03 Agosto 2021
"O problema é mais grave do que se possa imaginar. A política árabe não se renova e por isso os problemas explodem em um confronto entre "laicos arabistas" e islamistas que não interpreta as reais sociedades civis", escreve Riccardo Cristiano, vaticanista italiano e fundador da Associação de Amigos do Pe. Paolo Dall’Oglio, em artigo publicado por Settimana News, 02-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Que país é a Tunísia? É um pequeno país à beira do default econômico que só poderia resistir até o final de agosto ou é aquele grande país que promulgou o código do estatuto pessoal que sanciona a emancipação feminina, iniciou a Primavera Árabe expulsando Ben Ali e obtendo o prêmio Nobel conferido ao povo tunisino?
É o país de tantos jihadistas ou a pátria daqueles que, seguindo o autoimolado vendedor ambulante Muhammad Bouazizi, lançou o desafio aos regimes mais longevos do undo, os árabes-seculares e os islâmicos?
Se esta, entre graves doenças sociais e oposições radicais, é a verdadeira história da Tunísia - uma história que vem "de baixo" - então a história "de cima" parece repetir-se, tal como as suas interpretações. Nas avaliações políticas "altas", de fato, o remédio necessário sempre aparece ser o mesmo.
Quando, em 1990, a Frente de Salvação Islâmica venceu as eleições políticas na Argélia, o remédio amargo administrado foi o golpe, única forma identificada de evitar o tormento islamista. Quando no Egito, em 2013, o povo repudiou o mau governo do islamista Muhammad Morsi, o remédio necessário foi mais uma vez o mesmo: o golpe.
O que aconteceu na Tunísia - onde o Presidente da República suspendeu os trabalhos parlamentares, impôs toque de recolher noturno e afastou o premiê, aproximando-se da maioria parlamentar ligada ao Islã político - parece seguir o clichê de sempre, porém introduzindo uma novidade: o populismo.
O presidente Kais Saied não é um militar, não tem um partido e parece não querer isso: denuncia a corrupção política - mais do que evidente para todos os analistas - em um país que afunda na incompetência, nas intrigas, no desemprego (40 %), bem como incipiência sanitária, dado que a Tunísia ostenta a pior classificação de vacinação (7%) em todo o continente africano e um número muito elevado de mortes por Covid.
O fim do turismo - recurso decisivo - sela a crise sanitária àquela econômica, em uma crise total única. O espectro do default está realmente atrás da esquina.
Mapa da Tunísia (Foto: IBGE)
Como, nestas condições, podemos falar de uma terceira república tunisina, depois daquela do absolutismo de Ben Ali e daquela nascida da revolução dos jasmins?
Saied parece agora querer mudar as formas da democracia, partindo das comunidades territoriais para chegar ao centro. Mas em um país em crise de representação - onde os partidos desaparecem no curto espaço de uma temporada e a própria força política próxima ao Islã político, ou seja, o Ennahda, é considerada reduzida à metade nos consensos - sua receita convence apenas a alguns, porque não tem sistemas de implementação, nem expressão política concreta.
Assim, mais uma vez, o exército torna-se o instrumento da política: uma evidente não-novidade. Se na época de 2011 o exército não interveio para salvar o ditador Ben Ali, hoje permite o golpe branco de Saied. A verdadeira novidade foi aquela de 2011 - ou seja, a não intervenção dos militares - não aquela de hoje.
Enquanto isso, a Tunísia recupera apenas atenção internacional - e italiana - para outra não-novidade: os botes de refugiados em fuga de um país que contava com o caminho árabe rumo a uma democracia realmente laica, ou seja, respeitadora das construções que desde sempre animaram o mundo árabe, ou seja, o islamismo e um determinado arabismo "laico", quase sempre terminado nas mãos de um militar.
Saied, portanto, introduziu o populismo no confronto político árabe? O que o presidente pediu ao primeiro-ministro expulso - Hichem Mechichi - e não obteve, é o que todos gostariam: um governo de técnicos para salvar o país do default econômico e sanitário.
Mas as respostas a sua virada institucional - talvez mediada por outros - já nos dizem muito: acusam Saied os países que agora assumiram uma liderança de marca da Irmandade Muçulmana: Turquia e Qatar. Aprovam a manobra de Saied aqueles que combatem contra os Irmãos: Arábia Saudita e Egito.
Em nome de quê, eles estão lutando entre si? Em nome da liderança de uma área geográfica de maioria sunita e, portanto, dos grandes interesses econômicos em jogo.
A pressão estrangeira também inclui o caso da Tunísia em um esquema que nada tem a ver com a "nova democracia": o apoio ou as críticas a Saied se resolvem na disputa entre os dois blocos que disputam a liderança do Islã sunita em toda a área de extensão.
O bloco liderado por Erdogan encontra-se hoje - de fato - em termos de maior compatibilidade com o Irã xiita, que tem como objetivo derrotar os sauditas: pode, portanto, conviver com aqueles que - mesmo desafiando-o - resultam amigos. Por esse motivo, os Estados Unidos estão observando com cautela: Saied parece querer prometer conter aqueles grupos - apoiados por Erdogan - que circulam na vizinha Líbia. É isso que também empurra a França para Saied?
Mapa dos países do norte da África (Foto: Toda Matéria)
O problema é mais grave do que se possa imaginar. A política árabe não se renova e por isso os problemas explodem em um confronto entre "laicos arabistas" e islamistas que não interpreta as reais sociedades civis. Sob o peso de fracassos contínuos e repetidos, em um desinteresse percebido pelo mundo diante do sangue que se derrama em tantos cenários, o niilismo está tomando conta da região, agravando os problemas de todos e levando à radicalização inexorável, fim do confronto entre violências e dirigismos autoritárias com bem pouca autoridade.
O que serviria é uma nova política, mas quem a mata pela raiz é a crise econômica que destrói as classes médias, enriquece os ricos e deixa os pobres a si mesmos. Assim, também o “populismo” de Saied corre o risco de ser sugado para o dirigismo autoritário.
A linha de crédito de US $ 500 milhões de que dispõe a Casa Branca poderia agora ser o ponto de partida para um repensamento político. Essa forma de ajuda - sempre almejada, mas jamais praticada - poderia cruzar os pedaços do sonho populista de Saied: não despertaria de imediato a democracia, mas realçaria, no entanto, a necessidade de acabar de forma decisiva com as velhas lógicas políticas.
Para uma renovação autêntica, só se pode dar crédito aos recursos humanos do povo tunisino, apesar dos terríveis desafios que enfrenta. Este povo precisa de ajuda!
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Tunísia: um conflito entre os Islãs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU