa”. O fato de chamar o abuso de um menor de “delito contra o Sexto Mandamento” pode causar sistematicamente uma forma de grave incompreensão da realidade.
b) A região intermediária é aparentemente unificada pelo tema “sacramento”, que é posto sob observação por estar vinculado à fé. Certo. Mas a suposta uniformidade sistemática entre os três sacramentos (eucaristia, penitência e ordem) parece ser fruto de uma “teologia de escrivaninha”, não de uma “teologia de rua”.
E subsume sob as mesmas categorias casos muito, muito diferentes. É precisamente essa “uniformidade sistemática” a coisa menos convincente em toda essa operação, que inicia apenas no início do terceiro milênio (portanto, sem qualquer tradição anterior).
c) Na região intermediária, é evidente que as diversas questões são uniformizadas pelo tema objetivo, mas não pela especificidade da questão. Profanar a eucaristia, alterar gravemente a celebração ou buscar a comunhão com as igrejas irmãs podem se tornar “o mesmo delito” apenas em uma perspectiva puramente formal. A sistemática jurídica aqui aparece confusa e desorientada, sem o conforto de uma sistemática teológica clarividente.
d) O delito mais recente nessa lista é a “tentativa de ordenação de mulher”, que nasceu em 2007 e foi inserido na lista em 2010. Como único caso de “delitos mais graves” relativo ao sacramento da ordem, ele consiste em um caso limite de “sanção” que parece encerrar “penalmente” todo discurso sobre o diaconato feminino.
De fato, com o estilo paradoxal de Borges, poder-se-ia dizer que uma comissão oficial, que estivesse discutindo a eventualidade de uma retomada do diaconato feminino, poderia ser considerada uma espécie de “serpente no seio”, que visaria a atentar contra a integridade da fé da Igreja. Assim, injustamente, uma sanção penal poderia ser muito mais persuasiva do que mil dados históricos.
Jorge Luis Borges e Francisco nos convidam a usar bem a imaginação do coração, a incompletude do sistema e a inquietude da consciência. Uma leitura confusa de um texto jurídico nos assinala uma coisa importante: sem negar à sanção também o seu papel, em todos os aspectos da vida humana e cristã, devemos evitar confundir os níveis e criar “sistemas punitivos” que não sabem distinguir bem as formas, as linguagens e os contextos daquilo que é bom e daquilo que é mau. Aproximar coisas que devem permanecer distantes e afastar coisas que devem permanecer próximas é precisamente um defeito de olhar e um vício de experiência.
O Evangelho também tem os seus “bestiários”. E uma imagem muito bonita nos ajuda a sair do constrangimento. Em um catálogo evangélico que se referisse ao camelo, poderíamos colocá-lo perto da agulha e do mosquito. O camelo fica entre o buraco da agulha e o coador do mosquito: passa mais facilmente do que o rico pelo buraco e é engolido com desenvoltura, ao contrário do pequeno inseto.
A imagem sapiencial e profética de “coar o mosquito e engolir o camelo” (Mt 23,24) é uma bela indicação daquilo que, sem querer, corremos o risco de produzir com essas listas de autoridade, mas pouco controladas no nível sistemático.
Distinguir bem a lógica dos diferentes “delicta graviora” pode nos ajudar a redescobrir que, enquanto isso, a reserva masculina a todo ministério eclesial não é mais um tabu e que a partilha da mesa eucarística não é, acima de tudo, um ato de profanação. Que pensar a contradição com os “costumes” como “pecado contra Deus” não é a única forma de restabelecer a justiça, e que a dignidade de todo sujeito, seja ele adulto ou menor, não é simplesmente dedutível das normas com as quais uma societas perfecta protege a fé e os costumes.
O tato superfino para aproximar ou afastar as coisas, entre elas e entre nós, faz parte dessa arte dos catálogos, que é muito importante também para a tradição “dos delitos e das penas”.