01 Setembro 2021
"Se o feijão anda escasso na mesa do brasileiro, as armas abundam nos arsenais. Dados do Ministério da Economia informam que, em 2020, nossa população importou US$ 29,3 milhões (equivalente a 150 milhões de reais) em revólveres e pistolas, um recorde histórico. O volume importado foi 2.656% maior que a média da série histórica, iniciada em 1997. Hoje, o Brasil importa mais armas de fogo que bicicletas e lápis", escreve Frei Betto, escritor, “O diabo na corte – leitura crítica do Brasil atual” (Cortez), entre outros livros.
Eis o artigo.
No sábado, 28 de agosto, cometi tremenda idiotice: comi feijoada. Tivesse dado ouvidos a milicianos, teria caído de boca num prato de balas de fuzil. Mas se careço de inteligência, esbanjo memória. Lembro-me do cerco de Jerusalém, no ano 70, comandado pelo general romano Tito, filho do imperador Vespasiano. No desespero da fome dentro da cidade sitiada, moradores ricos clamavam por trocar joias e ouro por um pedaço de pão.
Desconfio que os assaltantes dos bancos de Araçatuba trilharam o caminho inverso. Armaram-se de fuzis e bombas para roubar dinheiro e comprar feijão.
Devido aos aumentos do gás de cozinha, da gasolina e do diesel, num país cujos produtos trafegam em quatro rodas, somados à alta da inflação e dos preços dos alimentos, falta feijão na mesa do brasileiro. Nos últimos 12 meses, o preço do feijão-fradinho subiu 42,4%. O do arroz, 39,7%. E todos que nascemos ao som do grito do Ipiranga bem sabemos que o bem-estar do brasileiro se apoia em cinco efes: feijão, farinha, futebol, festa e fé.
Se o feijão anda escasso na mesa do brasileiro, as armas abundam nos arsenais. Dados do Ministério da Economia informam que, em 2020, nossa população importou US$ 29,3 milhões (equivalente a 150 milhões de reais) em revólveres e pistolas, um recorde histórico. O volume importado foi 2.656% maior que a média da série histórica, iniciada em 1997. Hoje, o Brasil importa mais armas de fogo que bicicletas e lápis.
Segundo Bernardo Mello Franco (O Globo, 29/08/2021), em 2020 praticamente dobrou o número de armas registradas na Polícia Federal. Foram 186 mil, aumento de 97,1% em relação ao ano anterior. E o governo facilitou também o acesso a armas de alto poder ofensivo, como fuzis semiautomáticos, cujo uso era restrito às forças de segurança.
E você, preclaro leitor ou estimada leitora, onde pensa que vai parar a maioria dessas armas, no prato dos brasileiros ou nas mãos de bandidos como os de Araçatuba?
Não é à toa que BolsoNero escolheu como lema de seu governo o verso truncado de nosso hino nacional: “Pátria armada, Brasil”.
Leia mais
- Esse ódio que assola o país
- Cadê a cultura política? Artigo de Frei Betto
- “Temos que oferecer um projeto de Brasil ao nosso povo”, propõe Frei Betto
- “Não há um único genocídio que não tenha sido precedido por discursos de ódio”
- Estado de ódio: o extremismo de extrema direita. Um relatório
- O viagra do Bozo. Artigo de Maria Rita Kehl
- Tem gente morrendo de Covid, tem gente morrendo por bala, tem gente morrendo de solidão, tem gente morrendo de fome; mas morre-se mesmo é de desgoverno
- 'Custo Bolsonaro' cobra fatura com dólar, inflação, juros e miséria em alta
- Numa atmosfera de necropoder instalada, Bolsonaro apenas atualiza política de morte. Entrevista especial com Paulo Bueno
- Prevaricação, Corrupção e Violência: o bolsonarismo escancarado
- O Brasil entre a Cultura de Paz e o belicismo
- Brasil lidera importações de armas na América do Sul
- Câmara amplia acesso a armas para caçadores, atiradores e colecionadores. Brechas para o descontrole
- “Absoluto desastre”: Bolsonaro libera porte de armas para mais de 19 milhões de pessoas
- Fórum Brasileiro de Segurança Pública critica flexibilização de armas: contraria legislação e ignora estudos
- Mais armas, mais segurança: a questionável lógica de Bolsonaro
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Feijão, fuzil e Araçatuba - Instituto Humanitas Unisinos - IHU